Brasília e Belo Horizonte – Os reservatórios das usinas hidrelétricas atingiram o menor nível desde 2001 e os prejuízos da crise energética instalada no país começam a se espalhar. Além dos R$ 18 bilhões que podem sair dos cofres públicos para subsidiar a conta de luz das famílias, as empresas de energia listadas em bolsa, apenas entre 31 de dezembro e ontem, amargam uma perda de R$ 15,9 bilhões em valor de mercado – ou seja, a cada dia R$ 331,6 milhões viraram pó. Agora, parte do setor produtivo brasileiro pode desligar máquinas e equipamentos em função do encarecimento da eletricidade de curto prazo e dos constantes apagões, um baque a mais para a já combalida atividade econômica.
Dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) mostram que a produção de energia está no limite. O volume de água armazenada no Sudeste e no Centro Oeste é equivalente a apenas 35,5% da capacidade total dos reservatórios, o menor nível em 13 anos. O Nordeste também está em situação crítica, com 42,4% da capacidade. No Sul, essa taxa é de 43%. O Norte está com o quadro mais tranquilo, opera com 72,4% do volume total de água armazenada. Mesmo com o fim de semana trazendo chuvas, elas não foram suficientes para amenizar a crise energética do país e cresce o risco de racionamento.
“O governo, até agora, está negando a existência de problema, é uma espécie de Pollyana, muito otimista. Racionamento é diminuir produção. Ou seja, as empresas vão ter que parar alguma máquina para economizar energia”, alertou Simão Silber, professor de economia da Universidade de São Paulo (USP). Algumas empresas, segundo a Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), começam a cogitar interromper suas linhas de produção. “Alguns consumidores (empresas) estão analisando essa possibilidade, mas não são todas as companhias que podem fazer isso, elas têm contratos de longo prazo, que precisam atender”, explicou Reginaldo Medeiros, presidente da entidade.
Faltando pouco mais de 40 dias para acabar o ciclo chuvoso no Brasil, o clima coloca em xeque investimentos previstos para o ano. Em Minas Gerais, no ramo de fundição, estão de molho pelo menos R$ 700 milhões que seriam alocados na transformação do carvão de coque para energia elétrica em indústrias do Sul do estado, da Região Central e do Centro-Oeste mineiro. O presidente do Sindicato da Indústria da Fundição de Minas Gerais e da regional Centro-Oeste da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), Afonso Gonzaga, considera a redução da produção algo iminente.
“Existe uma indecisão no setor, que está se preparando para fazer vários investimentos, mas eles não decolam por causa das incertezas ligadas à área de energia”, lamentou. “Os investimentos na transformação do uso do carvão coque para a energia elétrica já começaram, mas agora queremos saber se haverá disponibilidade de energia”, disse. Segundo ele, há problemas ainda nas linhas de transmissão. “Há empresas do Centro-Oeste esperando que os equipamentos sejam ligados há 120 dias”, reclamou.
PRESSÃO NA INFLAÇÃO Especialistas alertam que a escassez de chuvas tem dois impactos diretos: o primeiro, na produção, é a falta energia para o setor produtivo; o segundo, na inflação, é que os preços de alimentos e outros itens começam a subir e a alta de preços se disseminou, já atingindo mais de 70% da composição do índice. “O risco de apagão tem o impacto na inflação e sobre a renda. A energia, agora, é um fator de preocupação a mais para o Banco Central”, afirmou Carlos Thadeu Filho, economista da Franklin Templeton. “Outro fator é a atividade mais fraca, que vai gerar perda de arrecadação. O PIB, com tudo isso, pode crescer entre 1% e 1,5%, com o 1,5% sendo o teto”, argumentou.
A piora do custo de vida pode vir ainda pela conta de luz. Caso o governo decida não subsidiar a fatura, como prometeu, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) pode ser elevado em 0,6 ponto percentual, o que deixaria o indicador próximo do limite de tolerância, uma inflação de 6,5% ao ano. Se o Tesouro Nacional arcar com a fatura, como o esperado, pode não haver dinheiro suficiente para formar um superavit primário (economia para pagar os juros da dívida) adequado e evitar o rebaixamento da nota soberana brasileira.
Silvio Sales, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), relembrou os apagões em 2001 e os efeitos sobre a economia. A situação, na época, atrapalhou inclusive a eleição do candidato da situação ao Palácio do Planalto, José Serra, que seria o sucessor de Fernando Henrique Cardoso. Para o economista, no entanto, se um racionamento se fizer necessário, pode ser muito pior que o ocorrido há 13 anos. “Em 2001, as primeiras projeções sobre o PIB foram muito mais pessimistas do que o que, de fato, ocorreu. Isso mostrou que havia uma folga de oferta de energia para esses setores. Essa provável gordura no insumo que existia 13 anos atrás, no entanto, já não existe hoje”, observou.
Águas de março vão definir segurança
O presidente da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage), Flávio Neiva, avalia que março será crucial para definir o planejamento energético do país. Segundo Neiva, há um déficit grande na umidade do solo e, com isso, as primeiras chuvas devem servir apenas para melhorar essas condições. “Só depois vão servir para aumentar os níveis dos rios”, ponderou. A esperança dos analistas é de que o período chuvoso possa se estender até abril, como no ano passado, para amenizar a crise.
Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), refutou qualquer possibilidade de racionamento neste ano. Ele disse que em 99% dos cenários analisados a oferta de energia é maior que a demanda, o que configura segurança de abastecimento. “Não trabalhamos com cenário de racionamento. Vamos passar por esse ano sem racionamento. Existe 95% de probabilidade de, com essa capacidade instalada que temos hoje, ter um excedente de 6 mil megawatts médios”, afirma Tolmasquim. (PRF e ZF)
Dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) mostram que a produção de energia está no limite. O volume de água armazenada no Sudeste e no Centro Oeste é equivalente a apenas 35,5% da capacidade total dos reservatórios, o menor nível em 13 anos. O Nordeste também está em situação crítica, com 42,4% da capacidade. No Sul, essa taxa é de 43%. O Norte está com o quadro mais tranquilo, opera com 72,4% do volume total de água armazenada. Mesmo com o fim de semana trazendo chuvas, elas não foram suficientes para amenizar a crise energética do país e cresce o risco de racionamento.
“O governo, até agora, está negando a existência de problema, é uma espécie de Pollyana, muito otimista. Racionamento é diminuir produção. Ou seja, as empresas vão ter que parar alguma máquina para economizar energia”, alertou Simão Silber, professor de economia da Universidade de São Paulo (USP). Algumas empresas, segundo a Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), começam a cogitar interromper suas linhas de produção. “Alguns consumidores (empresas) estão analisando essa possibilidade, mas não são todas as companhias que podem fazer isso, elas têm contratos de longo prazo, que precisam atender”, explicou Reginaldo Medeiros, presidente da entidade.
Faltando pouco mais de 40 dias para acabar o ciclo chuvoso no Brasil, o clima coloca em xeque investimentos previstos para o ano. Em Minas Gerais, no ramo de fundição, estão de molho pelo menos R$ 700 milhões que seriam alocados na transformação do carvão de coque para energia elétrica em indústrias do Sul do estado, da Região Central e do Centro-Oeste mineiro. O presidente do Sindicato da Indústria da Fundição de Minas Gerais e da regional Centro-Oeste da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), Afonso Gonzaga, considera a redução da produção algo iminente.
“Existe uma indecisão no setor, que está se preparando para fazer vários investimentos, mas eles não decolam por causa das incertezas ligadas à área de energia”, lamentou. “Os investimentos na transformação do uso do carvão coque para a energia elétrica já começaram, mas agora queremos saber se haverá disponibilidade de energia”, disse. Segundo ele, há problemas ainda nas linhas de transmissão. “Há empresas do Centro-Oeste esperando que os equipamentos sejam ligados há 120 dias”, reclamou.
PRESSÃO NA INFLAÇÃO Especialistas alertam que a escassez de chuvas tem dois impactos diretos: o primeiro, na produção, é a falta energia para o setor produtivo; o segundo, na inflação, é que os preços de alimentos e outros itens começam a subir e a alta de preços se disseminou, já atingindo mais de 70% da composição do índice. “O risco de apagão tem o impacto na inflação e sobre a renda. A energia, agora, é um fator de preocupação a mais para o Banco Central”, afirmou Carlos Thadeu Filho, economista da Franklin Templeton. “Outro fator é a atividade mais fraca, que vai gerar perda de arrecadação. O PIB, com tudo isso, pode crescer entre 1% e 1,5%, com o 1,5% sendo o teto”, argumentou.
A piora do custo de vida pode vir ainda pela conta de luz. Caso o governo decida não subsidiar a fatura, como prometeu, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) pode ser elevado em 0,6 ponto percentual, o que deixaria o indicador próximo do limite de tolerância, uma inflação de 6,5% ao ano. Se o Tesouro Nacional arcar com a fatura, como o esperado, pode não haver dinheiro suficiente para formar um superavit primário (economia para pagar os juros da dívida) adequado e evitar o rebaixamento da nota soberana brasileira.
Silvio Sales, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), relembrou os apagões em 2001 e os efeitos sobre a economia. A situação, na época, atrapalhou inclusive a eleição do candidato da situação ao Palácio do Planalto, José Serra, que seria o sucessor de Fernando Henrique Cardoso. Para o economista, no entanto, se um racionamento se fizer necessário, pode ser muito pior que o ocorrido há 13 anos. “Em 2001, as primeiras projeções sobre o PIB foram muito mais pessimistas do que o que, de fato, ocorreu. Isso mostrou que havia uma folga de oferta de energia para esses setores. Essa provável gordura no insumo que existia 13 anos atrás, no entanto, já não existe hoje”, observou.
Águas de março vão definir segurança
O presidente da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage), Flávio Neiva, avalia que março será crucial para definir o planejamento energético do país. Segundo Neiva, há um déficit grande na umidade do solo e, com isso, as primeiras chuvas devem servir apenas para melhorar essas condições. “Só depois vão servir para aumentar os níveis dos rios”, ponderou. A esperança dos analistas é de que o período chuvoso possa se estender até abril, como no ano passado, para amenizar a crise.
Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), refutou qualquer possibilidade de racionamento neste ano. Ele disse que em 99% dos cenários analisados a oferta de energia é maior que a demanda, o que configura segurança de abastecimento. “Não trabalhamos com cenário de racionamento. Vamos passar por esse ano sem racionamento. Existe 95% de probabilidade de, com essa capacidade instalada que temos hoje, ter um excedente de 6 mil megawatts médios”, afirma Tolmasquim. (PRF e ZF)