Ter a aparência em dia continua sendo um dos focos de investimento da nova classe média que, por consequência, transforma os negócios da beleza em um setor sem crise. Se por um lado o consumidor pisa no freio, por outro, as empresas garantem que os gastos para ficar mais bonita – ou bonito – não são mais supérfluos, mas sim um novo item do orçamento. Tanto que esses negócios, principalmente os com foco mais popular, têm alcançado crescimento de até 30% ao ano, superando em mais de 17 vezes a expansão da economia do país, que deve crescer 1,69% este ano, segundo os dados do último Boletim Focus, divulgado pelo Banco Central. Apenas este ano, os gastos dos brasileiros com higiene e beleza, estimados pelo Instituto Data Popular, devem chegar a R$ 59,9 bilhões.
Desse total, R$ 29,4 bilhões serão desembolsados pela classe média, R$ 20,4 bilhões pela classe alta e R$ 10,2 bilhões pela classe baixa. Em 2002, os gastos totais eram de R$ 26,5 bilhões – ou seja, houve um crescimento de 126% em 12 anos. Entre os principais serviços utilizados estão os de manicure e cuidados com os cabelos. A frequência nos estabelecimentos é outro motor do crescimento do setor: pelo menos 40% das brasileiras entrevistadas estiveram em salão de beleza em 30 dias.
A expansão do setor, no entanto, vai na direção contrária de indicadores importantes e que apontam um desaquecimento da economia. A confiança do consumidor medida pela Fundação Getulio Vargas (FGV), por exemplo, apresentou retração de 3,3% em maio, após cair 0,8% em abril. Enquanto a receita nominal dos serviços cresceu apenas 6,8% na comparação com janeiro de 2013. O percentual ficou abaixo da alta de 10,1%, em fevereiro, e da de 9,2%, em janeiro, conforme dados divulgados da Pesquisa Mensal de Serviços (PMS), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O setor de serviços prestados às famílias, no entanto, que considera os salões de beleza, cresceu 10% no mesmo período.
O presidente do Data Popular, Renato Meirelles, destaca que o crescimento fora da curva é alicerçado pela ida da mulher para o mercado de trabalho. “Na prática, isso faz com que as mulheres tenham renda própria e entendam que higiene e beleza não são mais gastos supérfluos, mas investimentos”, considera. Estar bonita, segundo Meirelles, é tão importante quanto ter boa qualificação profissional. “Dos cinco principais cargos ocupados por mulheres jovens, quatro são de atendimento direto ao público, e isso demanda investimento em beleza”, garante.
A auxiliar administrativa Ediane Leonardo dos Santos, de 26 anos, vai ao salão todos os fins de semana, e tem como prioridade os tratamentos com o cabelo. “Gasto 10% do meu salário com beleza, porque acredito ser um investimento em mim e sei que vou ter retorno. Uma pessoa bem cuidada é muito mais valorizada e melhor vista pelos outros”, diz. A empresária Denise Aparecida dos Santos também é frequentadora assídua dos salões. Ela prioriza o bom atendimento e tem notado o crescimento do mercado. “Salões bonitos, com serviços de qualidade chamam mais a minha atenção e ganham a minha preferência”, afirma.
ESPECIALIZAÇÃO Com 20 anos de mercado, 20 lojas abertas e crescimento de 30% ao ano, a Beleza Natural, rede especializada em cabelos crespos, deve experimentar seu maior crescimento até 2018, quando espera abrir 120 novas lojas, sendo 26 em Minas Gerais. A primeira delas, recém-inaugurada no Shopping Estação BH, chega a atender 200 pessoas num único sábado. No Rio de Janeiro, onde o salão nasceu, são cerca de 600 atendimentos em um dia. Até agosto, são esperadas mais três inaugurações em Minas: uma no Minas Shopping, outra no Betim Shopping e a terceira no Barreiro. “Percebemos um horizonte de possibilidades e sabemos que o crescimento não é coisa de momento. Atendemos 110 mil clientes por mês com o nosso carro-chefe, que é o super-relaxante”, afirma a diretora comercial da rede, Zilda Barreto.
A diretora lembra ainda que o crescimento é sustentado pelo número de pessoas com cabelos crespos e ondulados e pela busca pela boa aparência. “Não vejo crise nesse setor, porque cuidar dos cabelos é uma necessidade que entra na cesta do cliente”, considera. “Do total de mulheres, 70% têm cabelo crespo, e ainda atendemos uma minoria. Ou seja, temos universo para trabalharm ainda que surja concorrência”, completa Zilda. Seu público-alvo são mulheres e homens das classes B, C e D, entre 18 e 45 anos, que têm cabelos crespos e ondulados e não desejam alisá-los, e, sim, deixá-los bonitos naturalmente, e que gastam de R$ 84,90 a R$ 89,90 pelo tratamento.
Com 29 unidades, sendo uma em Goiânia, quem também vem registrando forte expansão, cerca de 8% ao ano, e dribla qualquer crise no consumo, é a rede de franquias de salões de beleza Socila, com 50 mil atendimentos por mês. Se, ao longo de 2013 a rede inaugurou nove unidades, nos primeiros cinco meses deste ano já foram 10. E a previsão é de que mais três unidades sejam abertas até meados de junho. Entre os motivos para a expansão acelerada, o diretor comercial, Raphael Maia, destaca o formato de cobrança pelos serviços numa espécie de mensalidade. “Crescemos porque inserimos a beleza no orçamento familiar. Desmistificamos o formato de cobrança a cada visita ao salão e oferecemos um pacote mensal”, explica. “Dessa forma, a pessoa não vai depender de ter ou não o dinheiro para pagar aquela semana porque ela já terá quitado um pacote para as quatro semanas”, reforça.
Thiago Guidi, sócio-proprietário do Salão e Escola Bom Pastor, confirma uma mudança no consumo de clientes, que migram do serviço mais caro para o mais barato, e garante que há opções de qualidade com faixas de preços interessantes. “A indústria chega a ter cinco linhas diferentes do mesmo produto, mas cada um para cada faixa de renda”, exemplifica. Diante de um cenário econômico morno, a procura no salão, segundo ele, tem sido focada nos serviços mais em conta. “As pessoas não pararam de consumir, mas reduziram um pouco os gastos”, lembra. Ainda de acordo com ele, a nova classe média, que antes não frequentava o salão, é que tem ajudado a sustentar o “mercado de entrada”, que tem no cardápio os serviços mais baratos.
DE OLHO NO ESPELHO
R$ 59,9 bilhões*
É o que os brasileiros devem gastar com higiene e beleza este ano
R$ 26,5 bilhões
Foram os gastos no país em 2002
Divisão do bolo
R$ 20,4 bilhões
classe alta
R$ 29,4 bilhões
classe média
R$ 10,2 bilhões
classe baixa
34% classe alta
49% classe média
17% classe baixa
Gastos por região do país
Norte R$ 4,8 bi (8%)
Nordeste R$ 13,8 bi (23%)
Centro-Oeste R$ 5,4 bi (9%)
Sudeste R$ 27,6 bi (46%)
Sul R$ 8,4 bi (14%)
Na agenda do mês
40%
das brasileiras foram a um salão de beleza nos últimos 30 dias
45%
fizeram a unha com uma manicure
36%
fizeram o cabelo com um profissional
*Projeção.
Fonte: Data Popular