Carmo de Minas, Patrocínio e Campo Belo – A cafeicultura testemunhou grandes mudanças no mercado de trabalho do Brasil. Na época do Brasil colônia, quando os engenhos de açúcar perderam força na economia nacional, as lavouras de grãos ganharam espaço e eram manuseadas, sobretudo, por escravos. A partir de 1888, quando a princesa Isabel (1846-1921) assinou a Lei Áurea, as plantações ajudaram a estimular as migrações de estrangeiros. Hoje, a principal commodity do agronegócio mineiro atrai gente de outros estados, principalmente do Nordeste, e grandes investimentos em maquinário. Mas o produtor sofre com a falta de mão de obra. O déficit, porém, também atinge os outros ramos da cadeia dos cafés especiais.
Na indústria, por exemplo, há torrefadora com vaga em aberto há dois meses. No comércio, cafeterias também penam para empregar pessoas qualificadas. Resultado: fazendeiros, industriais e comerciantes desembolsam mais com salários e treinamento. Esse é o tema da terceira reportagem da série Muito além do cafezinho, que o Estado de Minas publica desde domingo.
“Mão de obra aqui está cada vez mais difícil e cara. A diária chega a R$ 60 na época da colheita”, informou Edmo Junqueira Villela, um dos donos da Fazenda Nossa Senhora Aparecida, em Carmo de Minas, na Região da Mantiqueira. A propriedade dele venceu a última edição do Concurso de Qualidade Cafés do Brasil Cup of Excellence Late Harvest, organizado pela BSCA em parceria com a Alliance for Coffee Excellence (ACE). A lavoura obteve nota 92,22 numa escala de zero a 100.
Cada uma das 15 sacas enviadas ao certame, que antes valiam cerca de R$ 500, deve ser arrematada por aproximadamente R$ 5 mil num leilão que ocorrerá em março. Carmo de Minas, onde está a lavoura de Edmo, é uma região montanhosa, o que dificulta o uso de grandes máquinas na colheita. Longe de lá, em Patrocínio, no Alto Paranaíba, a geografia é bem diferente, o que permite aos cafeicultores o uso de equipamentos de grande porte. Porém, nenhuma lavoura sobrevive sem trabalhadores qualificados.
“Tenho uma dificuldade grande no setor. Fazemos um esforço gigante para treinar as pessoas. É um gargalo grande. O custo Brasil”, disse Thiago Motta, dono da Fazenda Jatobá, em Patrocínio, onde parte da produção de grãos especiais já foi enviada para os Estados Unidos, Europa e Japão. Ele usa maquinário para atividades na lavoura. O aluguel de uma colheitadora sai por R$ 200 a hora. “Costumo usá-la (na época da colheita) por 105 horas, 110 horas”, completou Thiago, que também produz sementes para o mercado. “Já exportamos para o Timor Leste (Ásia).”
INDÚSTRIA E COMÉRCIO A falta de trabalhadores também prejudica as empresas que beneficiam os grãos. “Não é fácil encontrar mão de obra, especialmente porque queremos qualidade. Já mandei três pessoas para cursos em Belo Horizonte e não aproveitei nenhuma. Estou com vagas em aberto para torrefador (R$ 1,5 mil) e para auxiliar de embalador (R$ 800). As duas vagas estão abertas há dois meses. Está difícil preenchê-las”, lamentou Antônio Costa, um dos proprietários da Café Fazenda Caeté, em Campo Belo, no Sul do estado. A empresa conta com lavouras e máquinas para beneficiamento dos grãos.
Da indústria, o café segue para o comércio, onde a situação não é diferente. No Mr. Black Café Gourmet, inaugurada em 2006 e com sete unidades na Grande BH, o dono da empresa, Cristian Soares Figueiredo, conta que 20% das vagas estão abertas. “Temos cargos de balconista, caixa, garçonete… Em todos esses níveis, temos dificuldades para encontrar funcionários e qualificação.” Apesar disso, o volume de vendas na rede cresceu de 10% a 15% em 2013.
Para 2014, a meta é ampliar a rede em mais 10 unidades. Além dos sete pontos de vendas no estado, o Mr. Black Café Gourmet conta com unidades em Cuiabá e Goiânia. Em maio, deve inaugurar uma loja em Vila Velha (ES).
Palavra do especialista
Aline Veloso, coordenadora da assessoria técnica da Faemg
Crise nas montanhas
“A falta de mão de obra qualificada é uma dificuldade em diversos setores da economia. O agronegócio é altamente depende dela, principalmente em épocas como a da colheita. Observamos, entre outros fatores, uma demanda forte (de migração do campo) para a área urbana, como na construção civil, nos serviços… O uso de tecnologia no sistema produtivo pode favorecer o produtor. A inserção de tecnologia aumenta a produção diária (do trabalhador). É importante que o cafeicultor fique atento às tecnonoligas, mas sem perder de vista o controle do custo. Nas lavouras de montanha, é bem mais difícil o uso de equipamentos. A mão de obra nessas regiões, como no Sul de Minas e na Zona da Mata, continuará sendo demandada.”