Assim como o povo do Egito, milhões de brasileiros continuam a percorrer longas distâncias em busca da “terra prometida”. O turismo religioso se propõe a explorar o potencial econômico de lugares considerados sagrados, onde a fé atrai os peregrinos. Somente em Aparecida, no interior de São Paulo, o número de visitantes anuais chega a 12 milhões. É gente do país inteiro que se desloca até a cidade, de 35 mil habitantes, para ver de perto a Basílica de Nossa Senhora Aparecida, o segundo maior templo católico do mundo – menor apenas que a Basílica de São Pedro, no Vaticano. As pesquisas mais recentes indicam que cada fiel gasta, em média, R$ 120 durante o passeio. Significa dizer que, por ano, a economia da fé injeta em Aparecida algo em torno de R$ 1,4 bilhão, 14 vezes o orçamento do município.
Com as lembrancinhas religiosas – que podem ser compradas em centenas de barraquinhas ou nas lojas de um imenso galpão com cara de “shopping da fé” –, cada peregrino desembolsa pelo menos R$ 20, de acordo com os últimos levantamentos, já defasados. Nos arredores do santuário, a hospedagem mais barata não custa menos que R$ 200 por dia. “É muito dinheiro que gira nessa cidade”, reconhece dom Darci José Nicioli, bispo auxiliar da Arquidiocese de Aparecida.
A basílica em homenagem à padroeira do Brasil não é mais a única construção a chamar a atenção de quem passa pela Via Dutra, rodovia de ligação entre São Paulo e o Rio de Janeiro. Entre os prédios erguidos está um hotel de quatro estrelas inaugurado pela própria Igreja há menos de dois anos, resultado de um investimento de R$ 60 milhões. Os 330 apartamentos divididos por 15 andares não têm sido suficientes para atender a demanda e uma segunda torre será construída.
Consolidada como o principal centro de peregrinação do país, Aparecida se prepara para ser inserida no roteiro do turismo religioso internacional. O número anual de visitantes da cidade é o dobro do registrado em Fátima (Portugal) e em Lourdes (França), onde as somas não passam de 5 milhões e 6 milhões, respectivamente. “O mundo precisa conhecer Aparecida”, defende o presidente da Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA), Alexandre Sampaio.
Aproveitando a recente visita do papa Francisco à cidade, durante a Jornada Mundial da Juventude de 2013, e o clima da Copa do Mundo deste ano, representantes do setor de turismo de vários países se reunirão no início do segundo semestre em Aparecida para debater formas de concretizar o santuário como destino mundial. O foco dos empresários, agora, é estimular o acolhimento de turistas com alto poder aquisitivo. “Rico também tem fé”, diz Sampaio.
Oportunidades
Aos poucos, a iniciativa privada vai descobrindo as divinas oportunidades. Catarinenses, por exemplo, se envolveram em um projeto de R$ 18 milhões: o teleférico que ligará a basílica ao Morro do Cruzeiro, do outro lado da Via Dutra, com previsão de conclusão nos próximos meses. “A estrutura da cidade já melhorou, mas ainda é preciso dar saltos em termos de qualidade na alimentação e na hospedagem. Além disso, não existe uma estratégia para reter os turistas”, comenta o presidente da FBHA.
Desde 2010, Aparecida é um dos roteiros indicados pela Ópera Romana Peregrinação, a agência de viagens do Vaticano. Internamente, esse potencial nunca foi bem explorado, no entender de dom Darci. “O governo brasileiro jamais assumiu Aparecida como centro de turismo religioso”, critica o bispo, lembrando que a Igreja responde, diretamente, pela criação de quase 2 mil empregos na cidade. “Tudo aqui gira em função do santuário e dos peregrinos”, reforça.
O comércio e o turismo religiosos respondem por cerca de 30% da arrecadação do município, segundo a prefeitura, que afirma depender de repasses governamentais para continuar aprimorando a infraestrutura urbana. Recentemente, R$ 2 milhões foram investidos em obras na chamada Avenida da Feira, local de intenso movimento por ser passagem obrigatória dos romeiros.
Destinos
No Brasil, conforme levantamento do Ministério do Turismo, existem 344 cidades que podem satisfazer os que viajam em busca da prática religiosa, embora não exista em torno delas um estímulo tão forte nesse sentido. Pouco mais de um terço dessas localidades tem calendário fixo de eventos relacionados à fé, a maior parte deles ligada ao catolicismo. No fim do ano passado, cinco cidades brasileiras foram selecionadas para receber do governo federal, juntas, R$ 601 mil, verba destinada exclusivamente para o fortalecimento do turismo religioso.