Depois de quase duas décadas de estabilidade, o Brasil voltou a figurar em um ranking nada lisonjeiro: o de países com as maiores taxas de inflação do mundo. No país, enquanto as famílias lutam para acomodar a disparada dos preços em um apertado orçamento — da batata inglesa às carnes, da gasolina ao plano de saúde, tudo aumentou —, nos Estados Unidos, o governo torce pela elevação da carestia e, na Europa, o valor de produtos e serviços caiu tanto, a ponto de a ameaça de deflação pôr em risco a recuperação da região.
Desde o início de 2011, quando a presidente Dilma Rousseff tomou posse, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a carestia oficial no país, avançou 22%. Ou seja, em média, a cada ano, a inflação engoliu 6% da renda da população. Tamanho descuido com esse mal produziu um efeito indesejado, como mostra levantamento realizado pelo Estado de Minas, com base em uma lista de 16 economias monitoradas pelo Banco Central. Os dados indicam que a nossa carestia só não foi maior do que o custo de vida observado em três vizinhos sul-americanos: Venezuela, Argentina e Uruguai.
Não por acaso, esses são países que tentam combater a inflação da pior forma possível, ao recorrer a medidas como congelamento de preços e intervencionismo do governo em setores-chave da economia. Essas experiências extravagantes, com as quais o Brasil está flertando, ao segurar os reajustes da gasolina e do diesel, e ao derrubar as tarifas de energia por decreto, têm, no entanto, alcance curto e pouca eficácia para combater a verdadeira raiz dos problemas. "Uma inflação muito elevada, em geral, é reflexo de uma economia com desarranjos estruturais", diz o economista Wellington Ramos, da Austin Rating. Nos últimos anos, tornou-se evidente o descompasso entre a demanda das famílias e a oferta limitada de produtos e serviços no país, quadro agravado pela baixa produtividade da mão de obra.
Ao estimular o consumo sem a devida contrapartida da produção, tudo o que o governo Dilma conseguiu foi produzir mais inflação. Há quatro anos consecutivos, o custo de vida sobe muito acima do centro da meta perseguida pelo BC, de 4,5%. Em 2014, a estimativa da instituição é de que os preços ultrapassem os 6%. Pelos cálculos do mercado, o IPCA romperá o teto da meta, de 6,5%, entre maio e junho próximos, e encerrará o ano em 6,47% — a maior taxa desde 2011.
SURREAL
Para os especialistas, quaisquer que sejam os parâmetros de comparação, o Brasil se tornou o país da carestia. Itens simples, como um sanduíche do McDonald’s, comprovam o quanto os preços estão fora da realidade. Em 2000, um Big Mac era vendido por R$ 2,95. Agora, não sai por menos de R$ 12,40 — uma alta de 143%. No mesmo período, em dólares, o preço saltou de US$ 1,79 para US$ 5,25. Nesse valor, já é o sexto mais caro do planeta. Diversos itens, principalmente eletrônicos, comprovam o quanto os brasileiros estão sendo explorados. O iPhone custa, em média, no país, US$ 1,1 mil. O mesmo item comprado no Canadá sai por US$ 604, ou 47,9% menos.
São exemplos corriqueiros, mas que escancaram o quanto o orçamento das famílias está sendo aviltado pela carestia. Nos últimos anos, com a renda crescendo muito acima da inflação e o mercado de trabalho absorvendo tantas pessoas, não se notou tanto os reajustes disseminados de preços que tomaram conta da economia. Agora, porém, com o nível da atividade fraquejando — o Produto Interno Bruto (PIB) cresce a um ritmo inferior a 2% —, já não se gera tantas vagas no mercado de trabalho. Com a produção e as vendas capengando, indústria e comércio já resistem a dar aumentos salariais expressivos.
Para piorar, os consumidores estão enfrentando um choque nos preços dos alimentos. Com falta de chuvas em algumas regiões e excesso de água, em outras, o encarecimento da comida está levando muita gente a retirar produtos essenciais dos carrinhos de supermercados. "Tudo está jogando contra", afirma Flávio Serrano, economista sênior do Espírito Santo Investment Bank. O quadro se agrava porque, além de não fazer o dever de casa, o governo só adicionou problemas na economia. Em vez de cair, a carga tributária aumentou, os juros subiram, os trabalhadores se empanturraram de dívidas, a qualidade da infraestrutura piorou, a burocracia se agigantou e há pressões inflacionárias represadas, devido às interferências do Palácio do Planalto nos preços dos combustíveis e da energia elétrica. Esse represamento estimula a desconfiança e as remarcações preventivas, que só fortalecem o IPCA
"Infelizmente, são os consumidores que pagam a conta. E ela está ficando cada vez mais salgada", reconhece Ramos, da Austin Rating. E como não se espera mudanças significativas a curto prazo, independentemente de o Banco Central estar aumentando os juros há um ano — de 7,25% para 11% ao ano —, os brasileiros devem preparar o bolso. O Brasil permanecerá, por um bom tempo, como um dos países mais caros do mundo.
RISCO POLÍTICO
A escalada da inflação produziu estragos na renda dos brasileiros e derrubou a aprovação da presidente Dilma Rousseff. Na visão dos especialistas, está claro que os brasileiros não perdoam governos que ponham em risco o poder de compra da população. Foi a consolidação da estabilidade econômica que permitiu a mais de 40 milhões de pessoas migrar para a classe média na última década. "Com inflação não se brinca", afirma a diarista Maria Pereira da Cruz, 48 anos. "O governo precisa agir rápido para conter a carestia. A sensação que se tem hoje é de descontrole de preços", acrescenta a professora Mariluce Lopes, 40.
Para o economista-chefe da Sul América Investimentos, Newton Rosa, se a presidente Dilma deseja realmente a reeleição, na disputa marcada para outubro próximo, deve dar sinais claros de que o governo está agindo para conter a inflação. Com o bolso apertado, os brasileiros já veem os empregos ameaçados, mesmo com o país registrando taxas de desocupação historicamente baixas.
Há razões de sobra para a população estar em alerta. Em nenhum momento desse governo, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), parâmetro oficial do custo de vida, ficou próximo do centro da meta, de 4,5%, perseguida pelo Banco Central. A média da carestia foi de 6% ao ano. E deve se manter nesse nível até pelo menos 2016, independentemente do arrocho promovido pelo Comitê de Política Monetária (Copom), que elevou a taxa básica de juros (Selic) de 7,25% para 11% ao ano desde abril de 2013.
"A preocupação com a economia começa quando o eleitor se dá conta de que o salário dele já não é mais suficiente para comprar a mesma quantidade de itens que um mês antes", observa Rosa.