Brasília – O governo está confiando a segurança do suprimento nacional de eletricidade nos próximos meses às mãos de São Pedro. Para superar o atual estresse provocado pelo forte consumo, no embalo das elevadas temperaturas, e pelo baixo nível dos reservatórios de hidrelétricas, em razão da estiagem atípica nos meses de janeiro e fevereiro, as autoridades rezam pela volta da normalidade das chuvas. Essa profissão de fé ficou clara, ontem, na reunião ordinária do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), realizada com mais de uma semana de atraso e a primeira após o apagão do dia 4, que deixou 6 milhões de pessoas sem luz em 13 estados e no Distrito Federal. Enquanto o grupo analisava os relatórios do setor, as avenidas Faria Lima e JK, na capital paulista, enfrentavam um blecaute que durou quase quatro horas. Também ontem voltou a chover em São Paulo.
Ao fim do encontro o governo afirmou que o abastecimento de energia no país está garantido, mas, pela primeira vez, admitiu que o agravamento do período seco pode trazer problemas. “A não ser que ocorra uma série de vazões pior do que as já registradas, evento de baixíssima probabilidade, não são visualizadas dificuldades no suprimento de energia no país em 2014”, afirmou a breve nota do CMSE, lida pelo secretário-executivo do CMSE, Ildo Grudtne, aos jornalistas no meio do encontro que durou toda a tarde, na sede do Ministério de Minas e Energia (MME), para avaliar o cenário do setor. É a primeira vez que o governo condiciona, ainda que considerando como baixíssima probabilidade, o abastecimento de energia. Até agora, o ministro das Minas e Energia, Edson Lobão, garantia que o risco de faltar energia no país era zero.
Ocorre, contudo, que o volume de água que caiu sobre os rios que abastecem as usinas do Sudeste e Centro-Oeste ficou na metade do esperado para as primeiras semanas do ano, comprometendo a geração. “Parece que São Pedro, convocado de última hora, estava lá na cabeceira da mesa da reunião do comitê. Ninguém quer racionamento, mas já passou da hora de o governo agir com transparência e enfrentar os fatos”, disparou Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).
O consultor, uma das vítimas do apagão de ontem no local de aluguel mais caro de São Paulo, também faz questão de rechaçar o discurso oficial que considera o estresse atual fruto de problemas conjunturais. “As causas são estruturais. Faltou planejamento para blindar o sistema interligado deste grande país tropical da sua elevada dependência das hidrelétricas”, observou. “Da mesma forma, não pode ser vista como triste coincidência a queda da linha no momento que deslocava mais eletricidade do Norte para socorrer a crise de demanda do Sul e Sudeste”, acrescentou.
Para o CMSE, o sistema elétrico “está atravessando uma situação conjuntural desfavorável em termos climáticos, (…) mas dispõe das condições de equilíbrio estrutural necessárias ao abastecimento”. Presidido pelo ministro Edison Lobão, o encontro de ontem não tratou dos últimos apagões. Tentou afastar a percepção de risco de desabastecimento e tranquilizar a população e o mercado, a exemplo do que vem fazendo há três semanas seguidas. Neste sentido, a nota do CMSE frisou que o risco de deficit continua dentro da margem mínima aceitável de 5%, com uma sobra de 6,2 mil megawatts (MW) médios, ou 9% da demanda prevista para o período. Especialistas discordam e apostam em risco de racionamento perto de 20%, com espaço de manobra beirando a 1%.
PRESSÃO “A escassez de água em São Paulo não deixou dúvidas de que a natureza não está sendo legal neste começo de ano e a reação ideal do sistema elétrico nacional diante desse quadro seria pedir ao público moderação do consumo. Mas o governo parece preferir contar apenas com as chamadas águas de março, cantadas pelo mestre Tom Jobim, para virar o jogo”, lamentou o consultor João Carlos Mello, presidente da Thymus Energia. Para ele, se a população racionasse em torno de 5% da demanda, as contas de energia poderiam ficar 6% mais baratas. O acionamento das térmicas, contudo, já está comprometendo a produção industrial e pressionando a inflação.
Segundo dados oficiais do próprio CMSE, 71% das obras de transmissão estão atrasadas. Nas obras de geração, 64% estão fora do cronograma, com atraso médio de 8,5 meses. A média de expansão de geração e transmissão nos últimos anos também é menor que o crescimento projetado para a próxima década.