Os benefícios nos programas de fidelidade das companhias aéreas continuam dando muita dor de cabeça aos consumidores. Isso porque pontos e milhas acumulados durante longo tempo podem simplesmente desaparecer em consequência de fraudes e vulnerabilidade no sistema. Um consultor de sistemas, que preferiu não ter o seu nome publicado, contou que, em março deste ano, teve 70 mil milhas roubadas do programa de fidelidade da TAM, pontuação que daria para fazer pelo menos uma viagem internacional.
O desaparecimento dos bônus só foi percebido quando o cliente resolveu consultar o extrato de pontuação do programa da Multiplus - rede de empresas e programas de fidelização da qual o TAM Fidelidade faz parte. "Foram feitos cinco resgates de passagens aéreas num intervalo de apenas dez dias por alguém que se passou por mim. Depois disso, tive que fazer alterações de senhas em tudo quanto é lugar", disse.
Por e-mail, a empresa informou ao consumidor que "não houve qualquer falha sistêmica nas transações e que todas as operações acusadas como não reconhecidas foram realizadas com a utilização de senha de resgate, assinatura eletrônica e código de segurança via SMS e/ou ligação".
Segundo o advogado que representa o consultor de sistemas, Tiago Martins Vieira, as milhas são consideradas um bem patrimonial e, por isso, seu desaparecimento pode ser alvo de ação civil por danos materiais.“Daria para o meu cliente fazer uma viagem de ida e volta para qualquer destino da Europa ou Estados Unidos, inclusive de classe executiva", disse.
Apesar de ter informado ao cliente que a transação foi legítima, após ter sido procurada pela reportagem do em.com.br, a Multiplus, subsidiária da TAM, informou que "o caso foi analisado pela área de Segurança da Informação e realmente foi constatada a fraude (alteração cadastral fraudulenta, resultando na emissão de bilhetes indevidos)". A empresa também informou que os 70 mil pontos que haviam sido roubados do consultor de sistemas foram creditados nessa terça-feira.
Outro problema enfrentado por vários consumidores é a falha técnica no sistema das companhias aéreas. A jornalista Daniele Aronque pretendia comprar duas passagens para o Uruguai de presente para os pais, utilizando os pontos acumulados, mas foi surpreendida por um erro no sistema da companhia aérea e as milhas acabaram sumindo. “Fui direto na loja e chegando lá, fiz todo processo de resgate e paguei a taxa de embarque mas, por um problema no sistema deles, a passagem não pode ser emitida na hora. Voltei no dia seguinte e o pessoal da loja me disse que o bilhete não tinha sido emitido e, pior, que eu nunca conseguiria ter comprado duas passagens de ida de volta com aquela quantidade de milhas. Além de lesada, fui chamada de mentirosa. Perguntei para onde tinham ido as minhas milhas e se as passagens não haviam sido emitidas, mas ninguém soube explicar”, conta Daniele.
Uma advogada também enfrentou problemas com os programas de milhagem. Sem citar a companhia aérea, a consumidora afirmou que ao entrar no site do programa, sua senha foi rejeitada. "Acredito que alguém invadiu o site e roubou meus dados", disse.
A Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste) alerta quem é cadastrado em programas de fidelidade a monitorar as milhagens acumuladas. De acordo com a supervisora instituicional da associação de defesa do consumidor, Sonia Amaro, a empresa é responsável pela segurança do sistema ao disponibilizar um serviço destes pela internet. "A medida em que a companhia ofereceu esse serviço ao consumidor, ela tem que fazer o reembolso ou fornecer outra forma de cooperação, conforme previsto no Código de Defesa do Consumidor", disse.
Segundo ela, caso a companhia aérea se negue a ressarcir as perdas, há amparo do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor para que o consumidor reclame seus direitos. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços.
As vítimas do golpe devem ainda negociar uma solução com a empresa aérea e caso não tenham sucesso, a saída é recorrer ao Juizado Especial Cível. É importante se documentar com extratos e comprovantes do saque indevido das milhas.
Sites vendem milhas livremente na web
Não é novidade que a comercialização de milhas vem se tornando uma prática cada vez mais comum e profissionalizada com direito a cotação diária, assim como ocorre com as ações em bolsas de valores. Os negócios são realizados livremente via internet, plataforma mais utilizada para esse tipo de comércio.
As companhias aéreas nacionais, em especial a TAM e a Gol, que possuem os programas de maior adesão no país (TAM Fidelidade e Smiles) – apesar de deixarem claro que a prática comercial dos benefícios, se comprovada, representa exclusão do cliente do programa de fidelização e cancelamento dos pontos acumulados –, fazem vista grossa para a situação. Os anúncios de negociação das milhas se multiplicam livremente pela internet, assim como as empresas que exploram este mercado. Sem se identificarem, proprietários de sites garantem que nunca sofreram qualquer retaliação das companhias aéreas por exercerem a atividade.
Para o delegado César Duarte Matoso, da 1ª Delegacia Especializada em Crimes Cibernéticos (Deif), na capital mineira, o consumidor tem que se assegurar quando for realizar qualquer transação feita pela internet e não fornecer senha e outros dados a terceiros. Além disso, o usuário deve desconfiar de preços muito inferiores ao praticado pelo mercado, além de certificar se o site expõe o endereço fixo, CNPJ, entre outros”.
Ele criticou a falta de regulamentação na internet, o que acaba dificultando a identificação de criminosos. “O aumento das exigências e o controle sobre o comércio eletrônico no país começaram a valer a pouco tempo, mas não foi criado um órgão de fiscalização para isso”, ressaltou.
O delegado refere-se ao Decreto Federal nº 7962/13, que aumenta as exigências e o controle sobre o comércio eletrônico no país, em vigor desde maio deste ano. De acordo com o decreto, as lojas virtuais são obrigadas a fornecer, "de forma clara e ostensiva", dados básicos como nome e número do CNPJ da empresa, endereço físico e eletrônico, contrato de compra, além de informar detalhes essenciais sobre o produto (incluindo riscos à saúde e à segurança) e oferecer um canal de atendimento válido para o consumidor. (Com informações de Paula Takahashi)