Buenos Aires — A interminável crise argentina afastou o charme, o glamour e os turistas de Buenos Aires. O número de brasileiros que visitam a capital portenha despencou no ano passado, fazendo com que os Estados Unidos retomassem o título de destino internacional preferido. Ainda assim, somos nós os grandes responsáveis por dar fôlego à capenga economia dos hermanos, com a injeção de cerca de R$ 1 bilhão por ano, levando em conta uma estadia média de cinco dias.
À beira de um novo colapso, a Argentina depende cada vez mais dos turistas. Se não fossem os brasileiros, o país já poderia estar em recessão. Assim como em 2009 e 2010 o consumo desenfreado dos turistas em Miami contribuiu para ajudar os Estados Unidos a se recuperarem do tombo provocado pela quebra do banco Lehman Brothers, agora é a vez do país vizinho agradecer a gastança dos brasileiros quando viajam para o exterior.
Taxistas, garçons e vendedores de Buenos Aires leem sobre o Brasil e arriscam frases em português. O esforço não é à toa. “Tem muita gente que explora os brasileiros. Não entendo, vocês deveriam ser os mais bem tratados aqui”, diz um taxista portenho com mais de 20 anos de profissão. Uma viagem do aeroporto de Ezeiza ao centro de Buenos Aires custa aos turistas 450 pesos. Para quem vive na cidade, o trajeto não chega a 300 pesos.
Os “brasileños” estão na mira dos arbolitos, como são chamados os cambistas do mercado cambial paralelo. “Cambio, chicos, cambio”, repetem incansavelmente eles, que se proliferaram pelos principais pontos turísticos da capital argentina. Com o peso bastante desvalorizado, os portenhos estão sedentos por dólares, euros e reais. Na semana passada, um real valia 4,6 pesos na troca ilegal, cerca de 50% a mais do que no câmbio oficial. Um dólar chegava a render quase 12 pesos.
PREÇOS EM ALTA
A aparente força do real não se traduz em poder de compra para os brasileiros. A hiperinflação assusta quem abre os cardápios ou para diante das vitrines em Buenos Aires. O governo de Cristina Kirchner faz barulho para tentar transparecer tranquilidade, mas não convence. O descontrole dos preços atinge, sobretudo, alimentos e bebidas, que têm tido reajustes na casa dos dois dígitos da noite para o dia. Por ano, a carestia pode encostar nos 40%.
Nos churrascos de quintal, nos happy hours e nas mesas dos cafés centenários da capital portenha, inflação e recessão são pautas obrigatórias. A guerra midiática voltou a se intensificar, com acusações recíprocas entre jornais e canais de televisão pró e contra as medidas adotadas por Cristina. Para ambos os grupos, porém, o Brasil, apesar de todos os desafios econômicos que enfrenta atualmente, segue sendo exemplo para a Argentina.
A todo instante, uma propaganda na tevê pede aos argentinos que ajudem a controlar os preços, denunciando os aumentos abusivos. Representantes do governo e de empresas de tecnologia se reuniram recentemente para estudar a possibilidade de instalar chips em caixas de supermercados, como forma de acompanhar melhor as variações nas prateleiras. Redes como o Carrefour têm sido contentemente alvo de críticas, inclusive da própria Cristina.
No mês passado, a divulgação de um novo índice oficial de inflação e o reconhecimento do governo de que a carestia alcançou níveis elevadíssimos foram acompanhadas da promessa de multas a estabelecimentos, fechamento de lojas, abertura de importações e fim de incentivos. Como sequela da alta dos preços, alguns bares e restaurantes passaram a aceitar somente pagamentos em dinheiro, rejeitando os cartões de débito e crédito de portenhos e turistas.
Sob desconfiança dos investidores
A incessante fuga de dólares do país, sangrando as reservas cambiais, tem provocado a desconfiança de investidores e preocupado os argentinos. No início deste ano, uma turbulência cambial causou pânico aos mercados: em um dia, o peso recuou 15% frente ao dólar, a maior desvalorização desde a crise de 2001 no país. Desde então, as intervenções do governo foram pouco claras, sem abrir mão das restrições à compra da moeda americana.
O declínio da economia mexeu muito com a autoestima dos argentinos, que já se orgulharam de serem um “cantinho da Europa na América Latina”. Greves, protestos e panelaços externam a desconfiança dos portenhos em mudanças significativas do cenário no curto prazo. O alto escalão do governo tem dedicado semanas inteiras à negociação com categorias que andam reivindicando até três aumentos por ano, para compensar a inflação nas alturas.
Embora Cristina insista que não há embasamento para se falar em crise e ataque o que chama de “previsões apocalípticas”, basta conversar com moradores da capital e percorrer as ruas da cidades para perceber a instabilidade econômica. Os pedintes estão nas estações de metrô e até de dentro de shoppings. Chegaram também aos restaurantes de luxo de Porto Madero, área nobre de Buenos Aires. A economia cambaleante aumentou a sensação de insegurança. (DA)