Pela TV, a aposentada Valdete da Silva Cordeiro, de 73 anos, assiste ao noticiário das manifestações que tomaram as maiores cidades brasileiras nas duas últimas semanas torcendo para que o movimento jogue luz nova sobre os efeitos da inflação alta e o caos na educação e na saúde públicas. “Faltava o povo ir às ruas. Não sei o que aconteceu, mas a vida estava melhor, tanto que comprei TV, colchão e fogão. Hoje, o dinheiro não daria mais para isso”, conta, sem esconder a aflição com a corrida dos preços no supermercado e na farmácia, o aumento das contas de luz e água. Valdete e o marido Daniel Santos, de 74, são típicos representantes da população que ascendeu ao consumo, graças ao crescimento recente da renda e da expansão do crédito favorecido pelos juros baixos, e agora se vê numa corda bamba.
Grande beneficiada pelo crescimento do salário mínimo, do crédito e mais ainda do aquecimento do mercado de trabalho, a classe média em ascensão, que viu a renda dar um salto na última década sente no bolso os efeitos da carestia. O ritmo de compras está fragilizado e com menor volume de crédito e contas para pagar, as famílias endividadas fazem cortes no orçamento. Elas teriam bandeiras para engrossar a onda de protestos nas ruas. A maior delas é o controle da inflação. O dragão abocanha boa parte da renda e já leva os emergentes a trocar marcas, pulverizar as compras que passaram a ser feitas em vários pontos de vendas. Muitos já cortam produtos da lista dos supermercados.
“A classe C emergente pode vir a participar dos protestos, mas só se houver bandeiras muito bem definidas, por exemplo, o combate à inflação, ou, digamos que os recursos dos royalties do petróleo fossem para o transporte. Medidas que afetam diretamente sua qualidade de vida”, diz Renato Meirelles, presidente do Instituto Data Popular. Na última década, 37 milhões ascenderam a chamada classe C ingressando no mercado de consumo. Especialistas são unânimes em dizer que até o momento os emergentes que deixaram a pobreza estão seguros pelo mercado de trabalho, mas têm parte da renda corroída em duas grandes pontas: alimentos e serviços, como transporte, educação, telefonia, internet e TV paga.
Contas novas
Especialista no tema, o ministro-chefe internino da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Marcelo Neri, afirma que não há reversão dos ganhos dessa nova classe de consumidores no Brasil medida pelos indicadores socio-econômicos. Em relação aos últimos anos, a renda e o emprego continuam a crescer, no entanto, em menor intensidade, mas surgiram, de fato, pressões decorrentes de despesas antes inexistentes como os celulares de pais e de filhos, o uso da internet e da TV a cabo. São contas que comprometem o poder de compra das famílias, em meio a aspirações também novas.
“São um pouco das dores do crescimento e há um efeito cultural dos brasileiros, mais cigarras do que formigas, estas sim previdentes e cuidadosas”, afirma. As manifestações pelo país, na avaliação de Neri, refletem um clima de inquietação não exatamente de grupos “perdedores” da população, mas daqueles que evoluíram menos. “Não se pode descuidar da inflação e tomar empréstimo no Brasil continua sendo algo arriscado”, diz.
Neide Maria da Silva trabalha como autônoma. Seis vezes por semana faz faxinas a R$ 100 a diária. A renda familiar garante sua condição na chamada classe média, que inclui brasileiros com renda individual entre R$ 291 e R$ 1.019. No supermercado Neide já trocou as marcas até de produtos básicos como arroz e feijão. Está substituindo também massas e produtos de limpeza. Do seu carrinho de compras, muitos supérfluos já saíram, como os refrigerantes das chamadas marcas de referência.
Ela pesquisa preços em vários supermercados, pulverizando as compras. “Antes o preço do meu serviço era mais baixo, mas parece que meu salário rendia bem mais. Nesse ano, as contas apertaram muito, mesmo com a alta da diária de R$ 85 para R$ 100”, diz ela, que paga, ainda, a prestação do carro. Mãe de três filhos, Neide diz que reprova o vandalismo e a violência das manifestações, mas não esconde que iria para as ruas pela saúde pública. “A saúde está tão precária que ando pensando em contratar um plano de saúde.”
