Enquanto, em Brasília, a burocracia emperra o desenvolvimento da infraestrutura brasileira, motoristas que cruzam os cinco trechos rodoviários mineiros (além das BRs 262 e 050, integram o pacote a 040, 116 e 153) enfrentam os constantes riscos de transitar em rodovias de pistas simples. Além disso, no estado em que estão, as estradas dificultam o escoamento da safra agrícola e dos produtos industriais. No ano passado, foram 11,8 mil acidentes nos trechos que serão concedidos à iniciativa privada, resultando em 620 mortes. Em média, são 51 vidas perdidas a cada mês. Nos 400 dias desde o anúncio do programa, aproximadamente 680 pessoas faleceram na carnificina das BRs que cortam o estado e aguardam a duplicação por meio de concessões.
Pelo cronograma divulgado à época, as empresas já deveriam ter iniciado os estudos de engenharia. Mas quase dois meses depois do prazo, nenhum deles foi entregue à iniciativa privada ainda. No caso da BR-262, com o fracasso na licitação, a demora será ainda mais prolongada, obrigando os mineiros com casa nas praias capixabas a repetir os riscos de uma rodovia de pista simples com demanda excessiva nas férias e feriados. Em Porto Alegre, ontem, a presidente Dilma disse que o cronograma será novamente revisado. "O governo federal se reserva o direito de analisar as estradas uma a uma." Os trechos preferidos pelos empresários serão oferecidos antes e os demais terão ajustes.
Também ontem, pela primeira vez, o ministro dos Transportes, César Borges, disse ser possível fazer alterações no escopo do edital para atender as reivindicações da iniciativa privada. “Queremos fazer com que as [rodovias] mais atrativas vão a leilão, enquanto vamos ajustando as outras, procurando fazer um equilíbrio de tal forma que elas se tornem atrativas”, disse.
A remodelagem é sinônimo de atraso, principalmente devido à necessidade de se refazer processos obrigatórios de uma concorrência pública, como audiência, fase para recurso e análise do documento pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Do primeiro passo até o contrato assinado, o ministério estima sete meses, ou seja, considerando o cronograma que estabelecia julho para a conclusão, já são nove meses de atraso. Com isso, apesar de o governo federal finalmente ter iniciado a solução para a BR-381 (a licitação de duplicação está adiantada), estrada que se sobrepõe à BR-262 até João Monlevade e, de lá, permite ao motorista rumar para o Espírito Santo, a burocracia ronda agora a 262 em si.
Segundo o diretor da Federação da Agricultura do Estado de Minas Gerais (Faemg), Marcos Abreu, os produtores de Minas e outros estados aguardam desde a década de 1970 uma solução para o corredor de exportação Minas-Vitória. Ele afirma que a expectativa se deve aos custos mais baixos de exportação a partir do porto capixaba. Segundo ele, em relação a Santos, Paranaguá e Itajaí, devido à proximidade com Europa e Estados Unidos, o frete é mais barato no porto de Vitória. “O grande drama dos produtores de commodities é o custo absurdo do frete. A safra do Brasil cresceu, mas precisa desafogar sua cadeia de infraestrutura. Aumentar o lucro dos produtores não é pecado, significa aumento de investimento com capital nacional”, afirma Abreu.
A afirmação mostra que os benefícios serão sentidos principalmente em Minas, mas outros estados também sentirão os efeitos. No caso da BR-262, os produtores de Mato Grosso poderão usá-la para melhorar a logística da soja. Os carros das marcas Mitsubishi e Suzuki também poderão sair com maior facilidade de Catalão (GO), usando a BR-040.
CUSTO ALTO O destravamento logístico do país – e Minas tem importante participação nisso, por ser considerada a ‘artéria viária’ – é aguardado com ansiedade por ser um dos principais fatores que compõem custo de vida e de produção. No Brasil, por exemplo, a soja do Mato Grosso percorre quase 2 mil quilômetros até os portos, ao custo de R$ 235 a tonelada do frete. Nos Estados Unidos, a distância é semelhante e o meio de transporte também, mas o custo para o produto se deslocar até o porto é de US$ 35 (cerca de R$ 80), quase três vezes menos, segundo a Faemg. Por se tratar de uma commodity, com preços internacionais tabelados, os produtores perdem competitividade, apesar de o custo de produção no Brasil ser significativamente menor.
O mesmo se repete com outras culturas mineiras, até mesmo com os grãos de Unaí e do Alto Paranaíba. “Na última safra de soja, perdemos muita exportação por isso”, crítica o presidente da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), senador Clésio Andrade.
A necessidade de concessão se tornou unânime entre as cadeias produtoras. Os custos logísticos em rodovias precárias e de pista simples superam o pagamento de pedágio. “É inimaginável que a União seja capaz de fazer tudo”, afirma o presidente Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC & Logística), Flávio Benatti.
Ideologia deixa conta cara
Brasília – A frustração do governo na largada de uma nova fase do plano concessões, com o desinteresse de todos os investidores em um dos dois leilões de rodovias marcados para hoje, escancarou o pesado preço pago em razão de sua ideologia contrária ao investimento privado. Após ceder em favor do mercado, reconhecendo a incapacidade de tocar sozinho projetos inadiáveis de infraestrutura, e de fixar tetos para ganhos dos concessionários, o Planalto reviu editais e lançou mão de uma série de incentivos para garantir o sucesso das licitações, que podem representar uma virada na economia.
O empenho do Tesouro, bancos públicos e fundos de pensão para convencer o empresariado a investir em estradas, portos, aeroportos e ferrovias, a despeito de indefinições contratuais e riscos regulatórios e econômicos, já representa uma conta de R$ 212 bilhões ao longo de 30 anos, concentrada nos cinco primeiros. Isso sem falar na garantia de financiar até 70% de dezenas de empreendimentos, que alcançam cerca de R$ 250 bilhões.
Mas isso tudo parece insuficiente, mesmo tendo já iniciado um doloroso processo de fatiamento do seu ousado pacote logístico. Para especialistas, a maior parte desse custo crescente vem mesmo da desconfiança em relação ao intervencionismo estatal. Não por acaso, o país caiu oito posições no último ranking de competitividade do World Economic Forum (WEF), no qual a insegurança jurídica foi fator preponderante.
O governo deu um tiro no pé ao agir de forma errática e destrambelhada para tirar a fórceps o seu pacote de concessões. Se o objetivo das intervenções era aliviar o bolso do usuário de estradas e ferrovias, elas acabaram onerando o contribuinte", avaliou Vinícius Carrasco, professor da PUC Rio. Para ele, cada uma das ações adotadas para tentar cobrir riscos ignorados se voltaram contra as licitações, seja como desistência, atrasos de cronograma e estímulos extras. "Quando se fala de concessões, esse governo trata o assunto com pura ideologia", lamentou o presidente da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística), Flávio Benatti.