O governo brasileiro começa, nesta quarta-feira, a passar a limpo a agenda comercial com a Argentina, que esteve praticamente travada nos últimos dois anos. O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), Fernando Pimentel, e o professor Marco Aurélio Garcia, assessor especial do Palácio do Planalto, vão se reunir à tarde, em Buenos Aires, com o ministro argentino de Economia, Axel Kicillof, e com o Chefe do Gabinete da Presidência, Jorge Capitanich. Inicialmente a visita de Pimentel e Garcia é de cortesia aos novos ministros que assumiram há pouco mais de duas semanas.
"As expectativas são muito positivas para ir limpando a agenda", disse uma fonte oficial ao Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado. Sinalização neste sentido foi dada na última quinta-feira, 28 de novembro, quando o secretário de Comércio Exterior do MIDC, Daniel Godinho, fez uma visita ao novo secretário de Comércio Interior do Ministério de Economia da Argentina, Augusto Costa. Ele substituiu o polêmico e truculento Guillermo Moreno, que impedia qualquer avanço nas negociações comerciais, devido a uma política de comércio exterior restritiva e discricionária.
A reunião acontece em um momento de mudanças no governo de Cristina Kirchner, que mostram maior flexibilização, diálogo e até a promessa de acabar com o esquema conhecido de "um a um" no comércio exterior, imposto por Moreno. Pelo mecanismo, a empresa importadora estava obrigada a exportar o mesmo valor de suas importações. "Cada dólar que importam, têm de exportar outro dólar", havia determinado Moreno às importadoras. Com essa norma não escrita, as importadoras de automóveis, por exemplo, tinham de exportar amendoim, arroz, pipoca, mel, queijos e outros produtos sem nenhuma relação com o setor.
As companhias siderúrgicas, de automóveis, químicas, petroquímicas, alimentos e outras já foram informadas pela nova equipe de Economia de que esta regra será banida. As famosas Declarações Juramentadas Antecipadas de Importação (DJAI), motivo de fortes controvérsias com o Brasil e com todos os países sócios comerciais da Argentina, também serão revistas.
O governo não pretende acabar com as DJAI ou com o comércio administrado, mas haverá maior flexibilização, segundo confirmou uma fonte oficial argentina. As empresas poderão importar mediante comprovação das necessidades reais do produto a ser adquirido no exterior e se o mesmo é vital para a produção nacional destinada a abastecer o mercado doméstico e à exportação de valor agregado.
As importações de bens considerados supérfluos, como automóveis de luxo, deverão esperar mais tempo para receber autorização. Isso ocorre porque, embora o governo demonstre interesse em corrigir o rumo da economia, as condições de escassez de divisas não mudaram. O Banco Central continua perdendo reservas, que contam com um estoque de US$ 30 bilhões, US$ 10 bilhões abaixo do total verificado no início do ano.
As DJAI foram impostas em fevereiro de 2012 e implicou em licenças generalizadas de importação. A eliminação das DJAI é a reivindicação básica do governo brasileiro para os produtos fabricados no Brasil. Esse pedido foi feito pelo próprio Pimentel à presidente Cristina Kirchner durante sua última visita ao país, em junho passado. Agora, o governo brasileiro tem outra reclamação: a oferta argentina para as negociações de um livre comércio com a União Europeia. O Mercosul tem que apresentar sua oferta nos próximos dias, mas a Argentina é o único país sócio que ainda não concluiu suas listas.
O ano que termina foi um dos piores para a relação bilateral. Além do diálogo comercial praticamente interrompido, a Argentina perdeu o milionário investimento de US$ 5,9 bilhões da Vale e estatizou duas concessões de trem de carga que estavam em mãos da brasileira América Latina Logística (ALL).