O consumidor brasileiro pode ficar mais tranquilo. Durante a Copa do Mundo, e pelo menos até setembro, o preço de bebidas frias não sofrerá aumento de impostos no Brasil. Ontem, o governo federal temendo demissões em massa e reajustes generalizados nos preços de cervejas, refrigerantes, energéticos e isotônicos durante o Mundial de futebol cedeu ao lobby da indústria de bebidas e decidiu adiar para o nono mês do ano o aumento de impostos que estava previsto para entrar em vigor a partir de 1º de junho. A decisão, no entanto, foi inócua para muitos bares e restaurantes de Belo Horizonte, que já haviam decidido absorver o impacto da alta da tributação pelo menos no período do torneio futebolístico.
Com a fama de ser o maior vendedor de cerveja long neck do país, Luiz Augusto Barbosa da Costa, proprietário do Churrasquinho do Luizinho, no Prado, Região Oeste de BH, afirma que, mesmo se a nova tributação passasse a vigorar no início de junho, não aumentaria o preço da bebida, que hoje custa R$ 5, ao consumidor final. “Eu não iria elevar o preço porque minha cerveja está no preço que tem que ser”, diz. Segundo Costa, quando setembro vier, e com ele a elevação da mordida tributária, o jeito será arrumar uma forma de compensar a alta de custos. “Talvez elevando um pouco o preço do churrasco”, raciocina.
Ao postergar o aumento da tributação para esse setor, o Planalto tenta aplacar os ânimos da classe média, que já viu a conta do churrasco engordar diante da escalada dos preços de alimentos, especialmente das carnes e das bebidas frias. Nos últimos 12 meses até abril, beber cerveja fora de casa ficou, em média, 11,4% mais caro. No mesmo período, refrigerantes também aumentaram de preço em mais de 7%, conforme números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Essa conta deveria aumentar à medida que a nova tributação fosse repassada aos consumidores pelas fabricantes de bebidas. Apenas a Ambev, que produz os rótulos Skol, Antarctica, Brahma, Bohemia e Original, já havia dito, em conferência com investidores na semana passada, que “a única garantia” da companhia era que o aumento dos tributos seria repassado “em algum momento”, conforme declaração do vice-presidente Financeiro e de Relações com Investidores da companhia, Nelson Jamel.
O lobby do empresariado também incluiu ameaças de demissões em massa, conforme enfatizou ontem o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci, instantes antes de se reunir com o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Ele disse que, caso o governo insistisse na decisão de elevar impostos, haveria 200 mil desligamentos de trabalhadores após os jogos da Copa do Mundo, a partir de julho.
Solmucci também classificou de “desespero fiscal” a necessidade de o governo elevar impostos para compensar a frustração com a arrecadação de tributos, de modo a economizar recursos para fazer o superávit primário. Para atingir a meta de economizar 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2014, a arrecadação federal teria de crescer, este ano, 3,5%, já descontada a inflação no período. Mas, até março, a expansão das receitas foi de apenas 2,08%.
A frustração com a arrecadação levou o governo a estudar medidas extras, como a elevação de impostos para bebidas e outros itens considerados supérfluos, como cosméticos e bens de consumo importados. A Receita Federal já encaminhou à Fazenda estudos técnicos mostrando quais produtos podem ter impostos elevados e o resultado que essas medidas produziria aos cofres públicos.
Recomposição
O primeiro item dessa lista era justamente as bebidas frias, mas diante do risco de que a inflação rompa o teto da meta de 6,5% este ano, o governo decidiu voltar atrás e postergar o reajuste para depois da Copa. Mesmo assim, de forma “escalonada”, conforme explicou ontem o ministro Mantega. “Temos grande preocupação que a inflação permaneça sob controle e esse setor (de bebidas) pode dar contribuição importante”, disse. O ministro não deu detalhes de como será feito o escalonamento de reajustes, nem em quanto tempo.
Mas fontes do setor dizem que já está acordado com o governo uma recomposição das alíquotas em um período de até três anos, de modo a não gerar impactos relevantes nos preços também em 2015 e 2016. Para Mantega, o acordo abre a possibilidade de, até mesmo, o setor não repassar a alta dos impostos para os consumidores. “Fizemos um pacto de que não haverá aumento de preços durante a Copa e, de preferência, também depois da Copa”, avisou.
Na capital dos bares, preço seria mantido
De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em Minas (Abrasel-MG), Fernando Júnior, a maioria dos proprietários de estabelecimentos com os quais ele conversou em Belo Horizonte estava disposta a manter o preço da cerveja até o fim da Copa do Mundo, mesmo se o Ministério da Fazenda sinalizasse que haveria aumento de impostos no dia 1º de junho. Por outro lado, uma parte dos empresários pensava implementar a elevação de preços ao consumidor imediatamente. “Não acho que os preços devam aumentar por causa da Copa, mas, se em setembro houver elevação dos tributos sobre bebidas frias, o repasse ao consumidor é mais do que justificável”, defende.
Na choperia Pinguim, no Sion, Região Centro-Sul de BH, George Alves, gerente-geral, também sustenta que não iria mexer nos preços mesmo se o aumento de imposto viesse. “A gente não pensava em alterar o preço na Copa. Isso seria inviável e poderia se refletir na avaliação dos turistas, que não veriam com bons olhos se a cerveja ficasse mais cara”, explica. Caso a nova tributação tivesse sido aprovada e a casa decidisse repassar o custo ao consumidor, o impacto final no preço seria de 5% no preço da tulipa de chope. “No período do Mundial de futebol não estamos alterando preço, ao contrário de outras estabelecimentos que se aproveitam da situação”, observa.
Inflação
O proprietário do restaurante Haus Munchen, Rodrigo Ferraz, recebeu a notícia do adiamento da elevação de impostos como um “bom sinal”. De acordo com ele, o segmento de bares e restaurantes já vem sofrendo com um aumento de preços acima da inflação por parte dos fornecedores. “Estamos padecendo em todas as instâncias: no preço das bebidas, no dos produtos agrícolas, nas carnes. Esses aumentos estão penalizando o consumidor final”, diz. E completa: “Mesmo que a gente trabalhe com redução de custos e que as matérias-primas sejam trocadas, chega uma hora que haja criatividade. Fica impossível não repassar os custos”.
Mesmo esperando a alta dos tributos sobre bebidas frias para junho, Ferraz explica que não chegou a calcular qual seria o impacto no bolso dos consumidores. Isso ocorreu porque, segundo ele, a própria Ambev havia sinalizado que não iria repassar o aumento e que isso só seria feito depois da Copa do Mundo. De acordo com o empresário, no primeiro semestre, o calor e a falta de chuvas ajudou a vender cervejas no restaurante, mas em 2013 houve uma retração de 15% nas vendas na comparação com 2012. (ZF)