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Estado de Minas PRESENTE DE GOL A GOL

Bola trazida ao Brasil por Charles Miller originou a paixão pelo esporte que movimenta bilhões

Esse é um dos temas da série "O Negócio da Bola", que o Estado de Minas publica a partir de hoje


postado em 18/05/2014 00:12 / atualizado em 18/05/2014 07:55

(foto: EM/D.A Press)
(foto: EM/D.A Press)


Três Corações (MG), Belo Horizonte (MG) e Tapiratiba (SP) – Quando retornou de uma longa viagem à Inglaterra, em meados de 1894, o paulistano Charles Miller (1874-1953), considerado o pai do futebol no Brasil, trouxe duas bolas feitas de couro curtido e bexiga de boi. As chamadas capotão eram mais pesadas e bem menos resistentes que as pelotas modernas, usadas em competições oficiais, de sintético e câmara de ar de látex. A mudança dos materiais, porém, não foi a única grande revolução no mercado de bolas de futebol nesses 120 anos: as redondas de hoje movimentam um extraordinário mercado em todo o planeta. No Brasil, as bolas impulsionam tanto o faturamento quanto a geração de emprego e renda no tripé indústria, comércio e serviços.


Esse é um dos temas da série “O Negócio da Bola”, que o Estado de Minas publica a partir de hoje. As reportagens mostram que a proximidade da Copa do Mundo engordou o lucro de fábricas Brasil afora. Na carona da indústria, o comércio e os serviços abocanham boa fatia do faturamento. A produção das pelotas ainda beneficia homens que cumprem penas em presídios de todo o país. Dezenas deles estão em quatro penitenciárias mineiras: na Nelson Hungria, em Contagem, o ex-goleiro Bruno Fernandes de Souza, que defendeu as balizas de Atlético-MG e Flamengo-RJ e era cotado para disputar a Copa de 2014 antes de ser condenado por participação no assassinato da jovem Elisa Samúdio, costurou algumas pelotas.


O mercado de bolas vai tão de vento em popa no Brasil que até redes de varejo criaram marcas próprias para fomentar o faturamento. É o caso da Centauro, que surgiu na capital mineira e se tornou a maior megastore de artigos esportivos da América Latina. A empresa criou a Adamf, cujas cores homenageam as seleções campeãs das copas: Brasil, Uruguai, Argentina, Itália, Espanha, Alemanha e Inglaterra. As pelotas podem ser encontradas em tamanhos mini (R$ 19,99) e oficial (R$ 34,99). “As vendas foram 73% maiores no confronto entre o primeiro trimestre de 2014 e o mesmo período de 2013”, informou Maricy Stinchi, uma das principais gerentes em nível nacional da Centauro. Ela conta, orgulhosa, que a campeã de vendas é a que leva as cores do Brasil – 71% do volume negociado nas 176 unidades que a rede tem espalhadas pelo país.

A Copa também garante quiques nos lucros de empresas de pequeno e médio portes como a Kaemy, que fabrica a bola homônima e com sede em Tapiratiba (SP), conhecida como a capital da bolas. “Produzimos, em média, 12 mil unidades por mês, entre as com material GVA (mais leve), que custam R$ 8, e as costuradas, que saem a R$ 25. Com a proximidade da Copa, nossa demanda cresceu 80%”, comemora Adriana Silva, gerente do empreendimento.

Um dos aumentos, revela ela, se deve às encomendas de empresas que aproveitam a Copa para distribuir bolas como brindes: “Apenas uma nos pediu 6 mil redondas”. Para atender a nova demanda, a empresa contratou 13 colaboradores e está à procura de outros oito. Um dos novos funcionários do local é Luan Vinícius Silva Gonçalves, de 18: “Esse é o meu primeiro emprego. Estou animadíssimo. Meu cargo é de auxiliar de produção e planejo crescer aqui. Quem sabe uma dessas bolas que passa por minhas mãos revele um craque?”, deseja o rapaz.

Em BH, os sócios da Comercial Mucuri Ltda, com sede no Bairro Ipanema, na Região Noroeste, também comemoram o bom desempenho do mercado. A empresa fabrica as bolas Trivella – o nome é uma alusão ao chute feito com o lado externo dos pés. “Nossa demanda está bem maior este ano, da ordem de 40%”, calcula Camila Morais Cardoso, sócia da fábrica, fundada em 1994. A Comercial Mucuri produz mensalmente cerca de 10 mil unidades voltadas à prática de vários esportes, sendo o carro-chefe a de futebol de campo (3,5 mil peças). Os preços oscilam de R$ 55 a R$ 90.

As bolas Trivella levam câmara butilex, que é uma estrutura com parede dupla e reforçada com borrachas especiais; forro multi-entrelaçado, fabricados com fios de alta tenacidade; laminado poliuretano, o que proporciona maciez e resistência à mercadoria, e laminado de microfibras, feito de poliéster e algodão. A Comercial Mucuri é a responsável pelas bolas usadas nos campeonatos amadores organizados pela Federação Mineira de Futebol (FMF).

Brazuca

A FMF e outras entidades do futebol repassam aos times as bolas que serão usadas em partidas oficiais. Nos jogos da Copa, a redonda oficial, batizada de Brazuca, será repassada pela Fifa – a entidade reserva 25 pelotas para cada jogo. A título de curiosidade, as unidades são fabricadas com os nomes das duas seleções que se enfrentam. A alemã Adidas, fabricante das bolas oficiais que serão usadas na Copa do Brasil, não revela quantas Brazucas espera negociar em todo o planeta.
Gláucio Mendonça e Marquione Tavares, do 23 de Setembro
Gláucio Mendonça e Marquione Tavares, do 23 de Setembro

Porém, em dezembro de 2013, na apresentação da Brazuca ao mercado, o diretor de Copa do Mundo da Adidas, Rodrigo Messias, avaliou que a empresa acredita num aumento de pelo menos 10% em relação às vendas registradas com a Jabulani, usada na Copa da África do Sul (2010) e que contabilizou 3 milhões de unidades vendidas. A Brazuca é encontrada em quatro variedades e preços: mini (R$ 39,90, destinada a colecionadores e público infantil), glider (R$ 69, costurada à máquina e câmara butil), top replique (R$ 99, feita sem costuras) e oficial (R$ 399, semelhante às que serão usadas nas partidas da Copa).

O promotor de merchandising Mirley de Feitas tem uma Brazuca em casa. “As cores dela são em homenagem às fitas do Nosso Senhor do Bonfim. Já o contorno (dos traços) é espelhado no Rio Amazonas. A bola está bem bonita. Na Copa das Confederações, assisti a três partidas, entre elas a final, em que o Brasil venceu a Espanha por 3 a 0. Este ano, já tenho o ingresso para um jogo no Mineirão, entre Colômbia e Grécia. Estou batalhando para ir à final e, quem sabe, dou outra sorte para o Brasil?”.

Bola na rede

"Quem sabe essa bola revele o próximo Pelé ou Dondinho?", deseja Marquione Tavares Pereira, fundador do 23 de Setembro, time montado em 2004 em Três Corações, no Sul de Minas, terra-natal de Édson Arantes do Nascimento e onde seu pai, João Ramos do Nascimento (1917-1996), o Dondinho, fez sucesso como atacante de um time local. Os mais antigos contam que o pai era tão bom que detém um recorde que nem o filho conseguiu bater: fazer cinco gols de cabeça na mesma partida.

O 23 de Setembro – o nome é a data de aniversário da cidade – fechou um acordo com o Tricordiano, o time profissional do município, para representá-lo em competições oficiais na categoria sub-15. A Federação Mineira de Futebol repassa duas bolas por partida ao clube, mas os jogadores nem sempre conseguem treinar com as pelotas usadas nos jogos em razão de uma economia necessária.

"As bolas usadas nas partidas oficiais custam cerca de R$ 150. Treinamos com uma que sai em torno de R$ 100. Às vésperas dos jogos, porém, os jogadores treinam com a mais cara para se acostumarem com a que irão usar nas partidas", explica Gláucio Mendonça, presidente do 23 de Setembro.

Tanto ele quanto Marquione têm esperança de encontrar um novo Pelé ou Dondinho, mas ambos são taxativos ao dizerem que, mais importante que revelar craques, é o papel social do time. "O time é uma forma de estimular o esporte entre os jovens e, além disso, os ajuda a evitar contatos com as drogas", explica Gláucio. (PHL)

 

 


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