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Estado de Minas

Eike é o homem que fala javanês?

Como personagem de Lima Barreto, ele convenceu investidores e presidentes de que teria sucesso. Foi da promessa ao fracasso


postado em 10/11/2013 06:00 / atualizado em 10/11/2013 07:45

Derrocada do império X afetou confiança na bolsa brasileira, num momento em que o Brasil precisa financiar o crescimento econômico. Recuperação levará tempo, para analistas de mercado (foto: Fred Prouser/Reuters - 2013 15/8/13)
Derrocada do império X afetou confiança na bolsa brasileira, num momento em que o Brasil precisa financiar o crescimento econômico. Recuperação levará tempo, para analistas de mercado (foto: Fred Prouser/Reuters - 2013 15/8/13)

O homem que convenceu o país de que falava javanês sem nunca ter pisado na ilha de Java ou ter frequentado nem sequer uma aula do idioma malaio se tornou uma celebridade no conto do escritor Lima Barreto, graças à invenção que permitiria a ele concorrer à almejada oferta de emprego para um professor de javanês, anunciada nos classificados de jornal. Quanto mais difícil parecia aos outros o idioma da Indonésia, mais confiança e admiração a personagem Castelo ganhava dos seus pares. Até onde vai a história, ele se deu bem. Tornou-se professor, viajou para Paris, fez-se cônsul, almoçou com o presidente da República. Cem anos depois, a trajetória do empresário e ex-bilionário Eike Batista faz uma espécie de releitura irônica do conto, publicado pela primeira vez em 1911.

Como Castelo, o mineiro Eike Batista abusou da arte do convencimento. Foi além da personagem e se esmerou na capacidade de alimentar a vaidade humana e a sede de ganhos contínuos e cada vez mais altos dos investidores no mercado financeiro. Vendendo um império construído a partir de ativos pouco palpáveis, especialmente papéis de petróleo, ele se tornou o sétimo homem mais rico do mundo, com fortuna calculada pela revista norte-americana Forbes. Na aproximação com o poder, fez inveja embarcando nos elogios dados a ele pela presidente Dilma Roussef. Antes de ver seus bilhões derreterem, tão rápido como foram acumulados, foi comparado a empreendedores de ativos sólidos, como Antônio Ermírio de Morais (Grupo Votorantim) e o americano Bill Gates, criador da Microsoft.

Depois do tombo que forçou a menina dos olhos do grupo, a petroleira OGX, a pedir recuperação judicial, na sexta-feira chegou a vez de a empresa construtora naval OSX tomar a mesma decisão. O braço minerador, a MMX, já havia anunciado estar revendo o seu modelo de negócios na Serra Azul de Minas Gerais, na Região Central do estado, em seguida à venda de 65% do ativo estratégico Porto Sudeste, no litoral do Rio de Janeiro, à trading holandesa Trafigura e ao fundo árabe Mubadala.

O qualificado mercado financeiro que apostou nos planos de negócio do grupo X se deu mal, deixando a ganância imperar, observa o consultor e analista de investimentos Miguel Daoud. “O dinheiro investido virou pó e a queda das empresas terá consequências para todos os projetos, inclusive em Minas. Dificilmente eles vão atrair novos investidores, que podem ver neles outros fiascos”, afirma. Líder de um grupo de 70 acionistas minoritários da OGX que se organizam para acionar o ex-bilionário na Justiça, o economista Aurélio Valporto diz que documentos já reunidos reconstituem o blefe que Eike Batista teria dado. E se recusa a fazer mea-culpa. “Ele convenceu não só nós, investidores, mas o mundo, que a campanha exploratória da OGX era bem-sucedida e que a fase do risco havia sido vencida”, rebate.

MUITA AMBIÇÃO E POUCA CAUTELA

O poder de convencimento do empresário Eike Batista se materializou na compra de ações num movimento frenético, independentemente da consistência das empresas que, de fato, eram pré-operacionais ou produziam a um ritmo muito aquém dos planos de negócios alardeados por ele, mas a conta acabaria sendo apresentada ao próprio mercado, destaca o economista e consultor de finanças Paulo Vieira. A confiança foi quebrada pelos comunicados ao próprio mercado desconhecendo as promissoras informações de que a OGX detinha US$ 1 trilhão em petróleo nas águas rasas, somente da Bacia de Campos, e as ações começaram a despencar.

