A ameaça de fechar 200 mil postos de trabalho no setor de alimentação fora de casa depois dos aumentos nos impostos sobre bebidas frias pode fazer o governo repensar a mudanças na tabela de tributação. De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci, na próxima terça-feira, 13, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, deve se reunir com representantes do setor e reabrir o diálogo sobre o assunto. A expectativa do presidente da Abrasel é que o aumento seja revisto e até mesmo cancelado pelo governo.
A reunião foi agendada ontem, logo depois de a Abrasel anunciar, em entrevista coletiva, a preocupação com a queda no movimento e faturamento do setor, que pode levar a demissões de até 200 mil pessoas e a fechamento de pontos de venda em todo o Brasil. A venda de bebidas, entre elas refrigerante, água, cerveja e suco, representa entre 40% e 60% do faturamento dos estabelecimentos e, com o aumento nos impostos, empresários temem o reajuste nos preços para o consumidor. No caso da cerveja, segundo a associação, a alta média real na tributação será de 30%, o que vai impactar diretamente no preço cobrado nos cardápios e afugentar ainda mais o consumidor.
No dia 30 de abril, a Receita Federal anunciou o segundo reajuste na tributação das bebidas frias em menos de 30 dias e estimou que a alta no preço para o consumidor seria de, no máximo, 2,25%, índice contestado pela Abrasel. “O reajuste médio nos preços das bebidas nos bares, restaurantes e lanchonetes deve se concentrar entre 10% e 12%”, afirma Paulo Solmucci.
Em alguns ítens, o aumento dos tributos foi ainda maior. Chegou a 373%, no caso da cerveja Coruja, do Rio Grande do Sul, a 244% na cerveja alemã Schneider, e a 101% na Bohemia Escura. Sobre os refrigerantes, também foram mais altos os aumentos para o Xereta, de São Paulo, com 77%, a tônica da Antártica, com 61%, e o Guaraná Antártica, com 23%.
O diretor-executivo da Abrasel Minas, Lucas Pêgo, explica que, para o consumidor final, o aumento repassado é, em média, de um terço do percentual total. Os outros dois terços da alta, segundo ele, estão sendo absorvidos pelos fabricantes, distribuidores e bares, restaurantes, casas noturnas e outras empresas do setor de alimentação fora do lar, que temem perder a clientela e reduzir o faturamento.
RETRAÇÃO
Em pesquisa realizada pela Nielsen, provedora global de informações e insights sobre o que o consumidor assiste e compra, 63% dos consumidores afirmaram que estão reduzindo gastos com alimentação na rua. O índice faz parte da pesquisa de Confiança do Consumidor do 1º trimestre deste ano, que foi realizada entre 18 de fevereiro e 8 de março, e entrevistou mais de 29 mil consumidores com acesso à internet. O engenheiro elétrico Alan Fábio de Bastos, que ontem estava acompanhado das amigas Tatiana Gonçalves Dias e Micheli Machado Bastos em um bar da capital, lamenta os preços altos e afirma que, nos últimos meses, teve que estabelecer prioridades no orçamento. “Não tenho como deixar de almoçar fora de casa, já que moro longe do trabalho, mas as idas aos bares na noite têm sido menos frequentes. Está tudo muito caro”, diz.
A turma de amigos Camila Bougard, Nara Freire, Flávio Pires, Diogo Lago e Clarice Coutinho conta que diminuiu as idas aos bares e restaurantes nos últimos meses por conta da alta dos preços no cardápio. “Antes, a gente saía de três a quatro vezes por semana. Agora, somente uma. Trocamos os bares pelas casas de amigos”, afirma Clarice, que completa dizendo que os itens como cerveja e tira-gosto para as reuniões são comprados nos supermercados a um custo bem mais baixo.
Lucas Pêgo afirma que essa é mais uma preocupação dos bares e restaurantes, que têm a carga tributária muito mais elevada do que os supermercados. “Tivemos, recentemente, o movimento BH $urreal, mas reiteramos que não estamos satisfeitos com esses preços e que sempre evitamos repassar esses aumentos para os consumidores”, afirma.
A associação diz ainda que, no ano passado, houve queda drástica nas vendas de bebidas frias. O principal motivo do recuo foi justamente o aumento da carga tributária sobre as bebidas em outubro de 2012. Naquela ocasião, os reajustes foram da ordem de 13% para cervejas e 26% para refrigerantes.
Os empresários do setor reclamam ainda de outro fator que colaborou para a queda no faturamento: a Lei Seca, que entrou em vigor em janeiro de 2013. “Tivemos uma queda de 30% no movimento e até hoje não conseguimos recuperar”, ressalta Pedro Martins da Costa, sócio da Rede Gourmet BH. Pedro ressalta ainda que será difícil absorver mais uma alta de tributos. Segundo ele, no início do ano foi repassada para o cardápio uma alta de 10% por conta do reajuste de salário dos funcionários, inflação nos insumos e alta na carga tributária. “Os 10% que foram repassados não são nem um terço do aumento que tivemos, mas fomos obrigados a reduzir nossa margem de lucro para não perder o freguês”, completa.
O setor de alimentação fora de casa representa 2,7% do PIB nacional e já vem sob alta pressão de custos nos últimos anos, com as seguidas altas nos preços dos insumos. Segundo o presidente da Abrasel, empresários não conseguirão absorver mais um reajuste.
Alta viria com a Copa
Os proprietários de bares e restaurantes não querem vistos como vilões pelos consumidores, uma vez que o aumento da tributação sobre bebidas frias entra em vigor em 1º de junho, 11 dias antes do início da Copa do Mundo. “Todo o mercado de alimentação fora de casa está apreensivo. Não podemos ser vistos como vilões pelo consumidor, já que somos os principais prejudicados. O governo faz com que a gente também reajuste o preço, levando o consumidor a pensar que estamos aproveitando a alta da demanda na Copa, enquanto eles criticam setores de hotelaria e aviação por aumentarem os preços na época da competição”, afirma o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci.
Ainda de acordo com ele, os 2 milhões de micro e pequenos empreendedores do setor ainda não sabem se conseguirão manter o negócio operando sem cortes com esse aumento. Acredita-se que, no curto prazo, serão fechados vários estabelecimentos, aumentando o índice de desemprego no setor. Única atividade econômica presente em todos os municípios e distritos do país, o setor estava concentrado em se preparar para receber os torcedores durante a Copa do Mundo. “Nossa esperança para salvação dos negócios é a alta nas vendas durante o Mundial. O problema é saber o que fazer depois da competição, quando o movimento entrar em queda”, afirma o sócio da Rede Gourmet BH, Pedro Matins da Costa. Ele conta que, atualmente, mantém cerca 50 funcionários em cada um dos 11 restaurantes da rede, número que deve cair entre 10 e 20% depois da competição.
O diretor-executivo da Abrasel Minas, Lucas Pêgo, ressalta que um em cada 12 brasileiros da população economicamente ativa trabalha em um bar, restaurante, lanchonete e ou estabelecimentos similares. O número representa cerca de 8% dos empregados do Brasil. “Se não repassarmos o aumento, não aguentamos manter os estabelecimentos. Se repassamos, o movimento cai e, então, temos que dispensar mão de obra, reduzindo os postos de trabalho”, completa. (FM)