Bombardeados pelo avanço dos produtos chineses na cesta de consumo do brasileiro, artigos nacionais de larga demanda, como brinquedos, roupas e calçados, começam a ensaiar a volta por cima. O encarecimento dos custos de mão de obra na indústria do gigante asiático foi o primeiro baque sofrido pelos concorrentes de olhos puxados, que já não exibem preços tão competitivos quanto os que seduziram no passado os importadores e comerciantes no Brasil. Com o terreno preparado, as etiquetas verde e amarelas finalmente se fortaleceram depois da recente valorização do dólar frente ao real, que alcançou 12,3% desde o começo de maio, tornando mais caras as compras no exterior.
Combinados, os dois fatores ajudaram a encurtar a disparidade de preços, que chegou a alcançar 50% a favor dos chineses para os atuais 20%, como no caso dos artigos de vestuário. Uma das primeiras grandes fabricantes a comemorar os sinais de um tempo novo mercado brasileiro, mas que nada garante que será longo, é a Estrela. A empresa havia transferido parte de sua manufatura para a China, e agora revê a estratégia para produzir mais no Brasil. Com a mudança cambial, o custo dos brinquedos feitos do outro lado do oceano deve aumentar 25%. Além disso, os importados em geral devem ficar mais caros no ano que vem.
De acordo com o presidente da Estrela, Carlos Tilkian, 65% do faturamento da empresa tem origem na venda de produtos fabricados no Brasil e 35% de fora do país. Caso o dólar mantenha trajetória de alta, a expectativa, segundo ele, é de que a produção interna passe a responder por 80% da receita. “Elevar as nossas operações aqui é positivo porque isso gera mais empregos e impostos e os importados perdem competitividade”, justifica Tilkian.
Depois de quase uma década de real forte, também as confecções esperam ver mais etiquetas estampando o “made in Brazil”. Não sem razão, a Cia do Terno, maior rede de vestuário de Minas Gerais, com 162 lojas no país, deu uma guinada na sua política de compras na China, que representaram 70% do estoque no fim de 2012 e este ano ficarão limitadas a, no máximo, 50% do total, conta o sócio-proprietário Pedro Paulo Drumond. A experiência adquirida em 21 viagens ao país asiático e encomendas feitas a confecções que ele visitou e nas quais conferiu o dia a dia de trabalho não deixam dúvidas de que chegou a hora de mudar, diante dos custos maiores na China e do dólar mais caro. “A mudança é significativa. A diferença de preços favorável ao produto importado caiu de 30% para cerca de 10% e comprando aqui temos maior agilidade e facilidade para resolver qualquer problema”, afirma.
Michel Aburachid, presidente do Sindicato das Indústrias do Vestuário de Minas Gerais (Sindvest-MG), aponta que as sondagens do comércio aos fabricantes, primeiro indício para novos negócios, se intensificou no último trimestre e a perspectiva é que o próximo Minas Trend Preview, em outubro, evento que apresenta e comercializa novas coleções no estado, fature 40% mais que a edição realizada em abril. Pequenas e médias empresas que hoje contratam empresas chinesas para desenvolverem suas coleções devem passar a comprar também do Brasil no ano que vem, na avaliação do industrial. “Não estamos vivendo uma euforia, mas os últimos resultados nos animam”, diz Aburachid.
O faturamento do setor, segundo o Sindvest-MG, avançou 4% no primeiro semestre, em relação ao mesmo período de 2012. Outro indicador ressaltado por Aburachid é o índice de mortalidade de empresas, que mostra estabilidade. No primeiro semestre, 300 empresas foram abertas no estado, quando o setor chegou à marca de 5,8 mil confecções. A diferença de preço entre o nacional e o importado, que alcançava 50%, caiu para 20%. “A China tem grande velocidade. Estamos trabalhando para entregar também com agilidade e muita qualidade”, reforça.
Briga longa
Na indústria de calçados, a boa notícia foi a redução das importações brasileiras de calçados fabricados na China, de U$$ 106 milhões – de janeiro a agosto de 2012– para US$ 70 milhões nos primeiros oito meses deste ano. Os embarques do produto nos portos brasileiros, por sua vez, cresceram 9%, de acordo com os registros do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic). Se ainda não há motivo para festejar, a recuperação prova que vale a pena persistir no esforço de desoneração tributária do setor e numa política de valorização das exportações, avalia o presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein.
“Sentimos uma pequena recuperação. Mantido esse esforço, o setor passará a dar uma resposta positiva”, afirma. Lúcio Costa, presidente da fabricante mineira Suggar, que também transferiu parte de sua manufatura para a China, diz que o país asiático ainda é muito competitivo. Ele adianta que os importados devem encarecer, em média, 17,5% a partir de fevereiro. “Setores que usam alta tecnologia vão continuar fabricando na China, mesmo com as leis trabalhistas que dão mais qualidade de vida ao trabalhador chinês. No Brasil, só o copo do liquidificador é mais caro que o aparelho inteiro feito na China.”
Migração do emprego
A China está caminhando para se tornar uma economia intensiva em trabalho e voltada para as exportações, na avaliação do economista Marcos Troyjo, integrante do Conselho Consultivo do Fórum Econômico Mundial. Segundo o especialista, o valor da hora trabalhada na China há 10 anos era bem menor do que o de hoje, de US$ 1,90. Ele observa que, para fortalecer o mercado interno, é preciso ter ganho relativo de renda na composição do salário. Citando o economista Michael Spence (ganhador do prêmio Nobel de economia), ele diz que o principal traço econômico do mundo nos próximos 10 anos é que, a cada ano, 10 milhões de postos de trabalho vão ser exportados da China para outros países.