Nos séculos passados, exploradores portugueses ou personagens como sir Francis Drake e o capitão James Cook entraram para a história tentando abrir caminhos em busca de uma rota mais curta entre a Europa e os lucrativos mercados asiáticos.
Agora, são justamente os chineses que fazem o caminho oposto. As obras que revolucionaram o comércio internacional, como os canais do Panamá ou o de Suez, ganham novo e inesperado concorrente: o degelo do Ártico e a abertura de passagens naturais que começaram a ser usadas pela China para tornar suas exportações ainda mais competitivas em seu trajeto para a Europa.
Na semana passada, graças aos efeitos do aquecimento global, o primeiro navio mercante da China iniciou sua viagem à Europa e, no lugar de passar pelo tradicional canal de Suez, que em sua época revolucionou o comércio mundial, optou por uma rota atravessando o Ártico. O navio Yong Sheng promete entrar para a história e ser o primeiro de muitos enviados por Pequim pela nova rota.
Degelo
A viagem até a Europa só foi possível pela nova rota graças ao fato de que geleiras na região e o mar congelado por anos acabaram sendo afetados pela elevação das temperaturas globais e, de uma forma natural, abriram canais.
A economia feita pelos chineses ao utilizar o novo trajeto superaria qualquer redução de tarifa de importação negociada com os governos europeus e que exigiriam dos chineses uma contrapartida. No caso do Ártico, a viagem entre os portos no nordeste da China e Roterdã é reduzida de uma média de 48 dias para apenas 33, uma queda de 33% nos custos de transporte. No total, 7 mil quilômetros são evitados no trajeto de ida e volta, com redução substancial no consumo de combustível.
A distância entre dois portos fundamentais no mundo - o de Xangai e o de Hamburgo - é encurtada em 2,8 mil quilômetros ao se utilizar a nova rota.
Os chineses não são os primeiros a frequentar a região. Em 2010, quatro navios pediram autorização para usar a passagem. No ano passado, a operadora russa de navios encarregados de quebrar gelo e abrir rotas - a Rosatomflot - informou que foi contatada por 46 embarcações para realizar o trajeto. Em 2013, já são 372 navios, principalmente de países que contam com parte de seu território nas fronteiras do Ártico, como Rússia, Noruega e outros.
Estratégia
O número é insignificante diante dos 19 mil navios que passam todos os anos por Suez. Mas é a estratégia declarada dos chineses que surpreendeu os europeus e o fato de que o degelo começa a mudar o mapa da região.
A maior exportadora do mundo usa as vias marítimas para transportar 90% de suas vendas ao mundo. Mas o Instituto de Pesquisas Polares da China acredita que, até 2020, parte dos US$ 7,6 trilhões comercializados por Pequim com o mundo passará pelo Polo Norte. Para a entidade, 30% desse fluxo pode ocorrer usando as rotas que, por conta do degelo, permitem a navegação por quatro meses do ano.
Na Europa, autoridades e empresas locais não disfarçam a preocupação diante da iniciativa da China, ainda que muitos admitam que o uso da passagem por Pequim seria um passo "natural" diante das medidas que vem adotando nos últimos anos para marcar sua posição de interesse pela região.
Em 2012, o quebra-gelo chinês Xuelong fez sua primeira viagem pela rota. Também no ano passado, a China comprou um porto inteiro na Islândia, já se preparando para usá-lo como entreposto comercial. Ao mesmo tempo em que adotava medidas de infraestrutura, a China assinou um acordo de livre-comércio com a minúscula Islândia.
Obstáculo
Se aparentemente o acordo poderia parecer uma aberração entre um país de 350 mil habitantes e outro de 1,2 bilhão, o real motivo era o de garantir que, em alguns anos, o país não se transforme em um obstáculo para as exportações da China para o Ocidente.
Se não bastasse, Pequim se transformou em um membro observador no Conselho do Ártico, ainda que o clube tenha sido formado pelas oito nações que têm acesso de seu território ao Polo Norte.
"Há uns cinco anos, muitos olhariam com hesitação diante de rumores de que a China se lançaria em uma política direcionada ao Polo Norte", disse Rob Huebert, especialista da Universidade de Calgary, no Canadá. "Mas a China tem destinado muitos recursos para a região para garantir que ela possa ser considerada legítima como uma potência ártica", apontou.
Além dos europeus, russos e americanos também começam a reagir ao avanço chinês pelo Polo Norte. Em recente discurso, o secretário de Estado americano, John Kerry, insistiu em lançar um plano para aumentar sua presença econômica e comercial no Ártico, justamente para dar sinais aos chineses de que não existe um vácuo de poder na região.