Encontrar profissionais qualificados tem sido um desafio para alguns setores produtivos. Pesquisa da Fundação Dom Cabral indica que 92% das empresas de grande porte têm dificuldade em contratar. Os obstáculos são escassez de profissionais capacitados, em 81% dos casos, falta de experiência na função (49%) e deficiência na formação básica (42%). Ao mesmo tempo, vários profissionais com alto nível de conhecimento técnico, supostamente talhados para o cargo, não são aceitos nas vagas disponíveis e não compreendem o motivo do pouco reconhecimento das suas qualidades. Para os especialistas, o cenário indica um descompasso entre o que o mercado quer e o que o especialista tem a oferecer.
A empresa de recrutamento Page Personnel constatou que, em três regiões do país, contrariando as constantes queixas das corporações, os candidatos se consideram plenamente adequados às necessidades do mercado e prontos para exercer as funções demandadas. Pelos dados da Page Personnel, nos locais das maiores reclamações, são inversamente amplas as certezas de enquadramento. No Sudeste, a falta de mão de obra qualificada é apontada por 41,1% das companhias. No Sul, foram 53,4%. E no Nordeste, 66,7%. Porém, quando os candidatos entrevistados fazem uma autoavaliação, no Sudeste, 41,5% se acham qualificados. Na Região Sul, 67,4%. E no Nordeste, 69,6%.
Roberto Picino, diretor-executivo da Page Personnel, ensina que o primeiro passo para evitar essas contradições é o autoconhecimento. Identificar o que quer e onde se encaixa: carreira acadêmica, corporativa, privada ou pública. E isso deve ser estabelecido ainda bem jovem. "Se não fez, é a hora de procurar aconselhamento de um head hunter e encontrar novos rumos. Vale destacar também que, para o profissional muito qualificado, já não existe mais aquele emprego de oito horas por dia. Ele tem que estar disponível o tempo todo", disse.
Para Fabricio Barbirato, diretor-executivo do Instituto de Desenvolvimento de Conteúdo para Executivos (IDCE), o currículo é apenas uma referência no ambiente corporativo. "A rigor, diplomas de mestre ou doutor não convencem. Ganha a vaga quem tem conhecimento, competência e networking (rede de contatos). Ou seja, sabe fazer e conhece pessoas estratégicas que confirmem essa experiência", aponta. Permanecem no emprego os que demonstram visão empreendedora, domínio de técnicas comportamentais e de liderança; oferecem excelente retorno em curto prazo; e se realinham rápida e objetivamente quando seus projetos não apresentam o resultado previsto.
Ao perder o emprego, o profissional não pode entender o fato como um fracasso. "Costumo dizer que ele não está desempregado. Achou um novo nicho chamado recolocação", reforça Barbirato. O candidato precisa pesquisar muito sobre as empresas com possíveis vagas em sua área, como estão classificadas no segmento, no Brasil e no mundo, e até procurar conhecer seu eventual chefe. "Não adianta se colocar dentro de uma redoma e se achar o dono da verdade. Esse tempo já passou", destaca.
Progresso
Apesar de as estatísticas do governo apontarem que o país vive a era do pleno emprego, é preciso entender onde e como essa prosperidade ocorre. Divonvir Arthur Gusso, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), lembra os dados do Ministério de Ciência e Tecnologia: entre os cerca de 600 mil mestres e doutores brasileiros, o nível de desemprego não chega a 5%. "O número é insuficiente para o país e grande parte está nas universidades ou no serviço público. Se a economia crescer 4%, vão faltar, por exemplo, engenheiros para construir estradas", assinala. Ele explica, no entanto, que a atração pela vida acadêmica e pelo setor governamental não ocorre por acaso.
As empresas, por longos anos, preferiram consumir patentes a investir em pesquisa. A Pesquisa de Inovação (Pintec), de indicadores setoriais da indústria, aponta que apenas 5% das grandes corporações se preocuparam com avanços tecnológicos. Exceção para algumas do ramo automobilístico, como GM e Fiat. E das públicas, como Embraer e Petrobras (que tem o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento – Cenpes, com mais de 4 mil pesquisadores). Gusso conta que só recentemente as empresas entenderam o conceito "produtividade". "Se não quiser resolver o descompasso entre o diploma e a expectativa do empregador, ou não se acostumar a fazer a empresa ganhar dinheiro, vai conviver com um orçamento apertado ", diz Gusso.
Luis Testa, diretor de marketing da Catho, concorda que a falta de mão de obra especializada é fato quando se fala de engenheiros. Mas, na área de Ciência Humanas, há abundância e mercado competitivo. Além disso, a briga por vaga fica mais pressionada porque os salários são muito parecidos no topo da carreira, independentemente da qualificação. Pesquisa da Catho com executivos que chegaram a presidente, diretor ou gerente aponta que a diferença da média salarial de quem tem doutorado, mestrado ou MBA (do inglês Master of Business Administration, pós-graduação voltada para o trabalho) é de pouco mais de R$ 1,2 mil. Doutores, nessa situação, ganham, em média, R$ 12,9 mil mensais. Mestres, R$ 12,2 mil. E com o MBA, R$ 11,6 mil.