Brasília – O temor do Banco Central (BC) de que a escalada do dólar sobre o real pudesse bater pesado na inflação tinha justificativa. Após ter variado apenas 0,03% em julho, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o parâmetro oficial para medir o custo de vida no país, encerrou agosto com elevação de 0,24%. No ano, o indicador acumula alta de 3,43%, e, em 12 meses, chega a 6,09% – o oitavo mês consecutivo em que a carestia fica acima de 6%, superando de longe o centro da meta que, em tese, deveria ser perseguida pelo governo, de 4,5% ao ano. Para setembro, além do câmbio, há um risco de que a inflação seja fortemente impactada por um novo vilão: o reajuste dos combustíveis.
"Nós temos a expectativa de que, ainda neste mês, o governo conceda um novo reajuste à Petrobras, elevando os preços da gasolina e do diesel. Por conta disso, projetamos que o IPCA de setembro deverá subir 0,57%, mais que o dobro da elevação registrada em agosto, de 0,24%", comentou o economista Fábio Romão, da consultoria LCA. Na visão dele, mesmo que não haja qualquer correção nos preços dos combustíveis, a inflação já subiria 0,44%.
Como o plano só foi divulgado em 22 de agosto, não houve tempo suficiente para reverter a pressão que o câmbio já exercia sobre os preços no país até aquela data. A gerente de pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Irene Maria Machado, disse que "vários setores" foram afetados pela alta do dólar, mas citou que a maior pressão foi sentida no grupo alimentação.
Impacto
O professor de economia da FGV/IBS, Mauro Rochlin, lembra que os efeitos são sentidos principalmente sobre os produtos importados, que com o dólar mais caro, acabam onerando o importador, que repassa os custos para o consumidor. O impacto, segundo Rochlin, pode ser sentido, principalmente, no preço de produtos alimentícios. Entre eles, a farinha de trigo (que saiu de 1,33% em julho para 2,68% em agosto), com impacto no preço de pães, bolos, macarrão e outros derivados.
Outro vilão foi o feijão preto, que subiu 3,74% no mês e 27,86%, no acumulado dos últimos 12 meses. Irene explica o porquê: "Apesar de a safra do carioquinha estar boa, a gente importa feijão preto da Argentina e também da China", disse. E não é só o feijão chinês que pesou no bolso do brasileiro. "Até peixe congelado a gente importa da China", alertou.
Outros itens também trazidos de fora, como os eletrodomésticos (geladeiras, fogões e máquinas de lavar), ficaram mais caros em agosto. Ao todo, os artigos de residência subiram 0,89%, três vezes mais do que a alta registrada em julho, de 0,28%. Romão aponta que a maior contribuição para essa alta foi a elevação nos preços de eletrodomésticos, que, após subirem apenas 0,13% em julho dispararam outros 1,43% no mês passado. "Também aqui a gente observa o efeito do dólar", assinalou.
Moderação
Mas o coordenador de análises econômicas da Fundação Getulio Vargas (FGV), Salomão Quadros, afirma que o repasse da alta do dólar para a inflação está acontecendo de maneira mais lenta e difusa do que o observado em outros momentos da economia. Na manhã de ontem, a FGV divulgou o Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI), que acelerou de 0,14% em julho para 0,46% em agosto. "Está havendo, sim, repasse cambial, mas está sendo moderado, está acontecendo aos poucos", disse. Um dos motivos para a demora no repasse é o fato de as indústrias estarem com estoques em alta. "O repasse vai ser diluído no tempo e talvez também na intensidade" afirmou.