A pressão da inflação em disparada já é sentida não só no bolso do consumidor, mas, sobretudo, no desempenho aquém do esperado do varejo. Do otimismo que alguns lojistas esboçavam no início de ano, restou apenas a frustração com os resultados obtidos. Em vez de lojas abarrotadas de clientes, empresários notaram a elevação nos estoques. As vendas, que até 2010 avançavam a um ritmo superior a 10% ao ano, desaceleraram para 5% no acumulado em 12 meses até fevereiro, período que inclui a bonança de fim de ano, como Natal e ano-novo. Não à toa, analistas passaram a prever dias difíceis para 2014.
A Confederação Nacional do Comércio (CNC) estimava em 6,5% a alta nas vendas do varejo em 2014. Baixou a previsão para 6%, depois para 5,5% até chegar em 5%. “A gente está revisando esse número, e tendência é que ele continue caindo à medida que outros maus resultados da economia forem aparecendo”, explicou o economista Bruno Fernandes, um dos responsáveis pela projeção. “Hoje, tudo leva a crer que o desempenho de 2014 será ainda pior do que no ano passado”, assinalou.
Em 2013, o varejo cresceu 4,3%, o pior resultado em 10 anos. No mesmo ano, a massa salarial real, que considera os rendimentos recebidos pelos trabalhadores descontada a inflação no período, avançou apenas 2,8%, a menor variação desde 2007. “O que explica os maus resultados é a inflação, que corrói o poder de compra das famílias e, por tabela, o espaço no orçamento para novas compras”, disse a também economista da CNC Marianne Hanson.
Que o diga o consumidor, que tem feito um verdadeiro malabarismo para driblar a alta de preços. Uma pesquisa do Instituto Data Popular revelou que 55% dos brasileiros substituem itens caros por marcas mais baratas, quando notam abuso nos preços. Outras alternativas são diminuir a quantidade de produtos comprados, opção assinalada por 32% dos entrevistados, ou simplesmente deixar de comprar (13%). A percepção que a inflação está corroendo fica evidente na afirmação de 85% dos brasileiros de que não conseguem comprar hoje o que compravam no ano passado, gastando o mesmo valor. Para 75% os preços dos produtos aumentaram no último ano e para 70% vão subir mais até o fim do ano.
Para dar conta
Para driblar os preços altos, a empresária Eliete Sampaio e a a filha dela Carla Sampaio estão substituindo os produtos mais caros pelos mais baratos, trocando também os supermercados de grandes redes pelos de bairro, no dia a dia. “Os supermercados menores oferecem coisas mais frescas e com preços mais em conta. Sempre tem uma promoção diferente. Acabou aquela coisa de fazer compra do mês, é sempre semanal para aproveitar as ofertas e mesmo assim, o carrinho fica bem mais vazio”, afirma Eliete. A empresária conta ainda que se assustou com a conta do supermercado do café da manhã que ela preparou para receber duas amigas em casa. “Compramos coisas básicas, como frutas, pão e queijo e pagamos mais de R$ 70. Tivemos que diminuir muito o consumo e substituir muitos produtos por outros inferiores para gastar menos”, completa.
A dentista Helena Ferreira e o marido dela Othon Rehn afirmam que nos últimos meses tiveram que diminuir as compras de roupas, o supermercado, entre outros gastos que faziam parte da rotina do casal. “As coisas aumentam e o salário continua o mesmo. Para economizar nós sempre compramos itens que estão em promoção. No supermercado que antes a gente gastava menos de R$ 100, se a gente não diminuir a compra, deixamos pelo menos R$ 150”, diz Othon.
Não é à toa que os brasileiros estão mais reticentes na hora de comprar. Em 2013, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o parâmetro oficial do custo de vida no país, avançou 5,91%. Oficialmente, a meta a ser perseguida pelo governo é uma inflação de 4,5%, com tolerância de dois pontos para baixo ou para cima. Mas em 2014, novamente esse alvo não deve ser atingido. Muito pelo contrário.
Sem alívio
De acordo com a pesquisa semanal Focus, feita pelo Banco Central (BC) junto a analistas de bancos e corretoras, o IPCA deverá bater no limite da meta, 6,5%. Não chega a ser uma previsão pessimista. As cinco instituições financeiras que mais acertam as estimativas para o comportamento da economia, chamadas de Top 5, apostam numa inflação ainda mais elevada: 6,62% ao ano.
Foi a primeira vez no ano que essas casas apostaram num custo de vida tão pressionado. Pior do que isso. Foi a comprovação, para analistas, de que todo o trabalho feito pelo próprio BC na tarefa de trazer os preços para baixo não tem convencido o mercado financeiro. “Tão importante quanto o custo de vida em si, que bate diretamente no bolso do cidadão, são as expectativas para a inflação futura”, disse um técnico governista.
Se elas continuam em disparada, alertou a fonte da equipe econômica, transformam-se em combustível para remarcação de preços. A consequência, ele disse, é uma pressão ainda maior da inflação nos próximos meses e anos, tornando ainda mais difícil a missão do BC. Pois é justamente o que tem ocorrido. As projeções para o IPCA de 2014 estavam, em janeiro, em 5,9%, nos cálculos dos Top 5. Esses números foram subindo semana após semana, até chegar ao patamar atual de 6,62%.
Para driblar o dragão
* Mirella Falcão
São Paulo – O impacto da inflação aparece também em pesquisa da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), que mostra que para driblar o cenário de elevação de preços os consumidores reduziram o número de vezes que vão às compras e passaram a optar mais pelas embalagens econômicas e pela troca por marcas mais baratas. Analisando o comportamento do consumidor ao longo do ano passado, o estudo concluiu que o número de idas aos pontos de venda caiu de 170 para 156 visitas. “Deixar de comprar os itens adquiridos no passado ficou em último lugar entre as prioridades do consumidor neste momento”, comenta o presidente da Associação Paulista de Supermercados (Apas), João Galassi. Com a alta de preços, para manter os mesmos produtos no carrinho, a estratégia é buscar uma combinação custo x benefício.
Os hipermercados foram os que mais perderam frequência dos consumidores, apesar de um aumento de 6% no tíquete médio. Os consumidores passaram a comprar mais nos supermercados de vizinhança (ampliaram a frequência em 7% e o tíquete em 10%) e nos chamados atacarejos (alta de 1% no fluxo e de 14% no desembolso). Neste sentido, as embalagens maiores têm sido aliadas. Nas 20 categorias mais vendidas nos supermercados, 60% delas aumentaram as opções econômicas.
Ainda de acordo com o estudo, para não deixar de consumir, a opção é abandonar a marca líder. Entre os mais afetados estão o café em pó e o suco pronto, cujas opções mais baratas cresceram as vendas em 13% e em 33,6%, respectivamente, em 2013. Cerca de 40% das marcas premium ainda crescem, mas em 55% dessas categorias houve retração de volume médio por compra.
A repórter viajou a convite da Gomes da Costa