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Estado de Minas

Umbanda e candomblé têm gestão financeira pulverizada

Mensalidades pagas pelos filhos, doações de fiéis e a arrecadação de fundos em eventos são as principais fontes de renda dos terreiros


postado em 29/01/2014 06:00 / atualizado em 29/01/2014 07:30

O pai Sidney Ti Osòósi lidera terreiro no Bairro Aarão Reis que é considerado patrimônio histórico de BH (foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press)
O pai Sidney Ti Osòósi lidera terreiro no Bairro Aarão Reis que é considerado patrimônio histórico de BH (foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press)

Dar de graça o que de graça receber com humildade, caridade e fé. Esse é o lema da umbanda, religião brasileira que mistura vários elementos do cristianismo, do espiritismo e de cultos africanos. Sem uma organização vertical rígida, como a que existe no catolicismo, na umbanda cada terreiro é responsável pela sua própria gestão administrativa e financeira e os templos são mantidos pelos filhos de fé, como também são chamados os umbandistas, e pelos líderes religiosos, os pais e mães de santo.

Além das mensalidades pagas pelos filhos, as doações de fiéis e a arrecadação de fundos em eventos são as principais fontes de renda dos terreiros, mas o comércio e a fabricação de artigos usados nos cultos engrossam a movimentação financeira da religião em, pelo menos, R$ 60 milhões por ano. No Brasil, a umbanda se confunde com o candomblé, culto aos orixás de origem africana.

Em Belo Horizonte, as duas religiões se organizam de formas distintas. O presidente da Federação Espírita Umbandista de Minas Gerais – que reúne 600 terreiros e movimenta R$ 2 mil por mês provenientes de doações –, João Magalhães, explica a diferença: umbanda é uma mescla das raízes africanas com sincretismo e cultua sete linhas diferentes – entre elas pretos velhos, caboclos, erês e outros – e permite ainda a inserção de práticas católicas. Já o candomblé, cultua apenas guias e orixás. “A diferença é que, no candomblé, a prática é mais onerosa, por ser mais elaborada e por manter as raízes africanas. A umbanda é mais permissiva e flexível quanto a seus custos e práticas”, diz.

Ainda de acordo com Magalhães, a função da federação é filiar novos terreiros, fiscalizar e oferecer assistência jurídica. Outro papel é punir aqueles que não agem de acordo com fundamento do estatuto, praticando extorsões e cobranças indevidas. “Não interferimos na vida financeira de cada terreiro. São os pais, mães e zeladores dos terreiros que determinam onde será investido o dinheiro e administram as doações”, explica. “Só agimos por solicitação, quando existem cobranças com conotações abusivas, como denúncias de trabalhos que custam R$ 3 mil, por exemplo”, pondera.

Entre os trabalhos da federação, o presidente destaca ainda a organização de festas, mas lembra que, pelo princípio da caridade, os eventos não têm fins lucrativos. Entre as comemorações, está a Festa dos Pretos Velhos, em 10 de maio, e a Festa de Iemanjá, celebrada no primeiro sábado depois de 15 de agosto. Como os terreiros não conseguem angariar doações para a realização das festas, ele explica que a municipalidade, por meio dos decretos municipais 4454/1986 e o 4463/1986, financia os custos de logística e para a realização dos eventos. “Na umbanda, ninguém tem salário, são todos voluntários. Não visamos lucro. Recebo em bênçãos e prestígios junto aos guias”, comenta.

NÚMEROS Levantamento feito pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), em parceria com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura/UNESCO e a Associação Filmes de Quintal, em 2011, identificou 353 terreiros em Belo Horizonte e Região Metropolitana. Entre eles, estão os de umbanda, candomblé, batuque, xangô, dentre outras variantes rituais. De acordo com a antropóloga da Filmes de Quintal, Júnia Torres, o número de terreiros hoje pode ser bem maior, uma vez que já se passaram três anos da pesquisa. “Isso foi o que encontramos em uma pesquisa de campo de apenas três meses”, afirma.

Não há estimativa sobre o número de praticantes da umbanda e candomblé no estado. Mesmo assim, a antropóloga afirma que os terreiros movimentam cifras consideráveis, impossíveis de se mensurar. Existe uma cadeia econômica por trás deles, que envolve uma rede de produção de vestimentas, alimentos e produtos específicos, além das consultas e trabalhos. Ainda de acordo com Torres, a maioria das casas estão em bairro de periferia e vivem de doações dos adeptos que frequentam os terreiros. “Em geral, é um universo simples, sem ostentação, mas que exige grande investimento das pessoas que participam”, explica.

