O governo está pagando caro pela desconfiança em relação às contas públicas. Segundo dados do Tesouro Nacional, o mercado tem exigido prêmios elevados para os títulos públicos. A farra fiscal também levou o país a uma dívida recorde, de R$ 2,02 trilhões em outubro, um aumento de 1,69% sobre setembro. A máxima anterior tinha sido de R$ 2 trilhões em dezembro de 2012.
É preciso pagar bem quando o risco é alto. E uma dívida de mais de 60% do Produto Interno Bruto (PIB), como a do Brasil, é um investimento arriscado. Mesmo com a Selic ainda abaixo dos dois dígitos – pode chegar a 10% amanhã, depois da reunião do Comitê de Política Monetário (Copom) –, o governo bancou, no último leilão, realizado em 21 de novembro, taxas de 12,36% e 12,48% para papéis com vencimento em 2019 e 2023, respectivamente.
De acordo com o coordenador-geral de Operações da Dívida Pública, Fernando Eurico de Paiva Garrido, os investidores estrangeiros trocaram volumes de curto para longo prazo. “Eles se desfizeram de títulos com vencimento em 2014 para alongar o perfil. Isso é positivo para a dívida pública porque os papéis vencem mas tarde”, justificou. Entretanto, as taxas pagas pelo governo, pressionado pelo mercado, passaram de uma média de 11,6%, nos leilões de outubro, para quase 12,5% em novembro.
“Descontada a inflação, o ganho é de 6% ao ano. Não se encontra juros melhores do que esse em lugar nenhum do planeta”, afirma o economista Mansueto Almeida. Para ele, a falta de confiança é decorrente do aumento da dívida. “Pela conta do governo, chega a 60% do PIB. Pela do FMI (Fundo Monetário Internacional) vai a 70%. Enquanto isso, a média dos países emergentes é a metade, de 35%”, ressaltou.
Nos últimos oito anos, a dívida pública, que inclui os endividamentos interno e externo do governo, dobrou. Em 2004, o estoque estava em R$ 1,01 trilhão. Mais de 30% dessa alta, ou cerca de R$ 300 bilhões, foram emissões de títulos para capitalizar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no período. Apesar de o aumento ultrapassar a marca dos R$ 2 trilhões já estava nos planos da Secretaria do Tesouro Nacional, que trabalha com uma banda entre R$ 2,1 trilhões e R$ 2,24 trilhões para 2013. “Vamos ficar dentro da margem”, garantiu Garrido.
Na avaliação do consultor econômico e ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento Raul Velloso, o volume do endividamento é muito elevado. “Os analistas olham a dívida bruta, o governo avalia a líquida, mas, seja qual for o conceito, o problema crítico do país é que ela está crescendo demais. E a reação natural é o aumento da desconfiança do mercado e, principalmente, das agências de classificação de risco”, ponderou.
Para o economista do Santander Brasil, Mauricio Molan, os fundamentos da economia se deterioraram nos últimos anos, principalmente com a perda de competitividade e expansão limitada da capacidade de produção. “A inflação aumentou, enquanto o PIB diminuiu. As iniciativas do governo para mitigar essa combinação desconfortável deterioraram as contas fiscais, aumentando o risco de um rebaixamento da dívida soberana pelas agências de rating”, afirmou. Contudo, Molan destacou que não vê motivo para que isso ocorra tão cedo. “A posição externa brasileira continua saudável, enquanto a desvalorização do real deve corrigir desequilíbrios. Mas é preciso um ajuste fiscal”, destacou. Para fechar as contas públicas, o governo conta com os leilões das concessões na área de infraestrutura.
Selic deve subir para 10%
A principal bandeira econômica da presidente Dilma Rousseff minguou de vez. Os integrantes do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central começarão a definir hoje com qual taxa básica de juros o país terminará o ano. Na última reunião de um ano que começou com a menor Selic da história, 7,25%, a taxa muito provavelmente pulará dos atuais 9,5% para 10% ao ano, voltando para a casa dos dois dígitos. O resultado será conhecido amanhã, no início da noite.
Diante da gastança do governo, sustentam analistas, o BC é obrigado a manter a elevação da Selic, iniciada em abril. A sexta alta consecutiva é dada como certa pelo mercado, conforme reforçou o Boletim Focus divulgado ontem pela autoridade monetária. Para o fim do ano que vem, a média das apostas de cerca de 100 instituições financeiras consultadas semanalmente pelo BC indica uma taxa de 10,5% ao ano, contra a previsão de 10,25% na semana anterior.
O cenário macroeconômico do país — com política fiscal expansionista e inflação bem acima da meta de 4,5% — abre espaço para um aperto monetário ainda maior. Há analistas, inclusive, prevendo Selic de até 11% ainda no primeiro semestre de 2014. Na contramão do restante do mundo, que vem reduzindo as taxas para garantir algum crescimento, o Brasil se consolida no topo do ranking de juros reais (quando descontados a inflação), distanciando-se do segundo colocado, o Chile.
Dilma e sua equipe comemoraram em outubro do ano passado a Selic a 7,25%, o menor patamar já registrado no país. A façanha seria usada na campanha pela reeleição, mas o governo esqueceu de criar as condições necessárias para sustentar a taxa em níveis historicamente baixos. Os gastos públicos não pararam de subir, potencializando as pressões inflacionárias. Assim, a contragosto, restou ao BC retomar um novo ciclo de alta.
Além de ver ruir um de seus principais objetivos, a presidente pode terminar os quatro anos de governo amargando juros mais altos que os 10,75% herdados de Lula. “Precisaremos retomar as reformas estruturais para garantir um crescimento sustentável nos próximos 10 anos, e não nos próximos 10 meses”, defende o economista-chefe para a América Latina do BNP Paribas, Marcelo Carvalho, que faz coro ao consenso de Selic a 10% na reunião que será iniciada hoje.
Com juros altos e inflação persistente, não há muita perspectiva de melhora da situação macroeconômica, no entender de boa parte dos analistas. Os resultados dos recentes leilões de infraestrutura, enaltecidos pelo governo, pondera Carvalho, não resolvem o problema do rombo nas contas públicas. “Pouco foi feito para estimular investimentos", acrescenta ele, que ressalta a preocupação com a alta de preços. “As expectativas estão desancoradas. Ninguém acredita na meta de inflação de 4,5%”, diz.