Com a recuperação — ainda que gradual — dos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed), o Banco Central norte-americano, anunciou ontem o que o mundo inteiro aguardava aflito: o início do corte de estímulos à maior economia do planeta. A partir de janeiro, os US$ 85 bilhões mensais injetados na economia serão reduzidos em US$ 10 bilhões. Para o mercado financeiro, a decisão anunciada ontem pelo presidente da instituição, Ben Bernanke, significa o fim de incertezas em torno da política monetária norte-americana. Os países emergentes, por outro lado, podem estar prestes a entrar em uma batalha pesada contra um superderretimento de suas moedas. As avaliações, no entanto, estão divididas. A interpretação preliminar de analistas e do governo é de que o processo vai ser suave e deve gerar uma menor volatilidade.
No Ministério da Fazenda, a decisão do Fed foi bem recebida, mas a ordem do ministro Guido Mantega é monitorar os dados nos próximos dias, sobretudo porque a decisão saiu após o fechamento de parte dos principais mercados globais. As bolsas da Ásia e da Europa já tinham encerrado o pregão. Segundo fontes na equipe econômica, havia uma expectativa de que fosse anunciada uma redução mensal de US$ 10 bilhões a cada reunião do Federal Reserve, porém essa hipótese não se confirmou. "Ele não se comprometeu com isso, deixou em aberto, e indicou que a estratégia será gradual, suave", explicou a fonte.
A redução de US$ 10 bilhões, segundo indicações do Fed, é apenas a primeira etapa da retirada dos estímulos. Até o fim de 2014, caso a economia norte-americana continue em compasso de retomada, mais cortes devem ser feitos. Bernanke alertou, no entanto, que o ritmo não é predeterminado. Se a economia tropeçar, a estratégia pode ser abrandada. A instituição também mudou as previsões para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no próximo ano, saiu de uma faixa de expansão entre 2,9% e 3,1% para uma entre 2,8% e 3,2%. "A decisão veio antes do que esperávamos, mas, pelo menos, será bastante gradual", ponderou Jankiel Santos, economista-chefe do Espírito Santo Investment Bank.
FRAGILIDADE Desde o anúncio de que a política monetária norte-americana seria normalizada, em meados do ano, o Brasil passou a ser inserido em um grupo classificado como os cinco frágeis: formado também por Turquia, Indonésia, Índia e África do Sul. Essas nações, segundo o banco de investimentos Morgan Stanley, têm as moedas mais vulneráveis às mudanças globais e ao reposicionamento do dólar.
Tão logo o Fed detalhou as regras do jogo, o Banco Central brasileiro anunciou que, em reação ao corte de estímulos, despejará pelo menos US$ 24 bilhões no mercado de câmbio entre janeiro e junho de 2014. O objetivo será conter uma arrancada mais forte do dólar e, por tabela, evitar a disparada da inflação. O BC informou que serão realizados leilões de swap cambial, de segunda a sexta-feira, no valor de US$ 200 milhões por dia, volume inferior aos US$ 500 milhões diários deste ano. A oferta de linhas de crédito em dólar, feita todas as sextas-feiras, só ocorrerá se houver demanda. A instituição ainda deixou aberta a possibilidade de vender reservas cambiais do país, que totalizam US$ 376 bilhões, em momentos de maior turbulência e de escassez brutal de moeda estrangeira.
Por meio de sua assessoria de imprensa, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que viu com tranquilidade a decisão do Fed, sobretudo porque a diminuição dos estímulos será gradual, sem provocar solavancos no mercado, o que evitará movimentos bruscos nas cotações do dólar. Outra boa notícia foi o fato de o BC dos EUA ter mantido as taxas de juros variando entre zero e 0,25% ao ano. Ele determinou à equipe do ministério que monitore todos os dados dos mercados globais nos próximos dias, pois a reação ontem foi parcial, uma vez que as bolsas de valores da Ásia e da Europa estavam fechadas quando o Fed se pronunciou.
