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Estado de Minas

Bola feita na China goleia no preço e derruba concorrência no Brasil

Bolas produzidas na Ásia têm custo muito inferior às nacionais. Qualidade é baixa, mas preço menor derruba a concorrência e faz cair drasticamente a produção no Brasil


postado em 19/05/2014 06:00 / atualizado em 19/05/2014 07:17

Cecília Duarte trabalha na produção de bolas em fábrica de Tapiratiba (SP), onde a produção caiu com a concorrência chinesa (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
Cecília Duarte trabalha na produção de bolas em fábrica de Tapiratiba (SP), onde a produção caiu com a concorrência chinesa (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)

Tapiratiba (SP)
– Nascido em Muzambinho, no Sul de Minas Gerais, Antônio Carlos Dini montou uma fábrica de bolas, a Saga, em Tapiratiba (SP), cidade com cerca de 13 mil moradores. Embora seja um município pacato, o lugarejo ganhou o rótulo de capital das bolas em razão da qualidade das pelotas feitas nas fábricas da cidade. A fama das redondas foi tanta que o lugar passou a sediar a Expobola, uma das principais feiras do setor na década de 1990. Nos últimos anos, porém, a produção de pelotas no lugarejo caiu bastante. Resultado: algumas fábricas fecharam as portas.

Os empresários locais atribuem boa parte da reviravolta em Tapiratiba ao que muita gente chama de produtos ling-ling. Trata-se da importação de bolas feitas na China. Fabricadas a custo bem mais baixo, uma vez que os tributos e a lei trabalhista no país asiático pesam menos no custo que os impostos e as regras empregatícias no Brasil, as mercadorias feitas do outro lado do globo são vendidas a preços bem mais em conta que as de Tapiratiba.

Diante disso, muitos empresários brasileiros transferiram suas linhas de montagem para o país asiático. É o que fez a Centauro, maior rede de artigos esportivos da América Latina, que produz as bolas Adamf na China. Dini, o dono da Saga e que não tem capital para isso, viu sua produção despencar nos últimos anos. “Eu produzia cerca de 15 mil bolas por mês. Atualmente, fabrico cerca de 5 mil”, compara.

A invasão de bolas chinesa no Brasil e como essa importação afetou a indústria nacional são o tema do segundo dia da série “O Negócio da Bola”, que o Estado de Minas publica desde ontem. Uma pesquisa da Organização das Nações Unidas (ONU) estimou que as exportações de bolas tenham alcançado US$ 1,2 bilhão em 2012, sendo a China responsável por mais da metade desse valor: US$ 665 milhões. Os chineses responderam, naquele ano, por 53% das exportações do setor. Em 2002, esse percentual era bem menor (31%).

“Havia mais de 20 empresas que fabricavam bolas na cidade. Atualmente, são quatro. É difícil concorrer com os chineses”, lamenta Ester Maria Rosa Rangel, presidente da Associação Comercial e Industrial de Tapiratiba (Acit) e sócia da REHR, que fabrica material esportivo em geral. “A caneleira que vendo a R$ 6, por exemplo, o chinês traz para o Brasil a R$ 0,50”.

A própria Brazuca, a bola oficial da Copa do Mundo de 2014, foi projetada pela Adidas na Alemanha, onde está a sede da empresa, mas partes dela são feitas na China e em outros países do Oriente. A Brazuca tem quatro modelos: o de R$ 39,90, destinado a colecionadores e ao público infantil), o glider (R$ 69, costurado a máquina e com câmara butil), o top replique (R$ 99, feita sem costuras) e o oficial (R$ 399, semelhante às que serão usadas nas partidas da Copa).

A maioria das bolas enviadas do outro lado do planeta ao Brasil, contudo, custa bem menos que as feitas em Tapiratiba. “Vendemos essas bolas, feitas de GVA, a R$ 6. As fabricadas na China são vendidas por R$ 2, R$ 3”, explica Mário Sato, dono da Mania Sport.

A empresa dele em sociedade com a esposa, Elizabeth Sato, chegou a produzir 5 mil unidades por mês na década passada. “Hoje fazemos em torno de 2,5 mil. Não aumentamos o preço das bolas há muito tempo, o que só reduz a margem de lucro”, reclamou a companheira. Para enfrentar a concorrência asiática, o casal começou a produzir redondas com a marca Izuki, destinadas a escolas de futebol. “É um produto bem mais resistente. Nesse nicho, os chineses não têm grande aceitação, pois a qualidade da mercadoria deles é inferior”, explica o empresário.

