Do cerco de mimos que a fama proporciona no mundo dos ídolos do futebol, o melhor jogador da atualidade, Cristiano Ronaldo, da seleção portuguesa, o craque Lionel Messi, da Argentina, e até mesmo a maior estrela do Brasil em campo, Neymar, nem imaginam a inflação que os brasileiros passaram a enfrentar neste mês, ao colecionarem o álbum oficial de figurinhas da Copa de 2014. Na comparação com o torneio de 2010, na África do Sul, o livro ilustrado dos times que vão competir no Brasil foi entregue ao comércio a um custo 51,3% maior para os aficionados pelos cromos. A variação geral dos preços, de alimentos a serviços públicos pagos pelos brasileiros, acumulou alta de 26,6% entre março de 2010 e o mês passado, com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O aumento real, portanto, descontada a inflação, alcançou 19,5% para quem pagou R$ 5,90 pelo álbum nas bancas ou nas lojas especializadas, ante R$ 3,90 cobrados pela revista da Copa de 2010. A correção é de fazer inveja à do próprio salário mínimo no Brasil, que teve valorização imbatível nos últimos anos. O menor salário pago no país, de R$ 724, ganhou correção de 12,2% acima do IPCA, ante o valor de R$ 510 de 2010. O preço do pacote de figurinhas também deu rasteira em alguns dos vilões da inflação. Ao custo de R$ 1, ficou 33,3% mais caro, ante os R$ 0,75 pagos em 2010, merecendo, da mesma forma, um bom ganho, de 5,3%.
Os cálculos foram feitos a pedido do Estado de Minas pelo analista do IBGE em Minas Gerais, Antonio Braz, como um exercício sobre aquelas despesas de valor unitário muito baixo e que, por isso, passam desapercebidas do consumidor. “São aumentos reais certamente bastante expressivos”, observa. Se o ditado diz que mais vale um gosto do que um tostão no bolso, os amantes do hobby que se prepararem para mais gastos, porque, até meados de junho, quando os jogadores estarão nos estádios, os gastos com as figurinhas mais disputadas para completar o álbum só tendem a aumentar. Quase 25 dias depois do lançamento – no último dia 4 –, as vendas e trocas dos cromos já começaram a movimentar o comércio.
Basta que as figurinhas adquiridas por R$ 0,20 no pacote, cada, ensaiem um sumiço e passam a valer o dobro ou até mais, esbarrando fácil em R$ 1 a unidade, tamanho o desejo dos colecionadores. Veterano no comércio de revistas, jornais e álbuns de figurinhas, Arnélio Passos do Carmo diz que os cromos dos ídolos do Mundial – Cristiano Ronaldo, Messi e Neymar – são os mais procurados, ao lado da figurinha holográfica do escudo da seleção brasileira. A Copa no Brasil promete aquecer esse mercado, aposta o comerciante conhecido pelo apelido de Nelinho, certo de que a figurinha do escudo do time do Brasil tem chance de chegar a ser vendida por R$ 5.
Os preferidos
Com a experiência de comercializar álbuns e figurinhas de vários torneios, ele vai indicando os cromos mais valorizados numa conversa animada entre prateleiras de jornais e revistas que tomam conta das paredes da loja instalada na Avenida dos Andradas, no Centro de BH. O radar das meninas está ligado nos belos jogadores das seleções italiana e espanhola, ao passo que os garotos valorizam mais os jogadores argentinos e alemães, além dos brasileiros. Em baixa, segue a procura pelas figurinhas dos integrantes das seleções de Gana, Camarões, Nigéria, Costa do Marfim e Croácia. “Não importa a idade e a profissão, a Copa mobiliza todo mundo, das crianças aos avós. Há quem se disponha a gastar R$ 1 mil para completar um álbum”, afirma Nelinho. Para se ter ideia, os 640 cromos do álbum saem ao custo de R$ 128 no total.
Apaixonado pelo hobby, o pintor Adriano Alcântara Souza considerou mais prudente – dada a “inflação absurda” deste ano, na visão dele – estabelecer um limite para desembolsar com as figurinhas do álbum da Copa de 2014, que coleciona junto do filho Lucas, de 18 anos. A conta não vai passar de R$ 200, incluídos os R$ 140 gastos até agora. Dos 640 cromos da revista, ainda faltam 110. “Quanto mais difícil conseguir uma figurinha, mais gostoso colecionar”, afirma. Outras duas vantagens em dar asas à mania de colecionar são a proximidade com o filho e a satisfação de ver a interação de gente de diferentes classes sociais, segundo Adriano.
Raridades que valem ouro
As metas de faturamento dos comerciantes estão lançadas num ambiente ainda morno, mas que deu início às listas de espera. A placa ambiciosa no centro de compras popular Shopping Caetés apresenta a Universo do Colecionador, que aguarda remessa dos álbuns de capa dura, vendidos a
R$ 24,90, para atender pelos menos 15 clientes antigos do negócio conduzido por Denilson José Gomes, de 42 anos. “Já fui em casas de empresários, juiz e até governador para levar figurinhas. Troquei cromos para advogados e delegados de polícia”, diz orgulhoso o comerciante, ele mesmo um colecionador contumaz, que recusou proposta de R$ 55 mil para vender uma série de álbuns guardados desde os 11 anos, que inclui um almejado exemplar da Copa de 1970.
Para satisfazer o curioso gosto de clientes que procuram o álbum de 2014 completo, Denilson vendeu quatro unidades neste ano, dos quais dois entregues, pelo valor de R$ 270 cada um. Se alguém duvida da valorização desses pequenos objetos de desejo, ele logo recorda ter presenciado a venda de figurinhas raras durante a Copa de 2006, na Alemanha, por R$ 25 cada cromo. Se o título de campeão for agarrado pela seleção brasileira em 2014, o mercado dos colecionadores e dos revisteiros agradece.
Há 23 anos no ramo, Tarcísio Cândido de Souza, dono da Banca Serrana, instalada na Avenida Afonso Pena, no Bairro Funcionários, está preparado para vender 30 mil figurinhas nesta Copa. “Vai ser muito bom. Colecionar é como uma válvula de escape. Não há nada melhor do que colar uma figurinha, depois de um dia estafante”, afirma o comerciante. Diante do movimento das vendas desde o dia 12, ele já vendeu 6 mil figurinhas no período. Houve clientes que compraram 200 delas de uma única vez.
Demanda
Nelinho, da Agência Del Fiori, também tem seus trunfos. A primeira remessa da loja, incluindo uma centena de álbuns comuns e 10 de capa dura, estava esgotada no começo da semana passada, graças a uma demanda que teria crescido 50% em relação ao início da venda das revistas da Copa de 2010. “Já vendi álbum da Copa de 70 (realizada no México e que teve o Brasil como campeão) até na Itália”, lembra. Experiente na arte de colecionar, o pintor Adriano Alcântara recomenda aos amigos frequentar os pontos de encontro para trocas antes de fazer negócio. São locais conhecidos dos aficionados pelas figurinhas em bairros como Cidade Nova, Barreiro e Guarani. (MF)