O medo não é da morte, mas de que na hora da última despedida a família não tenha recursos para bancar o funeral, se desespere com a complexa documentação do enterro e com os altos custos que um indivíduo deve pagar antes de ir definitivamente embora. Para garantir uma saída de cena sem atropelos e afugentar pensamentos tão assustadores, o brasileiro prefere ser precavido quanto à morte, principalmente as famílias com rendimentos até cinco salários mínimos, principais clientes desse mercado. Enquanto os ricos se preocupam em garantir investimentos como o seguro de vida, as classes C,D e E aplicam massivamente em planos funerários, sustentando um mercado que no Brasil movimenta R$ 3,5 bilhões ao ano, segundo dados da Associação Brasileira do Setor de Informações Funerárias (Abrasif).
Em Minas Gerais o negócio da morte é próspero, gira pelo menos R$ 300 milhões a cada 12 meses. Há dez anos cerca de 570 empresas operavam de norte a sul do estado, hoje são mais de 1.460, um crescimento de 60% na última década, superior ao avanço do país, que também cresceu muito, 45%, reunindo em 2013 mais de 11,7 mil empreendimentos, como funerárias, cemitérios, plano funerário e ainda prestadores de serviços.
Com uma vela acesa, o aposentado João Maria da Silva pede proteção a Nossa Senhora. Já no plano material ele prefere não correr riscos. Assegurou o próprio funeral, da esposa, Geogina, e do filho, Juscelino. O passaporte para a tranquilidade é o carnê que estampa na capa a foto de uma família feliz, pelo qual paga mensalidade de R$ 31,59. “Não acho o valor caro, principalmente se considerar o preço de um funeral hoje”, calcula ele. João Maria ressalta que no momento da morte tudo fica difícil. “Ficamos perdidos. É bom ter alguém que resolva tudo.” Ele reforça que seu plano, presta atendimento mesmo que a morte ocorra em outra cidade e que decidiu pelo contrato depois de perder sua mãe, de 101 anos. “Não tivemos gasto com o funeral, porque ela tinha um plano.”
Custo alto Segundo levantamento do site Mercado Mineiro o preço de um funeral completo em Belo Horizonte varia de R$ 4,6 mil a R$ 36,4 mil, valores que podem ultrapassar com folga a renda das famílias das classes C, D e E. “O auxílio-funeral é um produto de grande apelo social. Quando há uma morte repentina o impacto é muito grande em uma família de pequeno recurso”, aponta Roberto Barbosa, vice-presidente da Federação Nacional dos Corretores de Seguros. Segundo dados da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi), enquanto em agosto o seguro de vida cresceu 8,9% frente ao mesmo mês do ano passado, o funeral avançou 56%. Entre os seguros de pessoas a modalidade, em agosto, movimentou R$ 22,6 milhões, sendo ultrapassada apenas pelos aportes do tradicional seguro de vida.
A funerária Pax de Minas, uma das líderes do segmento na capital, diz que pretende crescer 8% este ano. A empresa realiza cerca de 300 funerais por mês. Segundo o gerente Fernando Moreira “quanto mais simples o cliente, mais fiel.” Ele explica que a atuação da funerária não tem limite territorial, vai de norte a sul do país. “Nossa sede é em Belo Horizonte, mas atuamos com empresas parcerias no interior e em outros estados. Não existe a possibilidade de um cliente ficar desasistido, independentemente do local onde sua morte ocorra”, garante.
Ricardo Rodrigues, sócio-diretor do plano funerário Prevenir Pax de Minas, reclama da concorrência do mercado, que, segundo ele, cresce a cada dia, mas nem sempre oferece garantias aos clientes, provocando, em sua opinião, concorrência desleal. Há 15 anos no mercado, a carteira da empresa tem peso. São 30 mil clientes, se considerar uma média de quatro dependentes por cliente, e a capilaridade chega a 150 mil vidas. Comercializando planos familiares e individuais, de simples a sofisticados, a empresa tem produtos a partir de R$ 23,80.
O preço da tranquilidade
A mãe do professor Arnor Rafael da Silva entregou a cada um de seus três filhos a carteirinha de um convênio funerário. O documento indicava que em caso de morte por acidente ou no percurso natural da vida as despesas com os arranjos finais estariam resguardadas para ela e seus dependentes. Há três anos, Arnor acionou o serviço para os funerais da mãe. “Foi um momento de muito desespero. Na época não teríamos condições de arcar com custos tão altos. Negociei algumas mensalidades atrasadas e usei o serviço.”
Para se precaver, o professor, que completou 38 anos, preferiu assumir o carnê da mãe, e continua a pagar R$ 30 por mês. Perguntado pela reportagem se ainda não é muito jovem para uma conta que poderá crescer muito ao longo de sua vida, ele responde de pronto: “A morte não tem idade.” No seu plano estão cobertos também três sobrinhos e dois irmãos. “Se por acaso atraso uma prestação o plano manda buscar o pagamento na minha porta, sem cobrar qualquer custo de deslocamento”, frisou.
Para o professor de finanças do Ibmec, Alexandre Galvão, o plano funerário é mais que investimento financeiro, um pagamento pela tranquilidade. A expectativa de vida dos mineiros (homens e mulheres) chega a 75 anos. Caso Arnor Silva contribua por mais 37 anos com seu plano funeral, estará garantindo ao fim desse período, o equivalente a um enterro de R$ 4,8 mil, considerando uma taxa de aplicação da poupança. Na capital, o preço médio de um serviço funerário, sem contar os custos com o túmulo (valor negociado à parte com o cemitério), é de R$ 3,5 mil.
Segundo cálculos de Alexandre Galvão, um investimento na poupança de R$ 30 ao mês acumularia ao final de 16 anos o equivalente a R$ 10,4 mil, o que seria suficiente para cobrir um funeral que hoje custa R$ 3 mil. “Se considerarmos que a inflação do funeral vai evoluir, acompanhando o rendimento da poupança”, explica. (MC)