Resistentes ao tempo e às pressões de grandes redes supermercadistas, que no ano passado faturaram R$ 243 bilhões, muitas mercearias seguem de portas abertas em Belo Horizonte. Fundamentais para a manutenção do comércio dos bairros, elas ainda se amparam nas relações de amizade para garantir boas vendas. Destaque para os bairros Cidade Jardim, Serra, Santa Efigênia e São Lucas, que reúnem os empreendimentos mais antigos, alguns com mais de 50 anos de existência. Parte deles, inclusive, preservam as contas anotadas em caderneta e atribuem a longevidade ao trato dado aos clientes, preços competitivos e qualidade dos produtos.
A Mercearia do Zinho, no Bairro São Lucas, está em atividade há mais de 20 anos. Comandada por João Cândido da Silva Júnior, o Zinho, e sua filha Sandra Cristina Silva, tem como maior patrimônio os clientes. “Fazemos questão de oferecer um bom atendimento e ter um relacionamento próximo com os consumidores. São clientes que vêm uma vez e seguem comprando conosco por muito tempo”, diz Sandra.
Entre as ferramentas para mantê-los ativos, está a oferta de novos produtos por meio de sugestões dadas pelos clientes, negociação de descontos com fornecedores para ter um preço tão bom quanto o do supermercado e a anotação das compras de “clientes especiais”. Hoje, são cerca de 50 cadernetas, sendo que algumas chegam a render até R$ 1 mil. “Não abrimos anotações para um cliente novo porque é necessário que haja uma relação de confiança mútua. Tanto nossa quanto do cliente, que precisa confiar no que anotamos”, lembra.
A empresária Cláudia Oliveira, que trabalha no ramo da alimentação, está entre os clientes vips e tem direito a anotar as compras no caderninho. Para ela, a facilidade de pagamento e o conforto de comprar perto de casa fazem da mercearia uma boa opção. “Compro apenas arroz e feijão em supermercados e o restante aqui porque considero o custo-benefício melhor”, conta. A relação de proprietária e cliente é tão íntima que Cláudia e Sandra, inclusive, trocam informações sobre os preços. “Pesquiso muito e se compro mais barato em outro lugar aviso a ela, porque o interesse de que o preço aqui seja melhor é meu e também dela”, comenta a cliente.
CORTESIAS
A Mercearia Diniz, no coração do Bairro Cidade Jardim, com 51 anos de existência, é outra que não perdeu espaço para as grandes redes. Com uma ampla cartela de clientes, os proprietários os irmãos Odilon e Oscar Cardoso, apostam na qualidade dos produtos e atendimento cortês. Além disso, utilizam as cadernetas, agregaram uma padaria ao estabelecimento e oferecem um serviço diferenciado em que o cliente deixa a lista, tem os itens escolhidos pelo dono e recebe os produtos em casa. Cliente antigo, o produtor Wagner Bichuete confirma: “Compro aqui porque são mais que os donos do estabelecimento, são nossos amigos e fazem questão de nos atender bem”.
Prova de que o estabelecimento vai bem é que hoje, segundo Odilon, em vez de procurar as grandes empresas para revenderem seus produtos como fazia antigamente, as empresas é que passaram a procurá-lo. “Eles sabem que o pequeno paga em dia e trabalha melhor o produto, forçando a venda num relacionamento mais direto com o cliente. No supermercado, um produto novo é apenas mais um”, afirma. Para o futuro, o comerciante acredita que a tendência é que as mercearias continuem funcionando com o mesmo vigor, já que os clientes estão cada vez mais buscando comprar perto de casa e têm feito menos estoque.
Associativismo como estratégia
Para fortalecer os negócios de pequenos supermercados e mercearias e mantê-los vivos, uma das saídas tem sido o associativismo. A alternativa pode superar gargalos, como baixo poder de negociação desses empresários com fornecedores, trabalho isolado e acesso restrito a informações e desenvolvimento de estratégias que favoreçam o desenvolvimento e lucratividade. A Rede Minipreço, que iniciou suas atividades em 2004, começa a atuar em Belo Horizonte com 12 associados de olho nessa fatia do mercado.
Entre os associados, Mercearia Vem que Tem, Mercearia Santa Efigênia e outros estabelecimentos. A proposta da central de negócios, segundo o gestor Leonardo Reis, é promover o crescimento e desenvolvimento com orientação administrativa, operacional, comercial e tecnológica, apresentando alternativas competitivas aos associados. “Entregamos o trabalho pronto para que o supermercadista possa dedicar 100% do seu tempo à sua loja e aos seus clientes”, explica.
O modelo, inclusive, permite que o empresário não perca tempo e dinheiro com problemas de outros associados, reuniões frequentes e melhore sua visão de mercado por meio de capacitações. “O associativismo gera ganhos de escala e um poder de barganha crescente junto aos fornecedores e desponta como estratégia para a conquista de crescentes fatias de mercado e, assim, enfrentar a tendência à concentração do mercado”, garante Reis. (CM)