Tanto é assim que uma área formada por 55 cidades do Alto Paranaíba e do Triângulo Mineiro, cujos frutos são conhecidos como café do cerrado, foi a primeira região cafeeira do país a receber do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), em 31 de dezembro de 2013, a Denominação de Origem (DO). Na prática, o rótulo atesta que a área é especializada em uma mercadoria de excelente qualidade, a exemplo do que ocorre na França com os vinhos produzidos em Bordeaux e os espumantes de Champagne.
“Café e vinho são produtos terroir, expressão francesa que envolve o solo, o homem e o ‘saber fazer’. Isso significa que conseguimos alterar o sabor deles com esses três elementos”, explica o engenheiro agrônomo e diretor de Marketing da Federação dos Cafeicultores do Cerrado, Juliano Tarabal, acrescentando que o mercado dos grãos especiais conquista cada vez mais espaço, tanto no mercado interno quanto no externo. Sobretudo se comparado ao café tradicional, como reforça a diretora-executiva da Brazil Specialty Coffee Association (BSCA), Vanusa Nogueira: “Enquanto o consumo do tradicional sobe de 2% a 2,5% ao ano, o do especial oscila de 10% a 15%”.
Esse aumento não beneficia apenas o fazendeiro. O grão impulsiona todos os outros setores, como a indústria (torrefadoras e fabricantes de cafeteiras), o turismo (roteiros nas lavouras), os serviços (cursos de baristas) e o comércio (venda de drinques à base de grãos selecionados). Essas e outras abordagens são temas da série “Muito além do cafezinho”, que o Estado de Minas publica a partir de hoje. A edição deste domingo mostra como o café especial é valorizado nos mercados nacional e internacional, mas também como o fazendeiro pode lucrar ainda mais se verticalizar a colheita.
VALORIZADO
Há pacotes de um quilo de café vendidos a R$ 200. Um grão é considerado especial se atingir, numa escala de zero a 100, o mínimo de 80 pontos nas análises de entidades internacionais, como a Specialty Coffee Association of America (SCAA). As notas levam em conta a fragrância, a uniformidade, o sabor, a acidez e outras características da bebida (veja quadro). “Esse produto tem um ganho em torno de 30% a mais do que o do tradicional. Os grãos campeões de concursos, porém, rendem muito mais”, comparou a diretora-executiva da BSCA.
É o que ocorreu com uma lavoura da Fazenda Nossa Senhora Aparecida, em Carmo de Minas, na Serra da Mantiqueira, a 370 quilômetros de Belo Horizonte. Há três semanas, a propriedade venceu o Concurso de Qualidade Cafés do Brasil 'Cup of Excellence Late Harvest, organizado pela BSCA em parceria com a Alliance for Coffee Excellence (ACE). A lavoura, de propriedade de Cinthia Dias e de seu pai, Edmo Junqueira, obteve nota 92,22.
Ela é uma das brasileiras que passaram a frequentar com assiduidade cafeterias do país. Em São Lourenço, no Sul do estado, onde Fátima mora, ela visita esses estabelecimentos pelo menos três vezes por semana na companhia de amigas e parentes. Às vezes, até sozinha. “Acompanho lançamentos e compro embalagens para parentes e colegas. Desta vez, vou enviar alguns pacotes para amigos no Rio de Janeiro”, disse ela, que pagou R$ 10 numa xícara do café-jacu, servido na Unique Cafés.
O produto reserva uma curiosidade: o nome se deve à “participação” de ave no processamento do grão in natura. Luiz Paulo Dias Pereira Filho, sócio da Unique Cafés, explica que se trata de “uma seleção natural dos melhores grãos”. Isso porque os jacus só comem, e diretamente nas árvores, os grãos de qualidade. “Recolhemos as fezes das aves, retiramos os grãos e os lavamos bem. E fazemos o café”, acrescenta Luiz Paulo. O quilo do produto é vendido no local por R$ 200.