Dois ex-presidentes do Banco Central (BC) criticaram, na quinta-feira, a flexibilização do tripé da política macroeconômica (superávit primário, metas de inflação e câmbio flutuante), que esta semana foi alvo de debate entre a ex-senadora Marina Silva e a presidente Dilma Rousseff.
Em seminário no Rio, Arminio Fraga e Gustavo Franco, presidentes do BC no governo Fernando Henrique Cardoso - que mantêm contato com o senador Aécio Neves (PSDB-MG) -, foram incisivos nas críticas. Henrique Meirelles, comandante da autoridade monetária no governo Luiz Inácio Lula da Silva, que também participou do evento, promovido pelo Instituto Millenium e pelo Ibmec, preferiu destacar pontos positivos da economia, como instituições fortes.
Arminio abriu sua palestra dizendo-se “preocupado” com a mudança na política econômica a partir do segundo mandato do presidente Lula. “O Brasil vive, de uns seis ou sete anos para cá, um modelo diferente do que prevaleceu nos 12 anos anteriores”, afirmou Arminio a jornalistas, pouco antes da palestra.
“Houve uma inversão na política econômica: ela está amarrada na microeconomia e solta na macroeconomia”, completou. A amarração na microeconomia se refere às diversas formas de intervenção do governo na economia. O tripé é o lado macroeconômico da política.
Respondendo a uma pergunta do público, Arminio relacionou a flexibilização da política econômica no Brasil a uma tendência global, mas afirmou que o Brasil “está rasgando um pouco” o tripé. “Estamos vivendo um momento em que BCs pelo mundo afora largaram suas cartilhas. E, nesse contexto, o Brasil foi escorregando”, afirmou, para então avaliar que “dá para mudar isso”. “O BC vem aumentando os juros”, lembrou.
Gustavo Franco comemorou o fato de Marina Silva demonstrar preocupação com o tripé. “É sinal de que alguma coisa mudou”, disse, também respondendo ao público. O economista explicou, porém, que o tripé é apenas a “parte operacional” de um conjunto mais amplo de políticas. São eles a responsabilidade fiscal (garantida pelo superávit primário), a qualidade da moeda (expressa no controle da inflação, mas indo além da meta para o IPCA) e a abertura da economia para o exterior (facilitada pelo câmbio flutuante).
Dos três conjuntos de políticas, Franco é mais crítico à condução da responsabilidade fiscal pelo atual governo. O ex-presidente do BC criticou a renegociação das dívidas de Estados e prefeituras com a União e a “contabilidade criativa” para fechar as contas públicas.
O risco de flexibilizar demais a política macroeconômica, para Franco, é haver piora nos serviços públicos. “O custo de uma política macroeconômica mal formulada se transforma em um setor público que funciona mal”, disse Franco, antes do seminário. “São custos muito concretos e boa parte desses custos está por trás da efervescência nas ruas”, completou, referindo-se às manifestações que tomaram o País desde junho.
Choque de oferta
Já Henrique Meirelles destacou pontos positivos, como a força das instituições, e procurou destacar que a inflação não é “estrutural” no País. Segundo ele, a política monetária não deve ser usada para conter os “efeitos primários” dos choques de oferta - como uma alta de preços de alimentos inesperada. Nessa lógica, a inflação no Brasil tem ficado mais próxima do centro da meta, quando esses efeitos são excluídos.
Evitando críticas à atual política econômica ou ao BC, Meirelles defendeu o câmbio flutuante e a política de acumulação de reservas, como contrapartida de uma estratégia de conter o vaivém das cotações. “Você deve intervir no câmbio quando há um problema grave de escassez de liquidez ou excesso de liquidez. O que não pode é generalizar e usar (as intervenções do BC) para tentar controlar a taxa de câmbio”, disse Meirelles, que também defendeu a “austeridade” nas despesas públicas.