Brasília – Não são só os alimentos que têm tirado o sono do brasileiro. Principalmente entre as famílias da classe média, entre as quais a alimentação dentro de casa representa apenas 30% do orçamento doméstico, são os preços mais salgados dos serviços que têm pesado no bolso. Em um ano, despesas com o salão de beleza, o colégio das crianças, o estacionamento do shopping ou com o curso de idiomas ficaram, em média, 10% mais altas.
Em diversos itens, os reajustes foram bem mais pesados. É o caso das passagens aéreas, 24% mais caras, e dos ingressos para jogos, cujo valor médio aumentou quase 12% nos últimos 12 meses até abril, refletindo, não por acaso, a venda antecipada de tíquetes para os jogos da Copa do Mundo de Futebol. Os números constam de levantamento feito a pedido da reportagem pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), e refletem uma situação que tem incomodado muito as famílias de classe média.
Por mais que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o parâmetro oficial da inflação no país, tente medir o padrão de consumo de famílias com renda mensal entre um e 40 salários mínimos, para diversos especialistas, o indicador não consegue retratar com exatidão de que forma os preços afetam a vida de quem está no estrato médio da população. No acumulado de 12 meses até abril o IPCA medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ficou em 6,28%.
O IPCA não reflete a realidade da classe média porque alimentos e bebidas têm peso maior dentro do índice, de 23%. Porém, entre a classe média, os serviços respondem por quase 70% dos gastos no mês, conforme cálculos de especialistas. “É por isso que, para a classe média, pesa muito mais a conta do restaurante do que a do supermercado”, diz o economista Bruno Fernandes, da CNC. Em 12 meses até abril, comer fora de casa ficou, em média, 10% mais caro.
É uma conta que atinge até mesmo quem não tem renda familiar alta, mas que, por trabalhar fora, acaba sendo obrigado a comer fora de casa. Funcionário terceirizado de uma empresa que está prestes a quebrar, a PH, o secretário Iranildo da Silva Santos, de 37 anos, tem encontrado dificuldades para acomodar gastos com alimentação num orçamento mensal de apenas R$ 1,4 mil. “Com um salário pequeno desses, a gente luta para sobreviver. Mas com a inflação batendo pesado, fica cada vez mais difícil”, diz.
Iranildo não recebe bolsa do governo, cursa faculdade particular de noite e paga pensão a uma filha de 18 anos. As contas no fim do mês só fecham depois de muito malabarismo, ensina o piauiense radicado há 19 anos em Brasília. “Me viro como posso. Faço bicos de garçom e de segurança no fim de semana e, quando a festa acaba, eu começo a juntar latinhas de cerveja e de refrigerante para levantar um trocado a mais no fim do mês”, ensina.
SEM GANHOS
Pelas estatísticas oficiais do governo, Iranildo faz parte da nova classe média brasileira, composta por famílias com renda mensal total entre R$ 1.064 e R$ 4.561, conforme definição da Secretaria de Assuntos Econômicos (SAE) da Presidência da República. A economista Monica Baumgarten de Bolle lembra que são justamente as pessoas que ascenderam socialmente nos últimos anos que mais têm sofrido com a alta dos preços.
“A inflação é um imposto indireto, que apesar de afetar com mais força os pobres também pesa bastante sobre a renda da classe média. Nesse contexto, quem só recentemente deixou de ser pobre e que, portanto, não têm mais direito a receber nenhum programa social do governo, acaba ficando mais exposto”, observa a professora da Pontíficia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO).
Entre janeiro de 2003 e fevereiro, o salário mínimo cresceu 362%, passando de R$ 200 para R$ 724. No mesmo período, a massa de rendimentos de todos os trabalhadores do Brasil, que reflete os ganhos da classe média, avançou quase três vezes menos, de R$ 1.572 para R$ 2.046. “É aquela história. A pessoa está ganhando mais, mas ainda não o bastante para ter uma vida melhor. Porque ao levar em conta os preços de alimentos e também serviços, mesmo o sujeito que recebeu mais reajustes, ao ganhar um salário mínimo, tudo o que ele conseguiu foi sobreviver. De uma certa forma, a inflação e os impostos são uma espécie de sequestro da renda das famílias”, observa o economista Samy Dana, professor da economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo.