Brasília – O Brasil encerrou 2013 em situação mais vulnerável nas contas externas. A relação de trocas do país com resto do mundo – que envolve as remessas e ingressos de recursos feitos por famílias, empresas e o governo com o exterior – ficou no vermelho em US$ 81,3 bilhões. O rombo nas transações correntes, que já vinha crescendo no governo Dilma, atingiu, no ano passado, o pior resultado desde 1947. “Esses dados mostram uma fotografia do Brasil do atraso, que no passado era visto como um risco para o investidor estrangeiro”, disse uma fonte do mercado, que pediu anonimato.
Mesmo se comparável ao déficit verificado em 2012, de US$ 54,2 bilhões – que havia sido, até então, o maior rombo já registrado na história –, o resultado de 2013 impressiona. Houve piora de 50% no saldo nas transações correntes. Como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), o rombo chegou a 3,66%, o maior percentual desde 2001.
Em três anos de governo Dilma Rousseff, o volume de dinheiro que deixou o país rumo a outras economias chegou a US$ 188 bilhões, sendo que apenas o dinheiro que brasileiros deixaram no exterior chega a US$ 68,7 bilhões, no período. O valor do rombo do país no período é mais do que três vezes superior ao déficit somado nos dois mandatos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de US$ 54,7 bilhões.
O ano foi ruim também para o balanço de pagamentos (medido por todas as transações feitas pelo país com exterior, incluindo serviços da dívida pública). Em 2013, essa conta ficou negativa em US$ 5,9 bilhões, o que não ocorria desde 2000. “Isso significa que, mesmo com o mundo em crise, houve mais dólares saindo do país do que aportando aqui, o que é bem ruim para a economia”, disse o economista-chefe da INVX Global Capital Asset, Eduardo Velho. “Claramente a gente está numa situação de mais vulnerabilidade nas contas externas”, resumiu o ex-secretário do Tesouro Nacional Carlos Kawall, economista-chefe do Banco J. Safra.
INVESTIMENTOS As estatísticas ruins confirmam as críticas de especialistas do mercado financeiro, que há tempos apontam para uma deterioração nas relações comerciais do Brasil com o resto do mundo. Em 2013, pela primeira vez desde 2001, a conta do Investimento Estrangeiro Direto (IED) não foi suficiente para cobrir todo o rombo nas transações correntes. O BC registrou o ingresso de US$ 64,045 bilhões, dinheiro que foi utilizado por multinacionais na compra de empresas brasileiras ou na ampliação da capacidade produtiva de fábricas instaladas no país.
Em anos anteriores, essa conta era suficiente para cobrir 100% do déficit, mas, em 2013, esse “seguro” garantiu apenas 78,7% do rombo nas transações correntes. Em tese, o maior IED garante tranquilidade ao governo, uma vez que o capital aportado no país é menos vulnerável a turbulências nos mercados. “Ninguém vende uma fábrica de uma hora para outra. Então, mesmo que haja um pessimismo grande com o Brasil, o investidor que aplicou em um projeto produtivo não vai querer fugir tão rapidamente do país, porque ele sabe que pode perder dinheiro”, comentou uma fonte da equipe econômica.
Oficialmente, o governo diz que o estoque de investimentos estrangeiros diretos ainda é relativamente robusto, porque apresenta “estabilidade”. “O Brasil permanece como um dos principais destinos de IED no mundo e isso deve continuar”, disse o chefe-adjunto do Departamento Econômico do BC, Fernando Rocha.
Na verdade, faz três anos consecutivos que o investimento direto só encolhe. Entre 2011 e 2013, a perda foi de 3,9%, ou US$ 2,6 bilhões a menos nessa conta. No ano passado, o BC previa que essa situação ia se inverter. Em janeiro de 2013, as estimativas divulgadas pela autoridade monetária apontavam para um ingresso de capital direto na ordem de US$ 65 bilhões, o que não se confirmou.
