Brasília – Uma maré vermelha tomou conta dos mercados financeiros nessa segunda-feira, deixando um rastro de prejuízo como há tempos não se via. O nervosismo foi tamanho, que nenhum dos 72 papéis que compõem o Ibovespa, principal índice de lucratividade da Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) apontou alta. Para 13 das principais ações, houve recuo de mais de 4%. O indicador cravou baixa de 3,13%, para os 46.147 pontos, puxado pelo péssimo desempenho dos títulos da Petrobras, que tombaram 5,78%. Foi o maior tombo da bolsa desde 2 de julho de 2013. Neste ano, os prejuízos chegam a 10,4%.
No entender dos especialistas, houve uma conjugação de fatores negativos que disseminaram o pânico nos mercados. Além dos temores em relação às economias emergentes, em meio a dados fracos da atividade industrial da China, os investidores se assustaram com a perda de fôlego da produção fabril nos Estados Unidos e com o déficit recorde na balança comercial brasileira em janeiro, de US$ 4,057 bilhões. "Os mercados emergentes ficaram na mão desde que a China mostrou desaceleração e os Estados Unidos passaram a reduzir seu programa de estímulos. E o Brasil sofre mais por não ter feito o dever de casa, convivendo com baixo crescimento, inflação alta e contas públicas desajustadas", disse o economista-chefe da Órama Investimentos, Álvaro Bandeira.
Lino Gill, analista da DX Investimentos, destacou que o ISM Manufacturing Index dos EUA, um forte indicador de tendência dos negócios, veio abaixo do esperado. O consenso do mercado estava em 56 pontos e o número divulgado foi 51,3. "O recuo é preocupante, porque está próximo do nível pré-retração da economia", afirmou. "Também ISM da China foi mais fraco que o esperado, afetando as ações de siderúrgicas brasileiras e da Vale, que exportam minério para o país asiático", acrescentou Jason Vieira do portal Moneyou.
A sangria da BM&FBovespa no pregão de ontem fez com que R$ 32 bilhões evaporassem no valor de mercado das cinco empresas com as ações mais negociadas no pregão paulista: Petrobras; Vale, cujos papéis recuaram 3%; Bradesco, com baixa de 3,4%; Ambev, que cedeu 3,7%; e Itaú, com perda de 1,2%. No acumulado deste ano, essas companhias acumularam desvalorização de R$ 100 bilhões, dos quais R$ 40 bilhões referentes apenas à Petrobras, que voltou a valer o mesmo que em 2008, antes de sua capitalização.
Com a turbulência provocada pelos indicadores ruins, o dólar fechou ontem em 2,4371, com alta de 1,02% em relação ao real — na máxima do dia, chegou a 2,4385. Em janeiro, a moeda norte-americana subiu 2,33%, completando o quarto mês seguido de elevação. “Esse resultado horrível (da balança comercial em janeiro) foi mais um item que influencia os investidores a procurarem um porto mais seguro. Os países emergentes estão elevando os juros, mas continuam frágeis”, disse o economista Edgar de Sá. “As incertezas seguem e o dólar continua com tendência clara de alta”, avaliou Rodrigo Hudson, diretor da corretora Cotar. “Não haverá uma elevação tão expressiva quanto a do ano passado, de 15%, mas que vai subir, vai. Não enxergo uma volta a R$ 2,20”, afirmou.
Perda bilionária Diante do cenário de incerteza que domina o Brasil, os títulos do Tesouro Nacional deram prejuízo, somente em janeiro, de R$ 116,2 bilhões a investidores. O rastro de perdas se estende desde os pequenos poupadores, que usam o programa Tesouro Direto, ao patrimônio de fundos de pensão que têm a obrigação de garantir a aposentadoria de milhões de brasileiros. Os danos, no entanto, são maiores para quem precisa se desfazer dos papéis no curto prazo. Para os que podem segurar o título até o vencimento, esse momento de queda traz pouco ou nenhum impacto.
A perda bilionária com os títulos públicos em janeiro foi calculada com base nas carteiras teóricas divulgadas mensalmente pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Em janeiro, a maioria dos papéis do Tesouro Nacional apresentaram rentabilidade negativa. A NTN-B, com vencimento em 2035, apresentou o pior resultado, registrou queda de 10,52%. No acumulado de 12 meses o recuou foi pouco maior que 42%. Apenas as LFTs, indexadas à taxa básica de juros (Selic), ficaram no azul, com ganho médio de 0,82% no mês passado.
Juros mais altos
O mercado financeiro elevou as apostas de que a taxa básica de juros seguirá em alta durante boa parte de 2014. As estimativas das cinco instituições financeiras que mais acertam previsões, chamadas de Top 5, é que a Selic suba pelo menos mais 1,25 ponto percentual nas próximas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom). Com isso, a Selic chegaria, em dezembro, a 11,25% ao ano –o maior patamar desde outubro de 2011. A maior parte do mercado financeiro, no entanto, continua apostando que o ajuste será menor, para 11% ao ano. As projeções constam da mais recente pesquisa semanal Focus, cujos resultados foram divulgados pelo Banco Central (BC).
Governo agora quer ouvir
Brasília – O crescente pessimismo do mercado financeiro com o desempenho da economia brasileira entrou de vez na pauta de preocupações do governo. Diante de sinais cada vez mais claros de descontentamento do setor privado com a condução da a política fiscal e em meio à piora constante nas previsões para a escalada da inflação e do dólar em 2014, a presidente Dilma Rousseff decidiu agir. Sob determinação do Palácio do Planalto, a equipe econômica intensificou as conversas com analistas de grandes bancos e corretoras. Nas últimas duas semanas ocorreram reuniões em Brasília e São Paulo, em que o governo mais ouviu do que falou, segundo contaram interlocutores que participaram desses encontros.
O governo atuou em duas frentes nessas reuniões. Pelo lado do Ministério da Fazenda, foram escalados o secretário de Política Econômica, Márcio Holland, e o secretário executivo interino, Dyogo Oliveira. No Banco Central (BC), quem conduziu as conversas com os economistas de mercado foi o diretor de Política Econômica, Carlos Hamilton, que foi a voz do presidente da instituição, Alexandre Tombini.
A Fazenda tratou exclusivamente da política fiscal, que há meses vem sofrendo um bombardeio de críticas em função, sobretudo, dos truques contábeis realizados pelo secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, para fechar as contas públicas. A missão de Holland e de Oliveira, portanto, foi tentar dissipar o pessimismo do setor privado com as manobras contábeis, e garantir ao mercado que o governo fará uma política fiscal mais austera e crível em 2014.
Não por acaso, o governo quis saber dos economistas consultados qual deveria ser o esforço fiscal feito no corte de gastos que será anunciado em meados deste mês. Uma fonte governista explicou o motivo da aproximação. “Em momentos de maior volatilidade nas economias internacionais, faz sentido ouvir mais o mercado financeiro”, ela disse.
A mesma avaliação tem o BC, que vem mapeando as opiniões do mercado financeiro sobre os mais diversos assuntos da economia, desde a inflação alta aos juros básicos. O grande ponto de preocupação dos analistas ouvidos, apurou a reportagem, foi a trajetória do dólar, que pode puxar para cima tanto os preços de produtos e serviços, quanto a taxa Selic, atualmente em 10,5% ao ano. “O que está claro é que o BC tinha um plano de voo traçado no ano passado, e que, por esse plano, os juros estariam parando de subir neste início de ano. Mas o que ninguém contava era com essa alta forte alta do dólar, que é realmente preocupante”, disse um economista de um grande banco de investimentos.