Enquanto os porta-vozes da política econômica tentam tranquilizar a população, as prateleiras dos supermercados testemunham mudanças de hábito. Não se trata mais de pessimismo ou otimismo: o avanço dos preços já alterou o orçamento e a ânsia de consumo do brasileiro. "Estamos trabalhando (para diminuir a inflação). Se vai ter resultado, o futuro vai dizer", disse, na última semana, o diretor de Política Econômica do Banco Central, Carlos Hamilton Araújo.
Os brasileiros já devem aos bancos o equivalente a 25% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo a autoridade monetária. Mais de 60% das famílias estão endividadas. A inadimplência parou de cair, sustentando um patamar de 7,5%. Os juros subindo, para tentar conter a inflação, devem encarecer os empréstimos ao consumidor. E o dólar volátil ainda pode piorar a situação. Diante desse cenário, a receita é continuar alerta.
A facilidade e a abundância de crédito nos últimos anos, avaliam os especialistas, acabaram incentivando um consumo irresponsável, que agora tem de ser revisto. "É hora de cautela e conservadorismo. É importante que as pessoas entendam o momento frágil pelo qual passa a economia brasileira", comenta o economista-chefe da Gap Asset Management, Alexandre Maia, que acrescenta a piora na geração de vagas de emprego como mais um ponto de aflição.
O Banco Central garante que os preços voltarão a cair no segundo semestre. O economista-chefe do Banco Espírito Santo no Brasil, Jankiel Santos, não recomenda aos brasileiros acreditar nesse discurso. "Acho bom ter cuidado", diz ele. "Estamos há meses com inflação alta. O consumidor tem de ser mais seletivo na hora de comprar. A alta de juros não vai fazer efeito de imediato", emenda o economista do Itaú Unibanco Caio Megale.
A instabilidade da economia levou a assistente financeira Andrea Rauen Dutra, 46 anos, a mudar de hábitos. "Nunca parcelei alimentação. Mas, com essa alta de preços, tenho dividido as compras em duas vezes", conta ela, garantindo pagar a fatura do cartão de crédito integralmente. Para driblar a carestia, ela substituiu produtos e até deixou de levar alguns para casa. "Já não compramos tanto refrigerante e começamos a trocar suco por chá", explica.
No planejamento financeiro da casa, Andrea tem feito de tudo para diminuir os gastos. "Vou mudar o plano do meu celular e o do meu filho para pré-pago", adianta ela, acrescentando que a inflação contribuiu para a mudança de outros costumes. "Já não como tanto em restaurantes. Para o almoço, tento sempre levar comida para o trabalho", relata. "Também deixei de comprar peças de vestuário ou itens para a casa."