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Estado de Minas CUSTO DE VIDA

Orçamento está pesado em casa e no Estado

Aumento da dívida bruta contraria discurso de responsabilidade fiscal do governo. E a preocupação das famílias com as próprias despesas e com a economia também fica maior


postado em 24/06/2013 06:00 / atualizado em 24/06/2013 08:37

A dona de casa Odália Dornellas tem segurado as contas e diminuído os gastos nos supermercados(foto: CRISTINA HORTA/EM/D.A PRESS)
A dona de casa Odália Dornellas tem segurado as contas e diminuído os gastos nos supermercados (foto: CRISTINA HORTA/EM/D.A PRESS)
Brasília e Belo Horizonte – Cuidar do orçamento doméstico é uma obsessão para a dona de casa Maria das Graças Araújo, de 57 anos. Sobretudo nos últimos meses, quando ela começou a perceber uma redução no poder de compra. “Sempre pesquiso bastante. Sei o que posso comprar pagando menos em determinado supermercado”, relata Graça, como gosta de ser chamada, que é casada, mãe de uma estudante universitária. As despesas fixas não passam de metade do dinheiro disponível todo mês. O restante é poupado. “Quero comprar uma televisão e um sofá, mas no momento isso é inviável. Nem penso em gastar com coisas supérfluas”, afirma. Só depois de juntar dinheiro com folga, Graça se permite fazer compras desse tipo. Endividar-se está fora de questão.

Mesmo mantendo as contas com tanto cuidado, a família de Graça, formada por três pessoas, deve R$ 41.436, considerando que a cada brasileiro cabe a parcela de R$ 13.828 da dívida acumulada pelo governo federal, que, em abril, dado mais recente disponível, estava em R$ 2,68 trilhões, ou 59,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Desde dezembro de 2010, quando atingiu 53,4% do PIB, essa proporção vem percorrendo uma rota ascendente, com pequenas variações eventuais para baixo em alguns meses.

Segundo a economista Eliana Cardoso, professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo, a evolução da dívida enfraquece a credibilidade do discurso de responsabilidade fiscal por parte do governo. “No mesmo dia em que enfatizou as ações para combater a inflação, a presidente Dilma Rousseff anunciou um novo plano para a compra de eletromésticos com subsídios. Isso é contraditório”, analisa.

Eliana se refere ao programa Minha Casa Melhor, lançado pela presidente no Palácio do Planalto há alguns dias. Trata-se de uma linha de crédito de R$ 5 mil oferecida aos beneficiários do principal programa habitacional do país. Depois de comentar o novo programa, em seu discurso, Dilma falou sobre a preocupação com a carestia: “Não há a menor hipótese de que meu governo não tenha uma política de combate e controle da inflação”.

Nos protestos


O discurso de Dilma pareceu ter como alvo sobretudo as donas de casa, grupo em que sua popularidade vem diminuindo mais significativamente. São pessoas para quem não vale a pena contrair dívidas nem mesmo com juro zero. E não são só elas que demonstram estar preocupadas ao mesmo tempo com a economia doméstica e a do país, como demonstram, na avaliação de Eliana Cardoso, os protestos da semana passada em várias cidades do país.

“As pessoas que estão nas ruas têm noção do que é um orçamento, de que são direcionados recursos para estádios com padrão Fifa, e para os hospitais públicos, com uma qualidade muito inferior”, argumenta. Na avaliação de Eliana, “tem faltado transparência à forma como o governo vem tratando os números”. Especialmente, ela explica, no que se refere à dívida pública.

A dona de casa Odália Dornellas conta que não se descuida do orçamento em tempos de inflação alta. Tanto que muitos itens já não entram no carrinho de supermercado, que costuma chegar ao caixa bem vazio. Além das trocas de rotina, ela deixou de adquirir alguns alimentos, substituindo carnes e frutas. “O que antes eu comprava com R$ 200 agora me custa R$ 300. É nos preços dos alimentos que a inflação mais pesa.” Para buscar alternativas ela não é fiel a marcas e nem a pontos de venda.

