Em meio à manutenção das medidas de estímulo ao consumo, aumento do crédito e deterioração das contas públicas, o Banco Central (BC) não tem sido capaz de influenciar os debates internos sobre política econômica conduzidos pela presidente Dilma Rousseff. Agora, precisa “corrigir” o impacto dessas medidas na inflação.
Nos últimos meses, em pleno processo de combate do repique inflacionário e aperto da política monetária, o BC assistiu ao largo a elevação dos gastos do governo e o anúncio de novas medidas de estímulo ao consumo, como o lançamento do programa Minha Casa Melhor.
O programa destinou uma linha de crédito de R$ 18,7 bilhões para a aquisição de eletrodomésticos e móveis com juros subsidiados de 5% ao ano e recebeu críticas internas até mesmo do Ministério da Fazenda e da Caixa, banco gestor do crédito aos beneficiários do Minha Casa, Minha Vida.
O ápice desse escanteamento do BC é mais visível na área fiscal. Para evitar um confronto direto com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, responsável pela gestão da política fiscal, o BC, comandado por Alexandre Tombini, tem sido pouco transparente em suas comunicações oficiais sobre como os gastos do governo pressionam a inflação e dificultam o trabalho da política monetária. O procedimento é muito diferente do que ocorria na administração de Henrique Meirelles, marcada por fortes embates - públicos e privados - com Mantega.
Por escrito
Em seus últimos comunicados, por exemplo, o BC enfatiza apenas o caráter expansionista da política fiscal. Declarações públicas dos diretores do BC se resumem a destacar, sem grande ênfase ou advertência, que o cumprimento da meta fiscal integral, fixada em R$ 155,9 bilhões (cerca de 3,1% do Produto Interno Bruto), desviaria a trajetória da política fiscal expansionista para contracionista da demanda.
Na atas do Comitê de Política Monetária (Copom) e no relatórios de inflação, o BC tem preferido um “tecnicismo” que tem deixado confusos até mesmo analistas experientes do mercado. Nesses documentos, o BC afirma que considera nas suas projeções o cumprimento da integral meta de superávit de R$ 155,9 bilhões, conforme os parâmetros da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
O problema é que a LDO permite um abatimento de até R$ 65 bilhões (aproximadamente 1,3% do PIB) de despesas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e desonerações tributárias. Além disso, mudanças na LDO, introduzidas recentemente, dispensaram o governo federal de compensar a frustração da meta de 0,95% do PIB dos Estados e municípios.
Dessa forma, a LDO deixa em aberto uma margem muito grande de qual poderá ser o efetivo esforço fiscal do governo em 2013. E, com isso, o BC acaba não explicitando qual é a meta que usa nos seus modelos internos para estimar o comportamento da inflação.
Língua
Na ata de janeiro, o BC retirou a expressão “sem ajustes” que era usada tradicionalmente no “coponês” para explicitar que o Copom espera o cumprimento integral da meta, sem usar a autorização dada em lei para abatimentos. No cenário traçado para 2014, a expressão também foi retirada.
Essa ambiguidade, apoiada num jogo de palavras, vem dando margem até a interpretações erradas no mercado financeiro de que o BC estaria trabalhando nas suas projeções com o cumprimento da meta cheia. Mas essa hipótese não é admitida nem mesmo por Mantega, que assumiu recentemente o compromisso de economizar o equivalente a 2,3% do PIB, meta considerada muito difícil de ser atingida pela área técnica, mesmo com a redução dos gastos com investimentos.