Rosana Hessel
Brasília – Os problemas políticos e econômicos enfrentados pela Venezuela e pela Argentina devem refletir negativamente no comércio exterior brasileiro. Os dois países são os principais destinos dos produtos industrializados brasileiros, cujos fabricantes podem deixar de vender pelo menos US$ 5 bilhões neste ano para aqueles mercados. Essa perda é considerada inevitável para a indústria, e poderá ser ainda maior se a situação desses vizinhos se agravar.
Apesar de representar parcela relativamente pequena do total das exportações, que alcançaram R$ 242 bilhões em 2013, o volume poderá pesar na contabilização, este ano, de um déficit na balança comercial, que, se confirmado, será o primeiro desde o governo Fernando Henrique Cardoso. Até fevereiro, o país acumulava saldo negativo de US$ 6,2 bilhões entre as exportações e importações — o maior já registrado para o período desde 1994, conforme dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic).
Entidades patronais e especialistas projetam redução de 20% a 25% nas exportações para a Argentina em relação aos US$ 19,6 bilhões do ano passado, o que significaria uma perda entre US$ 3,9 bilhões e US$ 4,9 bilhões neste ano. No caso da Venezuela, já é considerado certo um encolhimento de pelo menos US$ 1 bilhão nas vendas. O país vinha mantendo superávit no comércio com esses países, mas até fevereiro deste ano, o saldo está perto de zero.
O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, estima que o Brasil deverá perder de US$ 3 bilhões a US$ 4 bilhões em exportações para a Argentina e US$ 1 bilhão para a Venezuela neste ano. “Esses valores poderão aumentar ou diminuir, dependendo do tempo que durar por lá a instabilidade política e econômica, observa.
Medo de Calote
Marcos Troyjo, professor da Universidade Columbia, de Nova York, calcula que as perdas totais podem chegar facilmente aos US$ 5 bilhões. “O impacto da crise na Argentina será maior, mas não está totalmente mensurado. No caso da Venezuela, os exportadores estão evitando vender para lá porque temem não receber. Eles procuram enviar somente produtos que forem pagos antecipadamente”, explica.
O diplomata José Botafogo Gonçalves, vice-presidente emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), calcula uma perda em torno de US$ 2 bilhões com a Argentina neste ano e acha que a redução do comércio com os dois países terá pequeno impacto na balança comercial como um todo. No entanto, reconhece a importância do país vizinho para a exportação da indústria nacional.
“Não vejo solução (na Argentina) a curto prazo”, diz Botafogo. “Para que as coisas lá se acertem, é preciso uma mudança na política macroeconômica e de comércio exterior. Mas tudo indica que isso a presidente Cristina Kirchner não quer fazer.” Do ponto de vista global, lembra, as vendas externas do Brasil dependem mais da Ásia, principalmente da China, que é a maior compradora das commodities, produtos com maior peso na balança comercial.
Já a indústria está mais preocupada com a queda nas exportações para a Argentina, revela o diretor de Desenvolvimento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Carlos Eduardo Abijaordi. O país é o maior comprador de manufaturados brasileiros. Mais de 90% dos produtos vendidos são industrializados, sendo veículos os principais — nada menos de 80% dos embarques de automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus para o exterior têm o mercado portenho como destino. Somente no primeiro bimestre, a queda dos embarques de automóveis foi de 31,4% em relação ao mesmo período de 2013.
Em Baixo
O fim do longo ciclo de preços altos das commodities (produtos básicos com cotação internacional) no mercado externo, provocado pela redução do crescimento da China, também tem preocupado os especialistas. Se a situação não melhorar, as vendas de itens como soja em minério de ferro não poderão compensar totalmente as perdas com as exportações de bens industrializados.