Brasília – A palavra recessão por anos causou calafrios aos brasileiros. Após décadas de esquecimento, ela voltou a dar as caras no país em 2009, no ano seguinte ao estouro da maior crise econômica desde 1920, e pode voltar a ser ouvida muito em breve. No jargão econômico, recessão técnica é quando a economia encolhe durante dois trimestres consecutivos. Foi isso o que aconteceu entre julho e dezembro de 2013, segundo o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-BR), um indicador que é visto pelo mercado financeiro como um termômetro para o Produto Interno Bruto (PIB).
No quarto trimestre do ano passado, o indicador apresentou queda de 0,17%. Desaceleração ainda mais forte foi verificada três meses antes, quando o IBC-BR recuou 0,21%. Os números indicam que a economia brasileira encolheu durante metade do ano passado. Não fosse o crescimento mais forte registrado entre janeiro e junho, de 1,88%, o indicador do BC teria encerrado 2013 no vermelho. No cômputo geral, apresentou alta de 2,57%, em função, também, da comparação favorável com o desempenho fraco de 2012. O resultado do PIB no ano passado será divulgado dia 27 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Para que esses números confirmem o quadro de recessão técnica, é preciso que também o PIB tenha encolhido por dois trimestres consecutivos. Essa possibilidade é hoje vista como remota pela maioria dos analistas do mercado financeiro. Mas há quem prefira não descartá-la, como o economista-chefe da Franklin Templeton Investments, Carlos Thadeu Filho. “Nós esperamos um número do PIB muito próximo de zero no quarto trimestre, mas há uma chance real de que o resultado seja até mesmo negativo”, ele disse.
Ainda pior do que a economia ter encolhido durante metade de 2013, diz Thadeu Filho, é o fato de que a esperada reação projetada para este ano ainda não aconteceu. “A chance de que o PIB deste primeiro trimestre seja negativo é muito grande”, contou. “Caso isso aconteça, é possível que tenhamos não só dois, mas três trimestres consecutivos de quedas no crescimento do país, o que é muito ruim”, apontou.
Essa avaliação desfavorável ao PIB não é feita apenas por Thadeu Filho. Também entre analistas de grandes bancos e corretoras começa a ganhar corpo uma crescente preocupação com 2014. Em reuniões reservadas, o diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton, ouviu ontem de diferentes analistas do mercado financeiro que as apostas para o PIB deste ano giram entre 1% e 1,5%. “Nesse caso”, frisou um interlocutor que participou desses encontros, “o 1,5% é o teto das projeções.”
Ceticismo Motivos para o ceticismo com os números é o que não faltam, disse o doutor em economia pela Universidade de Yale, nos Estados Unidos, Simão Davi Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP). “Que a economia tenha fechado 2013 em baixa não é surpresa para ninguém”, disse. “A indústria já vinha mostrado uma queda muito forte e também os dados do comércio desapontaram, com o pior crescimento em 10 anos.” Silber não espera mudança substancial em 2014. “Não existe nenhum indício de expectativa favorável sobre qualquer aspecto da economia que você possa imaginar”, afirmou.
Os dados dão razão ao analista. Nos últimos seis anos, diversos indicadores econômicos pioraram drasticamente. O mais sensível deles é justamente o PIB. Quando o Brasil recebeu a chancela de grau de investimento pelas agências de classificação de risco, em 2008, o país vivia um forte crescimento.
Em cinco anos, até 2008, o PIB cresceu, em média, a uma taxa de 4,73% ao ano. No mesmo período, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o parâmetro oficial da inflação no país, variou, a cada ano, 5,22%. Também as contas externas estavam em melhor situação. Entre 2004 e 2008 o saldo nas transações correntes – que mede o grau de dependência do país à poupança externa – ficou positivo em USS 12,663 bilhões.
