Há pouco mais de um ano o auxiliar de operações em transportes Rômulo Santos, de 20 anos, conheceu Ingrid Júnia, se apaixonou por ela e começou a namorar sério. O encontro mudou a rotina do rapaz, que trabalha de segunda a sexta-feira e nos fins de semana descobriu uma diversão a dois: o cinema. Rômulo e Ingrid não perdem um lançamento e saem de Rio Acima, na Grande BH, para assistir a filmes nacionais e em 3D nas salas de Belo Horizonte. Mas, apesar de a bilheteria movimentar perto de R$ 1,6 bilhão ao ano (mais de três vezes o faturamento de 2002), o Brasil é um país sem telas e milhões ainda não experimentaram como é ver um filme com a exclusividade do cinema.
Empurrada pelo aumento da renda das famílias e de 50 milhões que ascenderam à classe média, a plateia cresceu no país e as sessões estão esgotadas. No ano passado foram vendidos 149 milhões de ingressos, um crescimento considerável, de mais de 63% na última década. Apesar do sucesso da bilheteria, são milhares as cidades brasileiras que não contam com a diversão. O mercado da exibição vem crescendo a uma proporção de 10% ao ano, mas o avanço é concentrado nas regiões metropolitanas, onde há uma superoferta de salas, e nas cidades de médio porte. Até outubro eram 2.690 salas e a meta da Agência Nacional do Cinema (Ancine) é chegar a 2014, ultrapassando a marca das 3 mil salas de projeção, número que o país já alcançou na década de 1970.
Na opinião de Pedro Olivotto, diretor do cinema Usiminas Belas Artes, a volta da representatividade do cinema no Brasil ainda está engatinhando. Segundo ele, os canais de financiamento existentes para a montagem de salas ainda são desconhecidos nos municípios de menor porte Brasil adentro. Nos cálculos dele, apenas 9,8% da população brasileira frequentam salas de cinema. “Isso quer dizer que existe uma vastidão enorme e vazia nesse campo. Não dá para dizer que cinema não dá certo no interior. Se não existe oferta, não há como medir a demanda”, acredita.
A ex-faxineira Helena Celeste Cândida, de 66 anos, nasceu em Crucilândia, na Região Central do Estado, e mudou-se- para BH aos 16 anos. Hoje ela mora no Bairro São Benedito, em Belo Horizonte, mas nunca foi ao cinema. Apesar de ter passe-livre e poder usar o serviço de transporte metropolitano sem custos, ela explica que não gosta de sair à noite. “Tenho sete filhos mas nenhum deles nunca me convidou para ir ao cinema. Fui criada na roça e só sei o serviço de roça e de faxina. Sou muito simples.” É assim que ela explica o fato de nunca ter assistido à telona na vida.
Sem opção Para ter ideia, mais de 50% das cidades de Minas têm até 10 mil habitantes, condição que as deixa longe da magia do cinema, como é o caso da pequena Rio Acima, onde vive o casal Rômulo e Ingrid Júnia. Outras 186 cidades também estão excluídas porque têm até 20 mil habitantes e não têm fluxo de consumo para atrair um shopping center. Quase 90% desses empreendimentos trazem o cinema como atração e são grandes alavancas das salas de projeção. “Essa é uma equação difícil. Muitas vezes uma cidade não tem demanda para um shopping center, mas poderia ter um cinema”, aponta Pedro Butcher, editor do Filme B, especializado em estatísticas do setor.
Em Minas, como no país, as salas estão concentradas na região metropolitana e em cidades acima de 100 mil habitantes. Dos 853 municípios do estado, apenas 30 estão dentro dessa estatística. Segundo dados da Ancine, no estado 122 cidades com população entre 20 mil e 100 mil habitantes são candidatas potenciais para receber uma sala de projeção. Mas até mesmo municípios com um número muito maior de habitantes, como Ribeirão das Neves, com 300 mil habitantes, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), carecem de salas de projeção.
Em breve, Ribeirão das Neves vai ganhar seu primeiro shopping center. O empreendimento, voltado principalmente para atender a classe média, vai oferecer em sua estrutura quatro salas de cinema. “Hoje as famílias da classe C frequentam tudo. Viajam de avião, se hospedam em hotéis e vão ao cinema”, diz Elias Tergilene, responsável pelo empreendimento, que deverá ser inaugurado entre 2015 e 2016 com investimentos na ordem de R$ 22 milhões e geração de 1.200 empregos diretos. Sem revelar nomes, Tergilene diz que os futuros exibidores são especialistas em salas de projeção de menor porte, com investimentos também menores.
Sandra Soares Vieira Gonçalves tem 35 anos e trabalha como agente de segurança na cidade. Ela mora em Neves e nunca foi ao cinema. “Com certeza tenho muita vontade de ir, mas aqui não tem salas e fica difícil pegar um ônibus e ir até Belo Horizonte para assistir a um filme”, lamenta.