Na esteira do aumento de até 15,78% nas contas de energia no estado, a Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário do Estado de Minas Gerais (Arsae-MG) autorizou ontem o reajuste de 6,18% nas tarifas de água e esgoto da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) a partir de amanhã. “O reajuste nas tarifas da Copasa foi fortemente impactado pelo recente reajuste das tarifas de energia elétrica, que provocou um aumento de 14,59% nesse item das depesas da companhia”, justificou a agência em nota distribuída no fim da tarde. A elevação do preço da água é mais um reajuste (luz, remédios, alimentos etc.) no início deste mês. Os recentes aumentos pesam no bolso dos consumidores mineiros.
Às vésperas do 20º aniversário do Real, implantado em 1º de julho de 1994, Eni Alves de Assis, de 54 anos, sente no bolso uma inflação que não corresponde aos dados oficiais do governo. Enquanto o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) avançou 6,15% no acumulado dos últimos 12 meses, se distanciando do centro da meta estipulada pelo Conselho Monetário Nacional (4,5%), a conta de Eni no supermercado perto de sua casa disparou em mais de 100% apenas de dezembro para cá: “Moro com minha filha e nosso gasto, que era de R$ 200, agora está em aproximadamente R$ 450 (diferença de 125%). Está tudo ficando mais caro”. E há o risco de o preço de muitos produtos e serviços subir ainda neste semestre, numa espécie de inflação em cascata.
O reajuste das tarifas de energia elétrica pode ser um gatilho para engordar a inflação, pois, no início da semana, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizou a Cemig a reajustar suas cobranças: média de 14,24% para as residências, de 12,41% para as indústrias e de 15,78% para o comércio. O aumento gera custos para os empresários, que redistribuem pelo menos parte da nova conta para o consumidor. O peso da conta de luz terá impacto de 0,37 ponto percentual na inflação da capital em maio, segundo estudo da Fundação Ipead/UFMG.
A conta de luz não será a única despesa a mais para os meios de produção. Nas próximas semanas, o belo-horizontino sentirá no bolso o aumento do pão francês, uma vez que os moinhos de trigo planejam aumentar o valor da farinha em até 10%. A alta do produto na padaria também influencia o cardápio em bares e restaurantes que servem o pãozinho como parte de porções. No caso do comércio, o salário dos funcionários será reajustado, nas próximas semanas, em torno de 7%. A lista não para por aqui: os preços de mercadorias e serviços ainda podem ser impulsionados para cima se a tarifa de ônibus na capital for reajustada.
A passagem deveria ter aumentado no último domingo, de R$ 2,65 para R$ 2,85, mas o Ministério Público Estadual conseguiu uma liminar suspendendo o reajuste até que a instituição analise as planilhas de custos do setor. Dificilmente um empresário consegue absorver toda essa vitamina de aumento, como explica o vice-presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL-BH), Marco Antônio Gaspar.
“Uma coisa alimenta a outra. O dragão da inflação é sempre alimentado e, claro, gera mais inflação. Não há muito jeito de fugir dele. Se tudo der certo, nós estamos perdidos. Se autorizado, o reajuste das passagens irá aumentar o gasto com cada funcionário em torno de R$ 20 por mês. Eu, por exemplo, tenho 10 colaboradores. Irei bancar R$ 208 a mais. Levando-se em conta a energia elétrica, o reajuste dos salários e, na hipótese do aumento do transporte público, meu gasto mensal subirá em torno de R$ 1 mil. O comércio não tem como absorver tudo. Teremos de repassar (pelo menos uma parte, para o consumidor),” lamenta o vice-presidente da CDL, que é dono de uma papelaria.
Alimentos O empreendimento de Gaspar é impactado com a alta na conta de luz, mas não tanto quanto o do empresário Ânderson Luiz Fernandes, dono da cantina do Sorriso, no Bairro São Lucas. Há cerca de 30 dias, em razão da disparada dos preços dos alimentos, ele alterou os valores no cardápio entre 8% e 10%. “Já aumentei e estou rebolando para não aumentar novamente”, peleja Ânderson, que lamenta as últimas disparadas, por exemplo, do preço do feijão. Na inflação de fevereiro para março, segundo divulgou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a variação do preço do quilo do grão rajado passou de -2,92% para 10,85%.
Eni, a mulher cuja conta no supermercado mais que dobrou nos últimos quatro meses, pagou, há poucos dias, R$ 4,50 no quilo do feijão. “Custava R$ 2,80 há algumas semanas”, compara. Mas o novo gasto dela com o grão não se limita às compras para ela e a filha. Na inflação em cascata, o dono do restaurante em que ela costuma almoçar diariamente também precisou reajustar o preço. “Meu almoço, no início do ano, ficava em torno de R$ 8. Agora pago R$ 14 (diferença de 75%)”.