Cada casa tem sua hierarquia

No que diz respeito à administração dos terreiros, Adriane Spinola, filha da Casa do Divino Espírito Santo das Almas, no Bairro São Geraldo, que segue a umbanda, explica que, embora o raciocínio da religião seja único, não há uma cúpula que direciona toda a questão financeira, como no caso da igreja católica. “A umbanda é pulverizada. Cada casa tem sua hierarquia administrativa e espiritual”, explica. A casa que frequenta, por exemplo, conta com um organograma administrativo com presidente e, abaixo dele, uma pessoa que responde pela tesouraria, além daquelas que atendem a comunicação, secretaria e eventos e apoio operacional. No espiritual, a casa é dividida em zelador, mãe pequena e os ogans.

Ainda de acordo com Adriane, a casa é bancada pelos cerca de 60 filhos com a despesa mensal sendo dividida entre todos. A renda é revertida para os custos fixos com água, luz e insumos utilizados nos atendimentos de pessoas que frequentam o terreiro. “As doações permitem o atendimento de mil pessoas por mês”, lembra. No entanto, ela garante que cada filho contribui apenas com o que pode e que não há valor obrigatório para cada um. Outra forma de arrecadar fundos que são usados na melhoria do espaço são as festas. Em janeiro, a casa promove o Samba do Divino. Em julho, a festa “julina”, além de um evento em outubro que muda sua temática a cada ano.

Existem em Minas associações como as que defendem os terreiros de candomblé junto aos órgão públicos e outras entidades. De acordo com o pai Sidney Ti Osòósi, do terreiro Ilê Wopô Olojukam, não são cobradas mensalidades dos terreiros, mas eles costumam fazer doações. O terreiro de candomblé Ilê Wopô Olojukam fica no Bairro Aarão Reis e é o único da cidade considerado patrimônio histórico de Belo Horizonte. Criado em 1964, com mais de 900 metros de construção, é coordenado por pai Sidney e se mantém com doações e pagamentos de consultas. “Não cobramos para jogar os búzios. Quem chega até a gente não fica sem atendimento por estar sem dinheiro. Paga o que pode e quando pode”, explica.

No local, não são cobradas mensalidades ou trabalhos como banhos de ervas, defumadores. Quem pode doa o dinheiro em espécie e quem não pode doa trabalho. De acordo com o mentor do terreiro, para os trabalhos serem realizados o adepto pode levar os ingredientes ou, se preferir, entregar o dinheiro para que algum integrante do terreiro compre. “Geralmente, gasta-se em torno de R$ 200 com esses trabalhos, dependendo do que a pessoa precisa”, afirma pai Sidney, que argumenta ainda que os trabalhos ficam caros por conta dos ingredientes usados, como camarão, óleo de dendê, pipoca, entre outros. (CM e FM)

De ervas a imagens

Os umbandistas e candomblecistas incrementam as cifras movimentadas pelas religiões com a venda de produtos como velas, defumadores, banho de ervas. Dono de uma das lojas mais antigas de Belo Horizonte especializada em artigos religiosos, a Casa da Umbanda, Davi Rodrigues afirma que mais de 80% de sua cartela de clientes é formada pelos praticantes da umbanda e candomblé. Entre os produtos mais vendidos, estão as velas, banhos de ervas, defumadores e incensos. “Tem produto de R$ 0,75 até R$ 10 ou R$ 20. São ingredientes baratos. O que fica mais caro, geralmente, são os alimentos a serem oferecidos aos orixás”, afirma.

A venda de artigos ligados às duas religiões em Belo Horizonte cresceu cerca de 20% nos últimos cinco anos, segundo o proprietário de uma loja especializada em artigos religiosos no Mercado Central de Belo Horizonte, Evando Oliveira Alves. Ele afirma que 40% de seu público é adepto da umbanda e do candomblé que gastam em torno de R$ 10 até R$ 500 dependendo do tipo de trabalho a ser feito. “Geralmente, os clientes trazem uma lista com todos os produtos a serem utilizados ou então compram vários artigos para doarem aos terreiros quando alcançam alguma benção”, diz.

Uma das maiores fábricas de mercadorias religiosas do país, a Imagens Bahia, fundada em 1956, fatura cerca de R$ 3 milhões por ano. O diretor da empresa, Nelson Ferreira Dias, afirma que 40% da produção é destinada a artigos de Umbanda e 60% é voltada ao catolicismo. “Imagens e velas são usadas nas duas religiões”, ressalta. Dias lembra que apenas em Aparecida do Norte (SP) existem cerca de 100 indústrias de imagens católicas. “Com produtos exclusivos para umbanda são cerca de 20 fábricas no país. Se cada empresa faturar R$ 3 milhões por ano, a receita gerada pela umbanda na indústria pode chegar a R$ 60 milhões anuais”, calcula. (FM e SK)


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