Para quem se endividou na onda de expansão do crédito –o endividamento das famílias cresceu de 19% da renda total que elas acumulavam até março de 2005 para quase 44% em março último –a elevação dos juros complica a vida. Se não bastasse a mudança de cenário, a perda de fôlego do emprego e a queda dos rendimentos do trabalho neste ano, pelo terceiro mês em maio, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), gera incertezas quanto aos rumos da ascensão social no Brasil.
Grande beneficiada pelo crescimento do salário mínimo, do crédito e mais ainda do aquecimento do mercado de trabalho, a classe média em ascensão, que viu a renda dar um salto na última década sente no bolso os efeitos da carestia. O ritmo de compras está fragilizado e com menor volume de crédito e contas para pagar, as famílias endividadas fazem cortes no orçamento. Elas teriam bandeiras para engrossar a onda de protestos nas ruas. A maior delas é o controle da inflação. O dragão abocanha boa parte da renda e já leva os emergentes a trocar marcas, pulverizar as compras que passaram a ser feitas em vários pontos de vendas. Muitos já cortam produtos da lista dos supermercados.
“A classe C emergente pode vir a participar dos protestos, mas só se houver bandeiras muito bem definidas, por exemplo, o combate à inflação, ou, digamos que os recursos dos royalties do petróleo fossem para o transporte. Medidas que afetam diretamente sua qualidade de vida”, diz Renato Meirelles, presidente do Instituto Data Popular. Na última década, 37 milhões ascenderam a chamada classe C ingressando no mercado de consumo. Especialistas são unânimes em dizer que até o momento os emergentes que deixaram a pobreza estão seguros pelo mercado de trabalho, mas têm parte da renda corroída em duas grandes pontas: alimentos e serviços, como transporte, educação, telefonia, internet e TV paga.
Contas novas
Especialista no tema, o ministro-chefe internino da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Marcelo Neri, afirma que não há reversão dos ganhos dessa nova classe de consumidores no Brasil medida pelos indicadores socio-econômicos. Em relação aos últimos anos, a renda e o emprego continuam a crescer, no entanto, em menor intensidade, mas surgiram, de fato, pressões decorrentes de despesas antes inexistentes como os celulares de pais e de filhos, o uso da internet e da TV a cabo. São contas que comprometem o poder de compra das famílias, em meio a aspirações também novas.
“São um pouco das dores do crescimento e há um efeito cultural dos brasileiros, mais cigarras do que formigas, estas sim previdentes e cuidadosas”, afirma. As manifestações pelo país, na avaliação de Neri, refletem um clima de inquietação não exatamente de grupos “perdedores” da população, mas daqueles que evoluíram menos. “Não se pode descuidar da inflação e tomar empréstimo no Brasil continua sendo algo arriscado”, diz.
Neide Maria da Silva trabalha como autônoma. Seis vezes por semana faz faxinas a R$ 100 a diária. A renda familiar garante sua condição na chamada classe média, que inclui brasileiros com renda individual entre R$ 291 e R$ 1.019. No supermercado Neide já trocou as marcas até de produtos básicos como arroz e feijão. Está substituindo também massas e produtos de limpeza. Do seu carrinho de compras, muitos supérfluos já saíram, como os refrigerantes das chamadas marcas de referência.
Ela pesquisa preços em vários supermercados, pulverizando as compras. “Antes o preço do meu serviço era mais baixo, mas parece que meu salário rendia bem mais. Nesse ano, as contas apertaram muito, mesmo com a alta da diária de R$ 85 para R$ 100”, diz ela, que paga, ainda, a prestação do carro. Mãe de três filhos, Neide diz que reprova o vandalismo e a violência das manifestações, mas não esconde que iria para as ruas pela saúde pública. “A saúde está tão precária que ando pensando em contratar um plano de saúde.”
Para quem se endividou na onda de expansão do crédito –o endividamento das famílias cresceu de 19% da renda total que elas acumulavam até março de 2005 para quase 44% em março último –a elevação dos juros complica a vida. Se não bastasse a mudança de cenário, a perda de fôlego do emprego e a queda dos rendimentos do trabalho neste ano, pelo terceiro mês em maio, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), gera incertezas quanto aos rumos da ascensão social no Brasil.