Pressionado pela falta de competitividade de seus produtos e preso a um acordo com o Mercosul, o Brasil tem hoje forte dependência da Argentina nas relações comerciais. O país vizinho para onde seguem 19,4% dos manufaturadas vendidos externamente, passa por grave crise e a queda de suas encomendas pode cortar US$ 3 bilhões das exportações brasileiras, sendo US$ 1 bilhão no setor automotivo.
Para analistas, a indústria nacional precisa se reinventar como exportadora. Por isso, várias entidades de classe defendem novos acordos comerciais, especialmente com Europa, Estados Unidos e países do Pacífico, para que o País tenha uma agenda exportadora mais diversificada.
Há dez anos, a Argentina recebia 12,7% dos manufaturados exportados pelo Brasil. Os Estados Unidos, maior consumidor mundial de produtos, representavam 27,8% da pauta de exportações participação que hoje é de 14,6%.
Uma reversão significativa ocorreu na venda de veículos. Do total de automóveis exportados em 2003, 18,5% foram para os argentinos e 8,4% para os americanos. No ano passado, a Argentina ficou com quase 80% dos carros exportados pelo Brasil, enquanto os EUA não receberam nenhum.
Nos embarques que seguiram para o mercado americano naquele período estava o Golf, produzido pela Volkswagen no Paraná. Maior exportadora de carros no País, a marca alemã tinha 45 países em sua lista de clientes. Além de EUA, compravam carros brasileiros mercados como Alemanha, Áustria e Emirados Árabes. Agora, as vendas praticamente são restritas à Argentina - que ficou com 70% do total exportado em 2013 -, México e Uruguai.
Ao instalar a fábrica de Indaiatuba (SP) no fim dos anos 80, a Toyota tinha como meta fazer do País uma base de exportação para a América do Sul. Até 2004, vendia 26% da produção do Corolla para 19 países. Hoje, a participação dos exportados caiu para 16% e as vendas estão praticamente restritas à Argentina.
“Me corta o coração ver que modelos Corolla vendidos na América do Sul vêm da fábrica do Mississippi, Estados Unidos, e não do Brasil”, afirmou recentemente o presidente da empresa para a América Latina, Steve St. Angelo. Nos anos 90, a General Motors construiu uma fábrica exclusiva para produzir CKDs (veículos desmontados) para exportação no complexo de São José dos Campos (SP). Hoje, essa unidade opera com apenas 20% da capacidade.
No ano passado, a Argentina ajudou a indústria automobilística brasileira a registrar crescimento de 26,5% nas exportações, para 563,2 mil veículos, e a contabilizar alta de quase 10% na produção, para 3,74 milhões de unidades, enquanto o mercado interno amargou a primeira queda em uma década, de 0,9%.
“O setor automotivo é o principal exportador de manufaturados para a Argentina e o impacto da queda na balança comercial previsto para este ano pode ficar acima de US$ 1 bilhão só para veículos leves”, prevê Felipe Salto, economista da consultoria Tendências. Com outros segmentos, como o de autopeças, pode chegar a US$ 1,5 bilhão ou US$ 2 bilhões, prevê.
Segundo Jaime Ardila, presidente da GM América do Sul, a perda de competitividade do produto nacional tem se mantido apesar da desvalorização do real. Custos trabalhistas e logísticos continuam aumentando, assim como a inflação, afirma.
“As decisões sobre onde produzir um novo veículo são tomadas com muita antecipação e duram pelo menos um ciclo do produto, em torno de cinco anos”, diz Ardila. “Portanto, mesmo que a competitividade de nossa manufatura melhore, levaria vários anos para mudar a estrutura global para tornar o Brasil de novo num centro de exportação global.”
Não foi só o setor automotivo que perdeu mercados importantes e concentrou exportações na Argentina e alguns países vizinhos. Produtores de calçados exportaram em 2003 para os EUA o equivalente a US$ 996,8 milhões, montante que no ano passado não chegou a US$ 190 milhões. Para a Argentina, as vendas saltaram de US$ 72,2 milhões para US$ 118,8 milhões.
O setor vive um embate com o vizinho e tem mais de 400 mil pares de calçados já encomendados por distribuidores locais à espera da liberação de licenças para entrar no país.
Até o ano passado, a Argentina era o maior cliente da Priority, fabricante de calçados das marcas West Coast e Cravo&Canela. Com seis fábricas no Rio Grande do Sul e Sergipe, o grupo dedicava 18% de suas vendas externas ao mercado argentino. “Não contamos com o país este ano. Nossa meta de exportar para lá é zero e, se tiver algum pedido, vamos enxergar como oportunidade”, afirma Eduardo Smaniotto, diretor comercial da Priority. Segundo ele, as restrições feitas pelos argentinos inviabilizam os negócios e não há vontade política do governo brasileiro em resolver a situação. “A Argentina não é um país sério”, diz Smaniotto.