No mercado financeiro, vale o que diz a conhecida canção de Lulu Santos Como uma onda: Nada do que foi será/ de novo do jeito que já foi um dia. “Sobrou ambição e faltou cautela”, resume Paulo Vieira. Ele concorda com o consultor e analista de investimentos Miguel Daoud e o economista Aurélio Valporto na tese de que a cicatriz aberta por Eike Batista levará bom tempo para ser curada. Mal feito para o Brasil, que tanto precisa do mecanismo da compra e venda de ações como impulso ao financiamento do setor produtivo e ao crescimento econômico. O The New York Times noticiou que a dívida total de R$ 11,2 bilhões faz com que a petroleira catapulte o maior calote da história da América Latina.

De vendedor de seguro na Alemanha a investidor na corrida do ouro no Mato Grosso, Eike Batista teve negócios na Amazônia e foi sócio de grandes corporações, como o conglomerado anglo-australiano, Rio Tinto. Na história de Lima Barreto, o sucesso também cresce para o homem que sabia javanês: “Os informados apontavam-me, dizendo aos outros: ‘Lá vai o sujeito que sabe javanês.’ Nas livrarias, os gramáticos consultavam-me sobre a colocação dos pronomes. Recebia cartas dos eruditos do interior, os jornais citavam o meu saber”.

Mas na última década, Eike Batista, que trazia em sua marca o símbolo da multiplicação, e o brilho do sol, se especializou em vender projetos bilionários no Brasil que não se realizavam. A fortuna nada palpável de Eike Batista em pouco mais de um ano encolheu na ordem de US$ 29 bilhões, com a perda de valor de mercado de suas ações, o que o tirou da lista de bilionários da revista norte-americana Forbes. Em setembro último, ainda era de US$ 900 milhões.

Do luxo ao inferno astral

A Herança


Eike Batista nasceu em Governador Valadares (MG), em 3 de novembro de 1956. Passou parte da infância no Rio de Janeiro, mas ainda criança mudou-se para a Alemanha.

>> O gosto pelos negócios teria apoio do pai, Eliezer Batista, mineiro de Nova Era, ex-ministro de Minas e Energia do governo João Goulart (1961-1964), e ex-presidente da Vale (1979-1986) durante o governo da ditadura militar.

>> Antes de retornar ao Brasil e se tornar um megaempresário, Eike Batista atuou como vendedor de seguros no modelo porta a porta na Alemanha, onde também estudou engenharia metalúrgica.

>> Esportista, como uma espécie de mecenas, doou mais de R$ 20 milhões para que o Brasil fosse sede das Oimpíadas de 2016. Não escondeu o desejo de se tornar o homem mais rico no mundo.

>> Aproximou-se da cúpula do poder até cair nas graças da presidente Dilma Roussef. Ela não poupou elogios a ele: "O Eike é nosso padrão, nossa expectativa e orgulho do Brasil quando se trata de um empresário do setor privado", afirmou a presidente (abril/2012).

Ascensão


>> Dos anos 1980 até início do ano 2000, conquistou seu primeiro bilhão fazendo negócios no Brasil e em vários países. Explorou ouro no Mato Grosso, foi parceiro da gigante da mineração Rio Tinto, explorou petróleo na Amazônia, produziu cosméticos, construiu termelétricas.

>> Em 2000, com foco no Brasil como motor da economia mundial, criou o grupo EBX. Integram o conglomerado a OGX (petróleo), OSX (indústria naval offshore), MPX (energia), LLX (logística), MMX (mineração) e CCX (mineração de carvão) e a IMX (gestão esportiva). O grupo banca um terço das ações da SIX Semicondutores, primeira fábrica de semicondutores da América Latina em construção em Minas, constituída no ano passado.

>> No auge dos negócios, em 2012, o ex-bilionário chegou a ter cerca de R$ 66,4 bilhões (US$ 30 bilhões), quando foi considerado o 7º homem mais rico do mundo pela revista norte-americana Forbes.

Queda

>> Com a confiança abalada por comunicados muito aquém dos planos de negócios anunciados, em 2012 as empresas administradas por Eike perderam mais de R$ 30 bilhões em valor de mercado na Bolsa

>> O Instituto EBX suspende o repasse de R$ 1,8 milhão por ano para o Museu das Minas e do Metal, que mantinha na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte

>> No ranking da revista Forbes, a fortuna de Eike Batista era de US$ 900 milhões em setembro deste ano, o que o tirava da lista de bilionários.


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