“Estamos trabalhando no limite. A carga tributária é tão alta e tivemos aumentos tão expressivos nos insumos, no aluguel, na mão de obra e em outros custos, que só nós resta espremer ainda mais a margem de lucro, que era em torno de 20% há cinco anos. Agora, oscila de 7% a 11%. A queda foi alarmante. E porquê tivemos de observar toda essa queda? Por que se fossemos repassar tudo para o consumidor ele não teria como pagar”, disse Lucas Pêgo, diretor da seção mineira da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel-MG).
A meta na berlinda
O economista Guilherme Leão, da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), avalia que os sucessivos aumentos no custo de produção e a escalada dos preços de produtos e serviços devem levar a inflação a estourar o teto da meta estipulada pelo governo (6,5%) no segundo trimestre. “Podemos prever num horizonte de dois meses que a inflação de serviços terá novas pressões, em razão, por exemplo, da Copa do Mundo. É o caso da hotelaria, das passagens aéreas...”. A alta na inflação, acrescenta, também virá do reajuste da energia elétrica.
O aumento na conta de luz, alerta Leão, reduz a capacidade competitiva da indústria. Quando isso ocorre, o reflexo é o recuo no volume de investimentos. “Os setores mais intensivos no uso de energia, como o segmento de metalurgia (alumínio, máquinas e equipamentos, siderurgia) são os mais impactados. Também o de ferro-liga. Se ocorre redução da margem de lucro, há queda de investimento”, ressalta o economista da Fiemg.
Defesa Apesar da pressão inflacionária, a presidente Dilma Rousseff garantiu que o governo irá controlar sistematicamente a inflação. “Nós mantemos sistematicamente um olho e um controle na inflação, mesmo quando, devido à seca que ocorre no sudeste e à chuva torrencial no Norte, tivemos impactos em alguns produtos alimentares”, garantiu. “É importante olhar que isso é momentâneo e, em segundo lugar, que há produtos que enquanto alguns sobem, outros caem”, observou.
O discurso da presidente vem dois dias depois da divulgação do IPCA de março, que acumula alta de 6,15% em 12 meses. “O Brasil hoje tem uma situação em relação ao resto do mundo de baixa vulnerabilidade. Acumulamos US$ 378 bilhões de dólares de reservas”, lembrou. “No mundo, poucos países têm a relação de endividamento que o Brasil como país tem, nossa dívida líquida sobre o PIB é de 33,8%. É uma das mais baixas do mundo”, completou a presidente, que disse ainda que o Brasil tem robustez fiscal e “jamais” enfrentou a crise “às custas do trabalhador ou do empreendedor”. Além de defender a situação econômica do país, a presidente saiu em defesa das medidas empreendidas pelo seu governo.
Menos imposto alivia
Empresários avaliam que a inflação em cascata pode ser combatida se a União, estados e municípios reduzirem a carga tributária, que fechou 2013 em R$ 1,7 trilhão – o valor corresponde a 36,27% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. A relação entre o percentual de impostos e a soma de todas as riquezas do país acelera a passos largos. Em 1988, quando a Constituição da República foi sancionada, definindo a competência das três esferas do poder público, esse índice era de 20%.
“Um terço de tudo o que os restaurantes e os bares arrecadam é só para quitar tributos”, critica Lucas Pêgo, diretor da seção mineira da Abrasel. Ele e seus amigos de setor terão um novo custo nas próximas semanas, quando deve ocorrer o aumento da alíquota da chamadas bebidas frias: cerveja, refrigerantes, isotônicos etc. O aumento já foi autorizado pelo governo, que ainda decidirá o percentual da alíquota. Especialistas acreditam que seja em torno de 10%.
Pressão Quem deve pagar parte da conta, claro, é o consumidor, como Márcílio Braga Júnior. Ele sente no bolso o peso da carga tributária no país. E nas duas pontas. Como consumidor, paga caro alguns produtos. Como empresário, também sofre com os impostos. Júnior é dono do salão de beleza que leva seu último nome, no Bairro Sion, e reclama que a tributação sobre os cosméticos: “Um produto de R$ 18, por exemplo, tem carga tributária de R$ 9,50”.
O reajuste da energia elétrica, continua ele, apertará sua margem de lucro, pois Júnior não planeja repassar o custo para a clientela em 2014. “A energia elétrica é a alma do nosso negócio. É (o insumo) mais importante, pois sem luz nem abro a porta do salão. A energia entra no custo operacional em torno de 10%. Não planejo fazer o repasse, porque o cliente sente muito. Vou ter de absorver o impacto”, conta.
O vice-presidente da CDL, Marco Antônio Gaspar, defende a desoneração no custo da produção como uma das formas de frear a inflação. E ironiza a carga tributária no país, citando um estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) em que o brasileiro trabalha cerca de cinco meses apenas para pagar impostos: “Até 30 de maio, estaremos trabalhamos para o governo”, lembra o empresário.