Victor Martins
Brasília – Em meio a uma cruzada para recuperar a credibilidade da equipe econômica, o governo apresentou, ontem, o primeiro superávit primário (economia para pagar os juros da dívida) do ano e frustrou todos os que deram um voto de confiança à política fiscal. Dados do Banco Central mostram que o resultado do setor público consolidado de janeiro, R$ 19,9 bilhões, ficou abaixo das expectativas, que giravam ao redor de R$ 22 bilhões. O valor, que representa queda de 34% em relação a 2013, é menor para os meses de janeiro desde 2011, quando foi registrado superávit primário de R$ 17,748 bilhões. O desempenho, classificado como “fraco” por especialistas, foi determinado pelo crescimento das despesas com juros, que bateram recorde ao atingir R$ 30,4 bilhões em um único mês, e pela decisão política de elevar o montante de transferências a estados e municípios.
O mercado, que tinha dado um voto de confiança ao governo após o anúncio da meta fiscal, na semana passada, mudou de humor e volta a questionar a capacidade da equipe econômica em entregar um superávit de 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB). “O problema principal veio do governo central. Houve um aumento das despesas e o desempenho total decepcionou”, disse Alessandro del Drago, economista-chefe da Mauá Sekular. “Tudo isso expressa um esforço fiscal menor. Eu concordo que é apenas um dado, mas ainda assim veio abaixo do padrão. A gente fez um superávit ajustado e o acumulado do trimestre encerrado em janeiro continua expansionista”, argumentou.
Maurício Oreng, economista do Itaú Unibanco, tem dúvidas se o governo consegue chegar a meta de 1,9% do PIB. Nos cálculos dele, é possível alcançar apenas 1,3%. “Acreditamos que um crescimento mais lento da atividade, a dificuldade de se manter o mesmo nível de receitas extraordinárias que em 2013 e a necessidade de um forte aperto do lado do gasto constituem riscos relevantes para a implementação da meta fiscal”, afirmou.
Rombo A consequência da estratégia executada pela equipe econômica neste início de ano foi um rombo nas contas públicas de R$ 10,4 bilhões – o pior para o mês desde 2006. Em janeiro de 2013 a situação era oposta, o governo gastou menos que arrecadou e ficou com R$ 7,6 bilhões em caixa. Além das transferências, a despesa de juros disparou: comparado a igual mês do ano passado, houve um avanço de 34,22%. Além do aumento da taxa básica (Selic) no período, que saiu de 7,25% ao ano para 10,5% até o mês passado, esses gastos foram influenciados pelo aumento do dólar e pela inflação.
Fernando Rocha, chefe-adjunto do Departamento Econômico do BC, explicou que parte da dívida é indexada à moeda norte-americana e à inflação. “Com os movimentos cambiais, houve um impacto de R$ 3,9 bilhões. Outro fator é o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), que aumentou de novembro para dezembro e impactou na conta de juros”, justificou.
Dívida O incremento nessa despesa ainda inflou mais a dívida bruta do país, que passou de 57,2% do PIB, em dezembro de 2013, para 58,5% em janeiro. Com isso, o endividamento do Brasil alcançou R$ 2,82 trilhão. Esses números refletem também um forte avanço nas operações compromissadas do BC, que passaram de 11% do PIB em dezembro para 14,1% no mês seguinte.
O técnico do Banco Central ainda tentou ver um lado positivo nos dados. Destacou que os governos regionais, que fizeram superávit de R$ 7,2 bilhões, valor recorde, atingiram, com o desempenho do mês, 39,8% da meta definida para eles. Rocha, no entanto, observou que o resultado de um mês não garante o objetivo final. “O resultado dos governos regionais foi impactado pelas transferências do governo federal”, disse. “O resultado de um mês não representa uma tendência”, admitiu. Segundo dados do Tesouro Nacional, houve um aumento de 33,8% nas transferências na comparação com janeiro de 2013.