Mesmo com as insistentes dicas de educação financeira, os brasileiros seguem desobedecendo orientações básicas na hora de gastar e acabam se enrolando com o cartão de crédito. Em 2013, o saldo devedor das transações feitas com o dinheiro de plástico no país cresceu mês a mês, atingindo em novembro, segundo o Banco Central, o recorde histórico de R$ 135,2 bilhões. O montante, que representa alta acumulada de 13,2% no último ano, tende a ficar ainda maior quando contabilizadas as compras de Natal.
O grande problema, alertam especialistas, é que, de tão estimulado, o crédito acabou virando uma “muleta” para quem não tem condições de comprar o que deseja. Para satisfazer o ímpeto consumista, muitos não se acanham em encarar os longos parcelamentos com juros e, o pior, sem garantia de recursos disponíveis no dia em que a fatura chega. A aposta cega no poder do cartão explica, em parte, os números estratosféricos divulgados pelo BC neste fim de ano.
A incapacidade de bancar as despesas com o dinheiro de plástico se manteve em níveis elevados ao longo de 2013, com pico no primeiro mês do ano, quando a inadimplência chegou a 36,6%. Em novembro — último dado divulgado —, o calote foi de 33,8%, índice ainda bastante alto, apesar da pequena redução em comparação com outubro (34,7%). É como se a cada R$ 10 emprestados pelo banco, pouco mais de R$ 3 não retornassem.
As histórias de endividamento de colegas, enroscados com renegociação de dívida e nome sujo na praça, sempre assustaram o professor Cleiton Robson de Souza, 30 anos, que decidiu tomar uma decisão radical: ele até tem o cartão de crédito na carteira, mas só o utiliza em casos de “emergência extrema”, diz. “Não lembro nem a última vez em que precisei usá-lo. Nunca quero entrar nessa bola de neve de taxa de juros absurdas”, comenta.
Controle
O cuidado minucioso com o uso do cartão, completa Souza, o deixa com as contas e a mente tranquilas. “Se tenho dinheiro e posso gastar, gasto. Senão, fico só na vontade ou me programo para tentar fazer a compra depois: simples assim”, discorre o professor, adiantando que a meta é continuar colocando em prática essa regra em 2014. “A verdade é que somos muito consumistas e perdemos o controle dos gastos.”
A radicalidade nas decisões de consumo é a única saída para quem se endividou com o cartão, sustenta o consultor financeiro e sócio da Mais Ativos Álvaro Modernell. Além de reduzir as despesas, orienta ele, deve-se pensar em formas de “fazer dinheiro”. “De maneira alguma, a pessoa pode admitir conviver com o rotativo”, afirma ele, categoricamente, ao sugerir até mesmo que algum bem seja vendido para “se livrar do câncer financeiro, que são os juros do cartão de crédito”.
O chamado dinheiro de plástico é o melhor meio de pagamento existente, na avaliação de Modernell, pela praticidade do uso. Em contrapartida, por conta dos juros que podem chegar a 600% ao ano, se apresenta como o pior meio de financiamento. “Deixar de pagar a integralidade da fatura é a decisão menos inteligente a ser tomada”, discorre o consultor, recomendando, no entanto, que, se não for possível quitar toda a conta, se pague o máximo possível para minimizar os efeitos dos juros.
Especialistas mantêm como principal orientação aos consumidores nunca entrar no rotativo do cartão de crédito. Se for usá-lo, que a fatura seja paga em dia e integralmente. Outra importante dica, sustentam os educadores financeiros, é evitar ao máximo parcelar gastos recorrentes, como os do supermercado ou do posto de combustível. Nesses casos, o risco está no fato de os pagamentos irem se sobrepondo, mantendo uma dívida contínua. (Colaborou Simone Kafruni)
Benefício
Estimulados pelos bancos e pelo mercado em geral, muitos brasileiros elegeram o cartão de crédito como principal forma de pagamento para acumular milhas a serem trocadas por bilhetes aéreos ou outros benefícios. Especialistas alertam que a ideia somente se torna interessante quando o acúmulo de pontos é consequência natural das operações realizadas. Quem utilizar o cartão apenas para pontuar pode se dar mal: em muitas situações, a vantagem é anulada em função de tarifas e encargos.