O socorro às concessionárias se soma a outros R$ 9 bilhões já reservados no Orçamento para compensar desequilíbrios passados e ocorre no momento em que as notas de crédito do país estão ameaçadas de rebaixamento pelas agências internacionais, entre elas a Standard & Poor’s, cuja equipe se reuniu com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, pouco antes dele anunciar o pacote. “As medidas servem para equacionar a elevação temporária dos custos, dividindo o ônus com consumidores e o setor elétrico”, anunciou o ministro em coletiva de imprensa. Temendo agravar a desconfiança do mercado, ele fez questão de ressaltar duas vezes que o plano não implicaria em qualquer mudança nas regras contratuais.
A solução encontrada para o imbróglio elétrico ocasionado pelo pior regime de chuvas em décadas e pela resistência do governo em recomendar redução do consumo envolve três pontos. O primeiro é a previsão de uma transferência de mais R$ 4 bilhões às empresas de distribuição, diretamente afetadas pelos preços de curto prazo da energia. A injeção será feita, novamente, na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), fundo setorial que serve para indenizar perdas do setor.
Mantega afirmou que o desembolso inesperado do Tesouro será compensado com “aumentos programados de alguns tributos ao longo do ano” e com novas receitas vindas do programa de refinanciamento de dívidas federais (Refis). Os detalhes serão anunciados em outro momento.
Além desses recursos, foi aberta à possibilidade de serem acrescidos outros R$ 8 bilhões, vindos do financiamento de instituições financeiras. Essa captação será viabilizada pela criação da Conta Centralizadora (ACR), administrada pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), entidade privada que coordena transações do setor. A ideia é reduzir a exposição do consumidor da oscilação de preços, além de aliviar o fluxo de caixa das distribuidoras dos efeitos das despesas de 2014. O governo conta ainda com a realização de um leilão especial de energia, agendado para 25 de abril e com entregas no mês seguinte, e com a renovação de contratos de hidrelétricas que colocarão 1,2 mil megawatts (MW) médios em valores mais baixos.
Na conta O secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia (MME), Márcio Zimmernann, informou que o impacto das decisões sobre as tarifas está concentrado em 2015, mas poderá ser diluído com parcelamentos nas dívidas das distribuidoras e o barateamento de energia com a volta para o Poder Executivo de concessões de usinas que não aderirem ao plano de barateamento da conta de luz. “Teremos, de novo, o mesmo efeito benéfico verificado antes”, prometeu.
Apesar da promessa de transpor o aperto da crise energética para o bolso do contribuinte apenas no próximo ano, o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, admitiu que o governo atenderá a recomendação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), de aplicar um reajuste médio de 4,6% na conta de luz este ano. Este é percentual necessário para levantar os R$ 5,6 bilhões necessários para cobrir o deficit estimado para a CDE.
Passivos
Na quarta-feira, o governo já havia informado que os consumidores vão pagar, em cinco anos, o aporte de R$ 1,2 bilhão definido semana passada às distribuidoras, via CDE, para cobrir gastos extras com a compra de eletricidade no mercado à vista nos dois primeiros meses deste ano. Augustin também deixou escapar que os passivos de anos anteriores sobre o fundo setorial poderão ser cobrados integralmente em 2015 e não de forma escalonada, como reiterou Mantega ontem. “Não faz sentido deixar a volatilidade de um período muito tempo depois de outro”, observou.
Nos últimos dias, o governo ouviu queixas de representantes do setor empresarial, sobretudo da indústria, preocupados com a disparada dos preços da energia. Mas pesaram também na decisão de anunciar o pacote previsto originalmente apenas para o fim de abril, os relatórios do próprio governo, que apontavam para a perspectiva de continuidade do baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas, mesmo após o atual período chuvoso. Na quarta-feira, as represas estavam com armazenamento em 35,82%. Segundo o ONS, elas precisam chegar ao fim de abril, quando termina o período de chuvas, com nível médio mínimo de 43% para que não haja risco de dificuldades no fornecimento de energia no resto do ano.
Reação agora é tardia
A demora do governo em reagir aos problemas financeiros e econômicos provocados pelo quadro hidrológico adverso acumulou custos e desafios operacionais já difíceis de serem equacionados. Para especialistas ouvidos pelo Estado de Minas, as medidas anunciadas ontem chegaram tarde e servem apenas de transição até o próximo ano. “Essa é a prova da falta total de planejamento”, afirma o economista Adilson Oliveira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O engenheiro Roberto Pereira Araújo, diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico (Ilumina), explicou que esses efeitos “desastrosos” podem ser verificados com facilidade nos números bilionários da crise. “O gasto acumulado com combustíveis das térmicas, desde 2012, de mais de R$ 18 bilhões, já supera o custo estimado com a usina de Santo Antônio, no Rio Madeira (RO), de R$ 15 bilhões”, ilustrou.
Outra ameaça provocada pelo uso prolongado das termelétricas está no próprio funcionamento delas, pois não foram projetadas para funcionar tanto tempo ininterruptamente, sem paradas para manutenção. “Os relatórios diários do Operador Nacional do Sistema (ONS) mostram que diversas unidades já não estão conseguindo gerar a energia programada em razão de perda de eficiência”, observou.
Empresários do setor elétrico também fazem questão de lembrar que a operação das hidrelétricas também carregam os mesmos problemas de inconstância, agravado pelo adiamento de paradas técnicas. Para Araújo, o melhor teria sido o governo admitir o alto risco e começar a negociar com a indústria a redução de consumo, além de criar incentivos à redução de consumo residencial.
Mikio Kawai Júnior, diretor-executivo da Safira Energia, lembra que os R$ 9 bilhões reservados pelo Tesouro para compensar as distribuidoras em 2014 já estão insuficientes, sem falar dos rombos advindos de 2012. Só o acionamento das térmicas sinaliza o dobro do valor da Conta de Desenvolvimento Elétrico (CDE). (SR)