Esperança


A proximidade da Copa do Mundo, contudo, trouxe um alento aos empresários de Tapiratiba: a produção, embora ainda menor do que a de anos anteriores, subiu no primeiro trimestre de 2014. O casal Sato, por exemplo, acredita num aumento de 50%. Percentual igual espera Vitória Maria de Jesus da Silva, dona da fábrica que leva seu primeiro nome. A empresa fabrica as bolas Zico, de uma escolinha de futebol que tem contrato com o ex-jogador da seleção para usar o nome do ex-atleta.

“Produzimos cerca de 7 mil bolas por mês, sendo 2 mil costuradas e 5 mil GVA. Nessas, aguardamos um aumento em torno de 50%”, disse a empresária. Adriana Silva, gerente da Kaemy, também está animada com a proximidade da Copa do Mundo no Brasil. Ela calcula que a produção tenha crescido em torno de 80%. Em média, a empresa produz 12 mil bolas por mês. “Só uma fábrica nos encomendou 6 mil unidades”, disse ela.

Os empresários de Tapiratiba querem reconquistar o mercado nacional. Para isso, o grupo está estudando a viabilidade de montar uma loja virtual coletiva. “Fizemos uma parceria com o Sebrae. A loja na internet é uma das propostas para combater a invasão dos produtos chineses”, acredita Ester Rangel, a presidente da associação comercial e industrial da cidade.

Marco Antônjo Ranieri conserta bolas no Santo Antônio, mantendo presença em um negócio que sua família começou há quase um século (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Marco Antônjo Ranieri conserta bolas no Santo Antônio, mantendo presença em um negócio que sua família começou há quase um século (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)

Pelota boa tem conserto


Muita gente que passa em frente ao número 403 da Rua São João Evangelista, no Bairro São Pedro, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, acha curiosa a placa na fachada: Vidinho conserto de bolas. Vidinho é o apelido de Marco Antônio Ranieri, cuja família trabalha no ramo de bolas há quase 100 anos. Fã de uma boa conversa, ele conta que a proximidade da Copa do Mundo aumentou a demanda em sua loja em cerca de 40% nos últimos três meses.

O percentual só não é maior, acredita ele, em razão de muitos clientes comprarem as bolas chinesas: “A maioria não tem conserto. É de péssima qualidade. Elas não são como essas que estou consertando. Esta, por exemplo, é uma Cafusa (a bola oficial usada no Brasil, ano passado, na Copa das Confederações). Já esta outra é da Copa América de 1995”, mostra, com orgulho, Vidinho, que montou a loja em 1987.

Sua família já teve uma fábrica de bolas, que funcionava na esquina da Rua da Bahia com a Antônio de Albuquerque. “Além de fabricarmos as redondas, também as consertávamos”, recorda. Mas o que ele gosta de enfatizar é que seu avô, João Ranieri, um imigrante italiano, foi um dos fundadores do Cruzeiro: “A primeira reunião para montar o Palestra Itália (primeiro nome do clube da Toca da Raposa) foi realizada na empresa de meu avô”.

A família dele trabalha no ramo de bolas há quase 100 anos. Pelo menos um equipamento antigo ele ainda usa na atual empresa. “Essa bomba de encher bolas é de 1928. Meu avô a importou da Inglaterra”, conta ele, enquanto atende o dentista Wagner Cardoso Pádua, de 82, que foi ao local buscar a bola com que presenteou o neto Rafael, de 7, e que havia sido danificada. “Comprei essa bola nos Estados Unidos, por US$ 9. Aqui ela custa muito mais. Ela durou muito, mas começou a descosturar. Paguei R$ 10 pelo conserto. Vale muito a pena.”

Verdadeiras relíquias

As bolas usadas na Copa do Mundo são grafadas com os nomes das seleções que se confrontam em cada jogo, além da data da partida. Em média, a Adidas produz 25 unidades para cada jogo. Em 2012, uma das bolas usadas na Copa do Brasil, em 1950, foi leiloada, em Porto Alegre, por R$ 45 mil. O comprador foi um uruguaio – o país dele venceu o Brasil, na final, por 2 a 1. Já em 2010, poucas semanas após Espanha e Holanda terem disputado a final da Copa na África do Sul, uma das redondas usadas naquela partida, que foram batizadas de Jabulani (foto), foi leiloada por 48,2 mil libras (cerca de US$ 74 mil). O dinheiro foi revertido para uma campanha contra a Aids promovida, na época, pelo então presidente da África do Sul, Nelson Mandela.


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