O reajuste dos preços dos medicamentos em até 5,68%, somado à alta da conta residencial de energia em 14,24%, em vigor desde ontem, vão pesar no orçamento doméstico em abril. O banho vai ter que ficar mais rápido e eletrodomésticos como o forno elétrico também entram para a lista dos itens a serem regrados. Já o gasto na farmácia pode ser mais difícil de cortar. Na conta do dragão, a energia elétrica residencial e os medicamentos formam uma dupla de peso. O reajuste nas drogarias deve elevar a inflação no país em 0,11 ponto percentual, segundo cálculos da Tendências Consultoria. A energia vai impactar o índice no Brasil em 0,04% e na Grande BH em 0,38%. Os reajustes acima do esperado já fazem os analistas revisarem as projeções para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no fechamento de 2014.
Só para comparar, o IPCA-15, que mediu os preços coletados entre 14 de fevereiro e 14 de março, ficou em 0,67% — a alta da conta de luz sozinha já chega a mais da metade do índice. “Esperávamos um reajuste da Cemig perto de 10%. Como o índice veio acima do esperado, e os medicamentos tiveram alta média de 3,35%, revisamos para o fechamento do ano a inflação de 6% para 6,3%”, diz Adriana Molinari, analista da Tendências Consultoria.
Os cálculos dos especialistas já foram sentidos de forma direta e objetiva pela aposentada Jane Machado, que toma cerca de 30 comprimidos por dia. Sua apreensão com a conta da farmácia se justifica. Na sexta-feira, Jane, que gasta cerca de R$ 900 por mês com remédios, foi até a drogaria comprar seu medicamento de uso contínuo para angina e demorou a acreditar no preço que teria que pagar pelo produto. “No mês passado paguei R$ 89. Na sexta-feira, comprei o mesmo remédio por R$ 160.” Ela conta que chegou a pedir a confirmação para o farmacêutico: “É isso mesmo, os remédios subiram este mês, me explicaram. Eu fiquei muito assustada.” Jane tem a impressão que os medicamentos estão encarecendo acima do índice autorizado pelo governo.
A mesma sensação tem o aposentado Carlos de Almeida. Como síndico do prédio em que mora no Centro de Belo Horizonte, ele se preocupa com o reajuste da energia elétrica e dos remédios. Segundo o aposentado, seus remédios têm tido reajustes bem superiores a 5%. “A principal alta atinge os colírios, que uso três vezes ao dia.” Carlos Almeida usa remédios para pressão, doença cardíaca e também colesterol. Por mês, o desembolso é de, aproximadamente, R$ 150. “Faço pesquisa em três ou quatro drogarias antes de comprar. A diferença chega a superar 20%.” Pelos cálculos do aposentado, em menos de um ano o colírio Systane, por exemplo, saltou de R$ 16 para pouco mais de R$ 30. “Os remédios sobem bem mais que a inflação.”
Sem espera
O pesquisador do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) Antonio Braz explica que o reajuste da energia elétrica nas residências terá efeito imediato na inflação de abril. Os remédios – que sozinhos elevariam o índice da Grande BH em 0,2 ponto percentual – também terão impacto, porém localizado. Isso porque a energia elétrica reflete na conta dos manufaturados. “A energia tem efeito mais relevante com o repasse do custo para os produtos industrializados ao longo do ano”, comenta Braz.
Adriana Molinari diz que a alta da energia elétrica surpreendeu em Minas e no país. Segundo ela, nacionalmente a consultoria esperava pressão de 7,5%, mas o reajustes médios do país ficarão próximos a 11%. “No primeiro trimestre, os alimentos também pressionaram a inflação, assim como os serviços. Com a divulgação do IPCA de março amanhã (hoje) podemos fazer novas revisões para o custo de vida”, adiantou.
Presidente do Sindicato dos Farmacêuticos de Minas Gerais (Sinfarmig), Rilke Novato, diz que a indústria farmacêutica poderia arcar com altas menores. “O Brasil é um grande mercado mundial de medicamentos. É preciso lembrar que entre aqueles que terão reajustes na faixa mais alta (5,68%) estão remédios importantes e mais vendidos, como antibióticos, hormônios, aticoncepcionais.” De acordo com Novato, é ainda pequena a participação do poder público. “Cerca de 70% do mercado de medicamentos é composto pelo setor privado.”
Outro dado apontado por Novato é a adesão ao tratamento médico. Segundo ele, dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que cerca de 40% dos remédios prescritos no país não são tomados adequadamente. “Um dos empecilhos à adesão é o custo.” Jane Machado concorda. “Meus remédios são importantes, mas nem sempre tomo corretamente porque são muito caros. Já abandonei tratamentos algumas vezes. Os remédios doados pelo governo são os mais baratos da minha lista.”
Nelson Mussolini, presidente do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma), diz que os custos da indústria aceleraram 15% e o reajuste concedido pode inibir a pesquisa e inovação em medicamentos. Ele explica que o Brasil tem uma das maiores cargas tributárias para os remédios acima de 30%. “A cada R$ 10 que o consumidor gasta em medicamentos, R$ 3,40 são impostos.” Mussolini também explica que as promoções no setor variam de 20% até 50%, daí a sensação do consumidor de que os remédios podem ter subido acima da inflação. Ele também alerta que existem três projetos no Congresso Nacional que tratam da redução da carga tributária para medicamentos.
Das 27 mil apresentações de medicamentos no país, cerca de 80% têm preços controlados pelo governo. Esses remédios não podem ultrapassar o valor máximo estipulado para a venda. Nelson Mussolini alerta que toda farmácia e drogaria tem à disposição do consumidor livro que traz os valores estabelecidos pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). “O consumidor pode pedir o livro e verificar qual é o preço máximo do medicamento que quer comprar. A lista deve estar sempre ao alcance da população, que pode também solicitá-la no varejo”, reforça Mussolini.