Com inflação extraoficial variando de 20% a 30% ao ano e uma população com autoestima em nível tão baixo quanto o das reservas internacionais, a Argentina voltou a se destacar – negativamente – no cenário econômico. A incessante fuga de dólares do país, acompanhada de intervenções ainda pouco claras do governo portenho, têm provocado a desconfiança de investidores, com reflexo no ambiente de nações emergentes, como o Brasil. O ano começou com “mais do mesmo” no reino da presidente Cristina Kirchner, ou seja, com muitas restrições à compra da moeda americana e à importação. Esta semana, uma turbulência cambial causou pânico nos mercados: em uma ação estimulada pelo governo, o peso argentino teve queda de 15% frente ao dólar, no maior recuo desde a crise de 2001 no país, quando chegou ao fim a paridade fixa entre a moeda local e a divisa norte-americana. Ontem, o banco central do país vendeu US$ 160 milhões para manter o dólar em 8 pesos. No câmbio paralelo, a cotação passou dos 12 pesos. Diante do temor dos argentinos de que surjam novas medidas para controlar operações cambiais, o governo surpreendeu ao anunciar, ontem, que a partir de segunda-feira a população poderá comprar dólares para “posse e economia”, acabando com uma proibição vigente há mais de dois anos. Com medo de crises econômicas, os portenhos se acostumaram a poupar em moeda estrangeira. A descrença com a moeda local tem intensificado o já forte mercado paralelo na Argentina. Alguns analistas acreditam, inclusive, que o governo permitiu o recente tombo do peso para diminuir a diferença entre as taxas de câmbio oficiais e as cobradas no mercado negro. O banco central de Cristina Kirchner só retomou as intervenções no mercado esta semana, mas a sangria das reservas cambiais do país já é fato consumado. O saldo é de cerca de US$ 29 bilhões, o nível mais baixo em sete anos. No esforço – considerado tardio – para conter a fuga de capitais, o governo anunciou também a redução de 35% para 20% da sobretaxa nas compras com cartão no exterior, além de limitar as transações pela internet dos argentinos a US$ 50 por ano. Ambas as sinalizações são consideradas insuficientes pelos investidores, para quem o banco central perdeu o controle da moeda local. “Num ambiente de sentimentos negativos para os mercados emergentes, a Argentina está entre os piores dos piores”, analisou o banco de investimentos Brown Brothers Harriman. Incapacidade Até os anos 1990, lembrou o professor de relações internacionais da Universidade Católica de Brasília Creomar de Souza, Brasil e Argentina eram encaradas como economias irmãs, o que justifica uma preocupação sobre como investidores estrangeiros tratarão a crise cambial no país vizinho. “O mundo ainda teima em enxergar a América Latina como um todo”, comentou o especialista. Para ele, a equipe econômica de Cristina Kirchner já deu claros sinais da incapacidade em manter a robustez do peso. “O problema por lá é institucional, não apenas cambial”, completou. A Argentina é uma importante parceira comercial do Brasil. Ontem, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, defendeu na Suíça, onde participa do Fórum Econômico Mundial, que a forte desvalorização do peso não terá impacto na atividade brasileira.
Viajantes preocupados
A crise econômica na Argentina tem preocupado moradores de Belo Horizonte que planejam uma viagem para o país nos próximos dias. A enfermeira Analía Blanco é argentina e mora no Brasil há 31 anos. Sua viagem está programada para o fim de fevereiro e a certeza que ela tem é de levar dólares em vez da moeda argentina, que sofre uma desvalorização intensa neste ano. A ideia com isso, segundo ela, é ajudar os familiares que vivem no país, trocando pela moeda local. “Se eles forem fazer a troca oficial, têm que declarar renda e pagar altos impostos. Se eu levar dólar, eu gasto menos e ainda os ajudo”, explica. Ainda de acordo com Analía, ela alugou uma apartamento no Centro de Buenos Aires, pagando as diárias em real por conta da desvalorização da moeda argentina. “Meus irmãos falam que a inflação está alta, que nunca sabem o preço real de um produto, que pode variar muito de um dia para o outro. Não sei como vou encontrar meu país, mas o que eu sinto é que as pessoas que vivem lá estão descrentes”, afirma. A viagem programada para maio está preocupando o casal Luiz Carlos Merati e Janaína Maciel. Eles compraram a passagem para o país vizinho há 15 dias, aproveitando os preços de uma promoção das companhias aéreas. No entanto, a crise que assola o país faz o casal refletir sobre qual moeda levar. “Nós planejávamos trocar o real pela moeda argentina, mas vimos que não é um bom negócio. Vamos levar parte do dinheiro em real e ou dólar, que está mais valorizado”, diz Merati. O casal afirma ainda que a expectativa é de que a situação do país melhore até a data da viagem. “Não sabemos o que fazer. Só espero que a gente não perca a viagem nem o que já investimos nela”, afirma Merati.