Brasília – Os repentinos congelamentos de tarifas públicas de transportes e energia nos últimos dias, motivados pela atual onda de protestos populares, ameaçam o ambicioso pacote federal de concessões de infraestrutura. No momento em que o Palácio do Planalto coloca todas as suas fichas nas licitações previstas para o segundo semestre como forma de tirar a economia do marasmo, o impacto sofrido nos últimos dias pelas ações de concessionárias de serviços públicos foi só um sintoma de perdas ainda maiores para o setor no futuro com um agravamento da desconfiança dentro e fora do país.
Ao fazer concessões às ruas, os governos estaduais e municipais sinalizaram aos investidores que a remuneração de concessionárias estão ameaçadas, além de deixar a relação contratual mais frágil. Daí o nervosismo verificado esta semana na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Para piorar, ontem, a União, via Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), também embarcou nessa tática que acaba por elevar as pressões sobre seu próprio planejamento.
"Apesar de haver um grande interesse de investidores estrangeiros nos projetos, eles começam a olhar para eles com mais moderação", afirmou Marlon Ieiri, advogado do escritório FHCunha e assessor de potenciais candidatos nos leilões de grandes concessões. Ele acrescenta que a variação cambial também deixou o cenário ainda mais nebuloso para a rentabilidade dos contratos futuros, além do fantasma da ingerência política sobre os critérios para reajustes tarifários. Os ministros César Borges (Transportes) e Moreira Franco (Aviação Civil) descartam eventual perda de apetite dos investidores.
O governo federal espera concluir até amanhã o cálculo da taxa de retorno do trem de alta velocidade (TAV) entre as capitais de São Paulo e do Rio de Janeiro. A expectativa é de que o principal projeto de infraestrutura do país tenha retorno acima das concessões de rodovias (7,2%) e de ferrovias (7,5%), que também serão leiloadas este ano. O certame da primeira etapa da licitação do TAV para escolha da tecnologia e do operador deverá ocorrer em setembro, com propostas de interessados entregues um mês antes.
Cláudio Gonçalves, economista e professor da Trevisan Escola de Negócios, ressalta que o governo conseguiu avançar em diversos pontos dos planos de concessão, mas continua esbarrando em suas próprias dificuldades de gestão. "As licitações se deparam a todo momento com questões burocráticas e na falta de entrosamento entre os ministérios e órgãos envolvidos", observa.
O cenário adverso do risco político sobre as concessões foi deflagrado no dia 19, quando o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB), optou pela suspensão do aumento das tarifas de ônibus, repetindo o gesto do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), e do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), que recuaram nas tarifas de ônibus, metrô e trens. O governador fluminense Sérgio Cabral também tirou o reajuste dos bilhetes de trens, barcas e metrô.
FREIO NA PASSAGEM A ANTT determinou ontem o adiamento dos reajustes das tarifas de ônibus internacionais e interestaduais. Os aumentos entrariam em vigor em julho, mas o percentual só será dado após concluir negociações com as empresas. Segundo o Ministério dos Transportes, a ANTT também negocia a suspensão de reajustes com concessionárias de rodovias federais, que seriam aplicados em agosto.