O mesmo investidor que olhasse esses números cinco anos depois tomaria um susto. A taxa média de expansão ao ano do PIB caiu de 4,73% para 2,73%, entre 2009 e 2013. Enquanto isso, a inflação passou a crescer, ano após ano, a uma velocidade de 5,7%, quando o centro da meta que, em tese, deveria ser perseguida pelo governo é uma alta de 4,5%, com tolerância de dois pontos para baixo ou para cima. Já as transações correntes apresentaram talvez a maior deterioração no período. De um resultado positivo, o saldo nas contas externas ficou negativo em US$ 51,930 bilhões.
Freio na escalada de juros
Brasília – A decepção com o crescimento econômico do país pode levar o Banco Central (BC) a encurtar o ciclo de aperto nos juros básicos. Até duas semanas atrás crescia no mercado financeiro a aposta de que a autoridade monetária poderia promover um “choque de juros”, elevando a taxa Selic em até um ponto percentual já na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), marcada para 25 e 26. Essa possibilidade, no entanto, foi descartada por alguns dos mais experientes analistas de bancos e corretoras, que entendem que dados recentes da economia sugerem uma desaceleração do Produto Interno Bruto (PIB). Para não jogar o país num recessão, disseram esses analistas, o BC terá de dosar a mão nos juros.
A aposta que ganha força é de mais uma elevação de 0,25 ponto percentual na Selic em fevereiro, para 10,75% ao ano. Há uma semana, um terço dos contratos financeiros negociados no mercado futuro (operações feitas com prazos dilatados, geralmente de um ano) previa essa possibilidade. Ao mesmo tempo, 70% das apostas eram de uma alta de 0,5 ponto.
A divulgação do Índice de Atividade Econômica do BC (IBC-BR) menor do que o estimado pelo mercado, ontem, levou a uma mudança nesse placar. No início da manhã, a curva de juros negociada para contratos com vencimento em janeiro de 2015 (os mais negociados no pregão da bolsa de valores de São Paulo) ainda sinalizava que dois terços dos investidores esperava um aperto maior da Selic no fim do mês. Esse percentual de apostas caiu para 50% tão logo os analistas puderam digerir os números mais fracos divulgados pelo BC.
Para o ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC Alexandre Schwartsman, há uma grande chance, inclusive, de a autoridade monetária conceder apenas mais uma alta de 0,25 ponto e encerrar, já em fevereiro, o ciclo de ajuste nos juros básicos. Até recentemente, discutia-se a possibilidade de que a taxa básica seguisse em alta pelo menos até abril. “O que parece claro é que eles (diretores do Copom) estão seguindo os números de curto prazo, que apontam para uma forte desaceleração da economia, em vez de mirar o longo prazo, que ainda mostra um quadro preocupante para a inflação”, disse.
O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) encerrou 2013 em 5,91%, bem acima, portanto, do centro da meta de 4,5%, que deveria ser atingida pelo governo. Faz quatro anos que esse indicador fecha acima da meta e, a julgar pelas projeções do próprio BC, a inflação continuará acima de 4,5% também neste ano e em 2015.
Mesmo assim, a arma que poderia ser usada para conter essa escalada dos preços, os juros básicos, será dosada pelo governo. Três fatores contribuem para isso. O primeiro deles é o enfraquecimento da produção industrial, que encolheu 3,5% em dezembro. No mesmo mês, ocorreu uma surpreendente queda nas vendas do varejo, o que não acontecia havia nove meses consecutivos, de 0,2%.
Ambos os setores refletem a desaceleração dos dois principais motores do PIB durante os governos Lula e Dilma. Não por acaso, o IBC-BR, uma espécie de termômetro do PIB, também apontou para uma queda de 1,35% no último mês de 2013. “A gente já esperava que o BC reduzisse o ritmo de aperto dos juros há algum tempo, mas não houve espaço para isso”, disse o economista-chefe da Franklin Templeton Investments, Carlos Thadeu Filho. (DB)