Para Maria das Graças Araújo, não é hora de gastar com coisas supérfluas e nem de endividar-se(foto: VIOLA JÚNIOR/ESP. CB/D.A PRESS)
Para Maria das Graças Araújo, não é hora de gastar com coisas supérfluas e nem de endividar-se (foto: VIOLA JÚNIOR/ESP. CB/D.A PRESS)
O aposentado Sérgio Peres, 74 anos, não passa um mês sem olhar os recursos que entram e os que saem de sua conta bancária. No último ano, ele precisou tirar dinheiro da poupança e quitar dívidas. Para evitar que isso se repita, ele cortou R$ 3 mil das despesas mensais, fazendo o orçamento caber na renda mensal de R$ 7 mil. “Tive que abrir mão de algumas coisas para manter a saúde financeira da minha família em dia”, relata.

O país já esteve em situação semelhante às contas de Sérgio antes do corte: despesas muito além das receitas jogavam a dívida para cima. Não é mais o caso, explica Eliana Cardoso, que já trabalhou no Ministério da Fazenda, no Banco Mundial e no Fundo Monetário Internacional (FMI). “Mesmo assim, o fato de a dívida estar subindo é ruim. Aponta a existência de desequilíbrios fiscais”, avalia. Ela julga importante observar a evolução da dívida bruta, que é apontada acima e no quadro ao lado, em vez da dívida líquida, um número que o governo prefere usar. “É a dívida bruta que tem de ser servida (paga)”, afirma. (Colaborou Marinella Castro)

Diferenças entre o passado e o presente

A divisão entre o montante bruto da dívida e o líquido dos débitos se justificava uma década atrás, segundo análise do economista Alexandre Schwartzman, que foi diretor do Banco Central (BC) em parte do governo Lula. Mas hoje isso foi deturpado e perdeu o significado. Quando ele estava no BC, as reservas internacionais eram o único ativo descontado de um item para outro. Assim, em situações de estresse internacional, quando o dólar subia, a dívida líquida diminuía. Em momentos de bonança, quando havia valorização real, a dívida aumentava, mas sem consequências negativas. Uma das vantagens da dívida líquida é que na comparação internacional o Brasil se sai bem, com nível mais palatável. Esse item está em apenas 36,1% do PIB, de acordo com dados de abril, os mais recentes disponíveis.

Hoje, porém, a lista de ativos financeiros descontados da dívida bruta inclui também recursos transferidos do Tesouro para bancos públicos. Esse dinheiro é destinado a empréstimos subsidiados, que rendem muito menos que os recursos que o governo tem de desembolsar como serviço de sua dívida. Um economista do mercado que prefere não ser identificado faz a seguinte analogia: “É como se eu entrasse no cheque especial para emprestar R$ 200 para meu cunhado comprar uma calça. Considerando que ele me pagará o que deve, minha dívida líquida é zero. Mas minha despesa de juros não é. Tenho que pagar ao banco”.

No ano passado, foram R$ 213,9 bilhões com essas despesas, o que representou 4,86% do Produto Interno Bruto (PIB). No primeiro trimestre, a despesa foi de R$ 80,3 bilhões, ou 5,28% do PIB no período. Nos Estados Unidos, onde a dívida pública é de 72% do PIB, os juros representam apenas 2,8% da riqueza gerada no país. “Não adianta nada dizer que o montante da dívida é menor do que nos países desenvolvidos se o serviço não é”, critica o economista Paulo Rabello de Castro, da RC Consultores. Para vários economistas ouvidos pela reportagem, mais preocupante que o tamanho da dívida brasileira é o desembolso com juros. A queda da Selic reduz o problema muito pouco, porque atualmente só uma pequena parte dos títulos que compõem as obrigações do Tesouro é indexada a ela.

Luís Otávio de Souza Leal, economista-chefe do Banco ABC Brasil, também vê com desconfiança a comparação com outros países, aparentemente favorável ao Brasil. “Não adianta nos comparar com os Estados Unidos e os países europeus. O que os investidores internacionais observam são os outros países emergentes. E, em relação a eles, a nossa dívida está em um nível preocupante, nada confortável”, sentencia.

Para Schwartzman, não há risco de explosão da dívida, como já houve no passado. Mas se tivesse usado o período de bonança de alguns anos atrás para reduzir a dívida, de modo anticíclico, o país estaria em uma situação mais confortável hoje para lidar com as dificuldades do cenário internacional. “Teríamos maior margem de manobra”, explica. (PSP)


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