MERCADOS Segundo o gestor de um grande fundo de investimentos sediado nos EUA, a decisão do Fed é positiva porque acaba com a apreensão entre os investidores e diminui a volatilidade. Não à toa, após o anúncio de que a injeção de recursos na economia seria reduzida, a bolsa de Nova York subiu fortemente e fechou o pregão em alta de 1,84%. A Bolsa de Valores de São Paulo (BM&Fbovespa) também subiu, obteve ganho de 0,94% e fechou aos 50.563 pontos. "Esse, porém, foi só o primeiro momento após a decisão. Não dá para prever a reação no médio e longo prazos. O certo é que o que estava ruim vai continuar ruim, a exemplo dos mercados emergentes", observou esse gestor, que prefere permanecer anônimo.
Dólar sobe 0,87% O efeito da decisão do Fed sobre a moeda brasileira foi imediato. O dólar subiu 0,87% comparado ao real, cotado a R$ 2,343 na venda. Apesar dessa elevação, o comunicado da reunião dos diretores do Federal Reserve trouxe, segundo analistas, boas notícias para o Brasil. "O Fed fez uma coisa muito importante, tirou o foco da taxa de desemprego e colocou na inflação, que está caindo. Nessa situação, queda de inflação é ruim. Isso significa que ele vai manter os juros baixos e fazer um programa de retirada de estímulos mais lento", explicou Tony Volpon, diretor executivo e chefe de Pesquisas para Mercados Emergentes das Américas da Nomura Securities International, em Nova York.
Otimismo no Planalto
Brasília – A presidente Dilma Rousseff disse ontem que, diante da crise financeira internacional, "os governos são levados a fazer coisas que não fazem em tempos normais". Dilma também assegurou, durante conversa com jornalistas no Palácio do Planalto, que o Brasil está "preparado" para os efeitos da crise e garantiu que a desoneração da folha de pagamento é uma medida "permanente" do governo. "O Brasil está preparado (para os efeitos da crise). Por quê? Porque, hoje, se você olhar, a nossa dívida líquida sobre o PIB é uma das menores do mundo, isso permite que a gente tenha um fôlego para sair de forma sustentável desse processo. A gente tem inflação sob controle, tem nossas reservas", afirmou.
Na opinião da presidente, comparando o comportamento das demais economias durante o período de crise, o Brasil teve um desempenho "bem razoável". "Nesse período, se a gente for comparar taxas de crescimento da economia, tivemos um desempenho bem razoável, considerando o que acontece no resto do mundo, e esperamos que o mundo tenha outra configuração em 2014."
Para Dilma, o pior cenário da crise financeira ocorreu neste ano. "Acho que 2013 foi o momento em que a chamada crise – que muitos economistas internacionais discutiam se era em U, se era em V ou um W – foi um W mais profundo”, classificou. “Foi pior porque se aprofundou a crise da Europa e se combinou com a crise americana e com uma redefinição da economia chinesa."
PIB Dilma disse que o crescimento do PIB em 2013 ficará "ali entre 2% e dois e pouco" e não se arriscou a fazer novos prognósticos. "Toda previsão é sujeita a tempestades", desconversou. No mês passado, em entrevista ao jornal espanhol El País, ela havia dito que o PIB de 2012 seria revisado de 0,9% para 1,5%. O resultado, porém, não ultrapassou 1%.
Com base em estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), a presidente calcula que o superávit primário deverá ficar entre 1,8% e 2% neste ano. Ela também garantiu que o Brasil fechará o ano com inflação sob controle. "Acho absolutamente imperdoável um governo pessimista", comentou a presidente. "Prefiro a linha Churchill: ’Sangue, suor e lágrimas’. Vamos até o fim, vamos derrotar porque é assim que a gente ganha as coisas", emendou, em uma referência ao primeiro-ministro britânico Winston Churchill, que teve participação decisiva na Segunda Guerra Mundial, colaborando para a vitória dos aliados contra os alemães.
Dilma classificou como "temeridade" a fórmula sugerida pela Petrobras, que prevê o reajuste automático do preço da gasolina quando houver aumento dos combustíveis no mercado internacional. Para ela, esse gatilho pode provocar impacto na inflação. "Indexação é algo extremamente perigoso. Indexar a economia brasileira ao câmbio ou a qualquer outra variável externa é uma temeridade."