O ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou ontem uma redução do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para empréstimos de pessoas e bancos no exterior, zerando o tributo para contratos com prazos superiores a 180 dias. Atualmente, o imposto é de 6%. A medida tem objetivos: segurar a cotação do dólar e deixar a moeda norte-americana em nível confortável para conter a inflação; e irrigar o caixa de bancos médios e pequenos para elevar a oferta de crédito ao consumo, principalmente de veículos.
Antes avesso ao capital especulativo, o governo, agora, depende como nunca desses recursos para tentar controlar a inflação, aquecer a economia e aplacar a pressão de segmentos como o automotivo, que está com estoques elevados — até abril, chegava a 40 dias ou 392 mil unidades — e clama por novas linhas de crédito.
A medida praticamente acaba com a escalada tributária iniciada em 2011, quando a Fazenda resolveu impedir a entrada excessiva do dólares no país, que levava o real para o chão e fazia a alegria dos brasileiros que viajavam para o exterior. Agora, com a moeda norte-americana voltando a subir e a inflação, apesar de alguns sinais de arrefecimento sazonal dos alimentos, ainda pressionando o bolso do brasileiro, o governo resolveu irrigar o mercado, facilitando a vida dos pequenos bancos. Com mais dinheiro em caixa, essas instituições têm condições de ampliar as linhas de crédito e atrair novamente os brasileiros para o consumo.
"Existe uma oportunidade adicional de crédito com essa medida, mas ela não é tão expressiva porque a maioria das instituições financeiras capta a prazos maiores. Mas isso ajuda, sim, os bancos pequenos. Eles diminuíram a participação no crédito", disse o ministro, acrescentando que essa medida vai ajudar a aumentar a liquidez das instituições de pequeno e de médio porte. As grandes, por sua vez, reduziram o crédito depois da euforia de 2010, assustadas com o endividamento e a inadimplência de quem, pela facilidade de financiamento, tomava empréstimo e não conseguia honrar devido à elevação de juros e à corrosão da renda pela inflação.
Interferência
Na avaliação do professor do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo Simão Silber, a medida busca aumentar a oferta de dólares no país, que tem caído e feito a moeda norte-americana retomar a rotina de altas diárias. Ontem, a divisa subiu 0,24%, fechando a R$ 2,284. "Essa redução do IOF pode favorecer o governo, que está preocupado com o câmbio. Entrando com mais dólares no país, o Banco Central ficará menos pressionado para aumentar a oferta no mercado à vista porque 90% da captação externa estão sendo feitos por bancos privados e por empresas", explicou.
O economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Newton Rosa, destacou que Mantega está tentando evitar nova saída de dólares, porque os títulos do governo dos Estados Unidos elevaram suas taxas de retorno. "Os juros dos treasuries de 10 anos estavam a 2,45%, na semana passada, e agora estão rodando a 2,60%. E é por isso que o dólar voltou a subir. O governo está tentando se antecipar e evitar que ocorra o mesmo movimento de maio do ano passado, quando os emergentes enfraqueceram com o anúncio da mudança da política de estímulos dos EUA", explicou. Naquela época, o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) injetava mensalmente US$ 85 bilhões no mercado, e, desde o início deste ano, vem reduzindo mensalmente essa liquidez, que hoje está em US$ 65 bilhões.
Apesar de todos os sinais, o ministro nega que a medida tenha como objetivo ampliar o crédito para veículos. Para ele, o setor "pode se virar sozinho", nesse caso. O ministro também evitou comentar as negociações do acordo automotivo do Brasil com a Argentina, para onde as exportações — a maior parte de veículos — encolheram 25% em maio. No entanto, ele disse que o governo ainda não definiu o novo aumento do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) de veículos, previsto para julho. "Não há nada definido em relação aos automóveis. O que está acertado é que terá um aumento, mas não sabemos se ele vai ser pequeno ou não. Vamos analisar as condições do mercado na véspera de essa medida ser tomada", avisou.
Consumo volta ao centro das atenções
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, insiste em apostar no consumo como mola para o crescimento. Para Mantega, a inflação, que caiu em abril e maio, vai continuar caindo em junho e isso vai ajudar o consumidor a comprar mais e, assim, "ajudar a economia".
"A queda da inflação é muito importante para criar condições para a expansão da demanda e do comércio. Quando ela cai, poder aquisitivo é restabelecido, e portanto, a população pode decidir comprar mais e ativar o comércio. E é isso que espero neste segundo trimestre do ano", disse Mantega. Para ele, a alta de apenas 0,2% no Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre do ano foi "uma sazonalidade da economia".
O professor do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo (USP), Simão Silber, no entanto, alertou que o cidadão não vai se empolgar com um aumento da oferta de crédito que deve ocorrer com a medida do IOF de ontem ou mesmo com a inflação baixa. "O brasileiro mudou. Ele está pendurado em vários financiamentos. Não tem fôlego para comprar mais", disse.
"O poder de compra do brasileiro está sendo consumido com a inflação. Ele aprendeu as lições de 2010 e não vai se empolgar novamente. Esse modelo baseado no consumo se esgotou. A economia está estagnada e só voltará a crescer se houver estímulos para os investimentos", acrescentou.
O economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Newton Rosa, também demonstra preocupação com a carestia, apesar de prever alta de apenas 0,34% no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de maio. O indicador subiu 0,67 em abril depois de saltar 0,72% em março. "A inflação, de fato, está em queda, como diz Mantega, mas ela é sazonal. O problema é que tudo está ficando mais caro. A disseminação está acima de 70% e isso é o que preocupa", completou.
Sem novo aporte
Mantega avisou que o governo não estuda aumentar os aportes do Tesouro Nacional para o setor energético. "No momento, não vejo necessidade de um novo aporte. Estamos observando mês a mês, dia a dia, de modo a garantir o pleno funcionamento do setor de energia", disse. Os recursos inicialmente previstos no orçamento para este ano para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para equalizar o aumento do custo da tarifa com o uso das usinas térmicas eram de R$ 9 bilhões, mas o governo anunciou um aporte de mais R$ 4 bilhões no início deste ano. Até o momento, R$ 11,2 bilhões foram utilizados. (RH)