A alta de preços travou a ascensão social dos brasileiros. Considerada motor da economia e responsável por evitar o pior na crise de 2008, a classe média foi duramente afetada pelo crescimento frustrante do país e pela inflação corrosiva. A saída de pessoas da linha da pobreza praticamente estagnou e, em 2012, a chamada classe C registrou a menor expansão em 16 anos: um avanço de 0,92% ante o ano anterior, segundo dados da consultoria IPC Maps e da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep). Em 2013, apesar de alguma melhora, o crescimento não deve passar de 1%.
Na última década, 40 milhões de pessoas chegaram à badalada classe C. Os fortes estímulos ao consumo, no entanto, acabaram levando essa fatia de brasileiros a um endividamento recorde: até abril, segundo o Banco Central, 44,34% da renda familiar anual estava comprometida com empréstimos e financiamentos, de forma que não há mais espaço para novas dívidas. O total de crédito contratado pelos consumidores, ainda com base em números da autoridade monetária, saiu de 15% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2007 para 25% este ano.
Com uma fatura tão grande a pagar, as famílias não têm tido muita escolha: precisaram mudar hábitos e abrir mão de conquistas. Enquanto umas adiam planos, outras se veem obrigadas a se desfazer de patrimônios para quitar dívidas e tentar fugir da inadimplência, que em maio ficou em 7,5% — o primeiro mês em que não houve queda do indicador de calote desde dezembro de 2012. “O consumo estagnou e a inflação parece que saiu de controle”, comenta Carolina Andrade, da Kantar Worldpanel, resumindo o que explica boa parte do freio na ascensão social.
Além do marasmo da classe C, dados do IPC Maps e da Abep revelam que o ritmo de subida para faixas de renda mais alta também começa a desacelerar. Enquanto em 2011 a classe B cresceu 10,21%, em 2012 esse percentual caiu pela metade (5,85%), e em 2013, alcança 2,32%. “Nos últimos anos, o consumo das famílias puxou o crescimento da economia, mas atingiu um limite”, avalia o diretor do IPC Maps, Marcos Pazzini. O esgotamento da capacidade de garantir emprego para todos esses brasileiros, alerta ele, trava a expansão da atividade e reduz ainda mais a mobilidade social.
Diante das atuais condições econômicas do país, melhorar de vida tende a ficar mais difícil. Com projeções cada vez piores para o PIB deste ano, o Brasil pode terminar o ano com crescimento pífio e de volta ao topo do ranking dos países com os maiores juros reais do planeta — algo em torno de 10% ao ano —, o que brecaria de vez a recuperação da atividade. Analistas de mercado sustentam que o país já reúne, inclusive, características para entrar em recessão. “Até o desemprego em alta pode estar próximo”, alerta Nilo Gill, da DX Investimentos.
A economia desacelerando, combinada com a alta de juros, ameaça o sonho de pleno emprego. Empresas estão revendo metas e enxugando gastos. Se o país não reagir, os cortes em postos de trabalho serão inevitáveis. Com dívidas e sem salário, os brasileiros parariam de vez de ascender socialmente e poderiam até regredir de classe. “Tudo isso mexe com a qualidade de vida das pessoas, com o otimismo e o humor”, comenta Renato Meirelles, sócio-diretor do Data Popular, instituto de pesquisa especializado nas classes C e D no Brasil.
O processo de ascensão social bem mais lento atingiu em cheio o comércio. Com menos gente melhorando de vida, a venda de bens duráveis não para de frustrar lojistas. Em maio, como confirmou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na última semana, nem o Dia das Mães garantiu bons resultados. “O Brasil passou muito tempo com o consumo inchado, não pelo aumento da renda em si, mas pelo otimismo. As pessoas foram se endividando achando que a coisa ia dar certo”, comenta o consultor em varejo Alexandre Ayres, da Neocom Informação Aplicada. Todo esse processo, sustentam especialistas, ameaça a meta da presidente Dilma Rousseff de acabar com a pobreza extrema no país até 2014.
ACIMA DO TETO A nítida desaceleração do consumo em todas as classes sociais marcou o primeiro semestre de 2013. A inflação — que estourou o teto da meta do governo em junho, chegando a 6,7% no acumulado de 12 meses — se concretizou e ninguém sabe dizer até quando os brasileiros terão de aturar a alta de preços. A população que, embalada pelo crédito em abundância, melhorou de vida vendo o país crescer precisou colocar o pé no freio por questão de sobrevivência.
Como sempre, as classes de menor renda são as que mais sofrem com a retração da economia. Estimulados a comprar e a realizar sonhos antes inalcançáveis, os mais pobres estão tendo de adaptarem à nova realidade, com o desafio nada fácil de abrir mão de conquistas recentes.
A carestia nos preços dos serviços começa a limitar os sonhos do motoboy Luiz Otávio de Souza, que ganha dois salários mínimos. A intenção dele era trocar de motocicleta este ano, mas o plano teve de ser adiado porque os gastos com manutenção aumentaram muito e não está sobrando dinheiro. “Além disso, planejei construir o segundo andar da minha casa, comprei todo o material, mas o preço da mão de obra subiu tanto que está tudo guardado”, completa.