A mesma projeção foi feita para o déficit em transações correntes, também estimado em US$ 65 bilhões. O número final, no entanto, ficou bem distante do cálculo oficial: US$ 81,3 bilhões. A respeito do erro de avaliação, Rocha explicou: “Se a projeção não se confirmou, (é porque ela) devia estar excessivamente otimista”, disse.
JUROS Para atrair investimentos o Brasil teve de subir os juros básicos da economia, uma forma de garantir prêmios maiores aos investidores que aportarem aqui. Durante os três anos de governo Dilma Rousseff, a Selic foi da mínima histórica, 7,25% ao ano, ao patamar atual, de 10,5%. A escalada fez o Brasil retomar a liderança no ranking mundial de juros reais altos, uma medida que considera não só a taxa básica como também a inflação do país.
Em outra frente, o governo decidiu reduzir o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para investimentos em renda fixa, uma forma de atrair capitais estrangeiros. Deu resultado. Entre 2012 e 2013, os investimento estrangeiro em carteira, como ações e títulos públicos, mais do que dobraram. Saíram de US$ 16,5 bilhões, em 2012, para US$ 34,7 bilhões, no ano seguinte. “O problema desse tipo de capital é que ele é mais volátil do que o investimento direto, que é para a produção. Então, a qualquer sinal de crise, o investidor pode vender os papéis, realizar o lucro e sair do país a qualquer momento”, disse Kawall.
Brasileiros gastam US$ 25 bi
A atração dos brasileiros por conhecer outros países foi outro fator que ajudou a explicar a piora do resultado externo em 2013. Os gastos feitos no exterior somaram US$ 25,34 bilhões, contra US$ 22,33 bilhões, com crescimento de 14%. O novo recorde não deixou de ser uma surpresa, inclusive para o BC, que apostava num esfriamento no segundo semestre depois que o dólar engatou na trajetória de alta em relação ao real. No ano, o avanço a moeda dos Estados Unidos foi de 14,6%. Para 2014, a expectativa do BC é de continuidade do crescimento das viagens internacionais, mas em menor ritmo, em torno de 2%, com a aposta de gastos em US$ 19 bilhões.
Vale lembrar que pesa contra os planos dos viajantes este ano o aumento do imposto sobre o uso de cartões pré-pago de 0,38% para 6,38%, como já é no caso do cartão de crédito. Resta saber se o BC não errará novamente sua avaliação. “O aumento da renda dos brasileiros deve ser maior que o aumento dos custos das viagens causado pelo dólar”, admitiu o chefe-adjunto do Departamento Econômico do Banco Central, Fernando Rocha.
A representante comercial Érica Uba aproveitou a viagem que fez a passeio para a Itália, Irlanda e Marrocos para fazer compras e equipar a casa nova. De acordo com ela, foram mais de US$ 700 em utensílios para casa, roupas, calçados e perfumes que, se fossem comprados no Brasil, custariam o dobro do preço ou até três vez mais. “Revertendo a moeda, meus gastos com esses produto não chegaram a R$ 2 mil. Se fosse comprar as mesmas coisas aqui, gastaria mais de R$ 5 mil”, diz Érica que afirma ainda que mesmo o dólar estando em alta, as compras e viagem internacionais saem mais em conta.
O planejamento dela é fazer pelo menos uma viagem para o exterior por ano. Para a próxima, ela conta que aos poucos já está comprando a moeda estrangeira, dólar ou euro, na tentativa de driblar a alta de 0,38% para 6,38% da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) incidente nos pagamentos em moeda estrangeira feitos com cartão de débito, saques em moeda estrangeira no exterior e carregamento de cartões pré-pagos com moeda estrangeira. “Começo a comprar pequenas quantidades de dólar ou euro. Se eu consigo juntar dinheiro eu já vou e troco para chegar na época da viagem com uma boa reserva. É bom aliar o turismo as compras, já que os produtos lá fora são bem mais baratos que aqui”, reafirma.