O contribuinte brasileiro paga uma conta cara em impostos e não vê a devida compensação em serviços de diversas esferas. Desde domingo, o Estado de Minas escancara a incapacidade do Estado de garantir serviços de qualidade compatível com a avalanche de impostos pagos pelos brasileiros. Neste último dia da série, é a vez de mostrar a ineficiência do poder público também em administrar concessões, o que se reflete na precariedade da prestação dos serviços em setores como o de energia e de telefonia, aeroportos e planos de saúde.
Há cinco anos, o tempo médio que cada brasileiro fica no escuro supera o limite estipulado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). São, em média, 18,5 horas por ano sem luz, por causa de chuvas, quedas de árvores, falhas em subestações ou quaisquer outras justificativas, plausíveis ou não.
Não bastasse consumir uma energia de Terceiro Mundo, os contribuintes não pagam pouco por ela. Mesmo com a redução nas tarifas comemorada com entusiasmo pela presidente Dilma Rousseff — e em vigor a partir deste ano —, as contas de luz brasileiras figuram entre as 10 mais caras do planeta, lembra João Carlos Mello, presidente da Thymos Energia e Consultoria. Os impostos, diretos e indiretos, respondem por cerca de 40% do valor da fatura. Como em muitos outros setores no Brasil, a explicação para parte do entrave do setor energético está numa gestão capenga.
É difícil encontrar quem não tenha pelo menos um celular. Mais complicado ainda é achar alguém satisfeito com o serviço prestado pelas empresas de telefonia móvel. O sinal de péssima qualidade, o atendimento ruim e o valor elevado cobrado por minuto levam os consumidores a se convencer de que o Estado pouco faz para conter a farra das operadoras.
Em 1997 surgiu a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), justamente com o objetivo de fiscalizar os serviços. Parte dos impostos pagos pelos brasileiros ajuda a engordar o caixa do órgão regulador, ainda desconhecido de muitos. “Não acredito que haja algum tipo de controle. Todas as empresas são ruins, é algo disseminado”, diz a vendedora Bruna Cristina Gudim, de 20 anos. Cliente de duas operadoras, ela gasta pouco mais de R$ 100 por mês com celular. “É muito para o pouco que me oferecem. O acesso à internet é lento e o telefone está fora de área com frequência”, avalia. A Anatel informa que monitora permanente a qualidade dos serviços da telefonia móvel no Brasil. Atualmente, a agência diz estar acompanhando com atenção a evolução dos planos de investimentos das empresas.
SAÚDE FRACA
O que diferencia a realidade dos hospitais privados dos públicos já não é mais o atendimento certo, eficiente e de qualidade. O abismo hoje em dia se resume ao ar-condicionado, à cadeira acolchoada e ao cafezinho, ainda que frio, nas unidades particulares. Somente isso. Por mais que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e os barões do ramo apresentem pesquisas de satisfação com resultados aparentemente positivos, as reclamações de quem paga plano de saúde no Brasil se aproximam cada vez mais das de quem depende única e exclusivamente do Estado.
Se os doentes têm pressa para serem atendidos, os médicos que acumulam empregos em clínicas e hospitais não demonstram tanta agilidade assim. “A secretária disse que ele costuma atrasar mesmo”, lamentava Mariane Costa, de 29, há 45 minutos aguardando o cardiologista que atenderia o pai dela. “Aí ele vai chegar, nem vai olhar para cara dele e pronto: acabou a consulta”, previa.
Ao ouvir exemplos de relatos levantados pela reportagem, o presidente do Conselho de Administração da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), Francisco Balestrin, reconheceu a falta de profissionalização na gestão da saúde privada. “Os hospitais ainda não têm visão de prestação de serviços”, disse, reclamando da ausência de linhas de investimento para o setor privado de saúde no país. Tratar das queixas de usuários dos planos de saúde, afirma Balestrin, não é algo simples. Ele acrescenta que os prontos-socorros não foram planejados para atender a demanda atual.
Nos últimos anos, milhares de brasileiros voaram pela primeira vez e a explosão da demanda expôs o despreparo do Estado para gerir os aeroportos. As recentes concessões dos principais terminais do país prometem ajudar a amenizar o caos, mas, por ora, os contribuintes são obrigados, muito a contragosto, a enfrentar longas filas no check-in, atrasos e cancelamentos, sem contar os recorrentes problemas de extravios de bagagem. Com tantos transtornos no céu e na terra, os passageiros têm a impressão de que as companhias fazem o que querem. Mesmo quando os índices de atraso extrapolam e falta informação nos balcões das empresas, os brasileiros demoram a ver a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) e a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) em ação.
“Pagamos muito caro por um serviço de má qualidade. As empresas têm meses para se planejar e não o fazem”, diz o servidor público Marcos Silva, de 33, que esperou uma hora e meia para fazer check-in na semana passada. A Anac atribui os problemas nos aeroportos ao processo de expansão da aviação civil brasileira nos últimos 10 anos: crescimento de quase 200%. Na avaliação da agência, o aumento não foi acompanhado pela expansão da infraestrutura, o que provocou gargalos e níveis mais baixos de serviços.