Brasília – Se dentro dos gramados o Brasil é bem representado por uma selecionada equipe de atletas de renome internacional, fora dos estádios a realidade é outra, principalmente no que diz respeito aos interesses do consumidor. Em uma Copa do Mundo que levasse em consideração apenas a satisfação do cliente entre os 32 países participantes do torneio, o Brasil seria eliminado ainda na primeira fase. E pior: não ficaria nem entre os 20 melhores colocados.
O ranking desse hipotético campeonato foi realizado com base em dados levantados em 2013 pela Zendesk, empresa fornecedora de software em nuvem para atendimento ao consumidor e gerenciamento de chamados. A pesquisa foi feita com mais de 40 mil clientes, de diversos setores e segmentos do mercado de bens e serviços. “No Brasil, para cada 100 pessoas atendidas por nossos clientes, constatamos que 72 gostaram do atendimento, enquanto 28 o acharam negativo”, explica o diretor-geral da Zendesk no país, João Luis Olivério.
De acordo com o levantamento, nossa seleção já começaria em desvantagem por cair no mesmo grupo que a campeã Croácia, detentora de um percentual de 97,5% de pessoas satisfeitas com o atendimento prestado pelas empresas à população. O índice positivo do consumidor brasileiro, de 72,4%, colocaria o país também em desvantagem contra o México, que ostenta 82,2%. Mesmo se caísse em outros grupos, seria goleado em pontos percentuais por outras nações europeias, da América do Norte, e até mesmo por sul-americanas (veja quadro). Pontuaria apenas contra a rival Argentina, contra a Bélgica, Portugal, a estreante Bósnia-Herzegóvina, o Irã, a Nigéria, e outros países africanos.
Seja em lojas físicas ou no comércio virtual, o consumidor não escapa de velhos problemas. No varejo, reclamações relativas a questões primárias, como falhas nas entregas, ainda são algumas das principais questões levantadas pelos compradores, segundo o Fundação Procon-SP. Celulares, eletrodomésticos e eletroeletrônicos também geram um grande volume de demandas, que apontam vícios de qualidade dos produtos. Somente em 2013, o órgão ressalta que 790.476 consumidores recorreram aos Procons integrados ao sistema da entidade.
No ano passado, de 10 empresas com mais registros de reclamações, nove pertenciam aos setores financeiro e de telecomunicações, as campeãs de queixas. Para a coordenadora institucional da Associação de Consumidores Proteste, Maria Inês Dolci, os serviços prestados pelas companhias de telefonia móvel ainda deixam muito a desejar. “Muitas empresas oferecem pacotes baratos, mas que não preenchem as expectativas do consumidor”, diz ela. “O brasileiro paga valores absurdos sem ter o retorno esperado”, afirma.
Promoções Devido ao clima que o Mundial trouxe ao país, promoções no varejo se tornaram corriqueiras, e os problemas vieram juntos. Temendo o desaquecimento de vendas, lojistas anunciam ofertas e liquidações que, segundo Maria Inês, podem ser enganosas. "É importante o consumidor ficar atento a esses descontos e tirar todas as dúvidas antes de comprar alguma coisa, porque muitas dessas promessas são falsas. Isso pode causar uma revolta e insatisfação muito grande", avalia.
A especialista lembra que, apesar de o Brasil ter tido sete anos de preparo para a Copa do Mundo, a infraestrutura do país ainda deixa a desejar, o que tornou o consumidor mais crítico. "Ele está sentindo que não consegue aproveitar o benefício que o evento trouxe. Muitos continuam a reclamar de falhas na internet 3G do celular e da linha do próprio aparelho", conta. Mais do que problemas em produtos e serviços, o brasileiro demonstra insatisfação com os próprios serviços públicos. "Hoje, o consumidor está percebendo, por exemplo, que a locomoção e acessibilidade aos estádios é falha", avalia.
Balanço A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao Ministério da Justiça, divulgou que, na primeira semana de Copa do Mundo, não houve registro significativo de demandas de consumo. De acordo com a assessoria de imprensa, a constatação é feita com base no resultado do diálogo mantido com os membros do Centro Integrado de Proteção ao Consumidor nas cidades-sede da Copa do Mundo.
Uma das poucas demandas registradas foi em Cuiabá, onde um grupo de chilenos teve pertences furtados, incluindo os ingressos. Em Fortaleza, foram registradas reclamações sobre a falta de água e cerveja no estádio, bem como demora na abertura das lanchonetes.
Até o momento, todas as demandas registradas foram solucionadas no local por meio do diálogo mantido com associações do setor responsável. Para os torcedores que tiverem algum tipo de problema de consumo, os órgãos de defesa do consumidor locais das cidades-sede estão atuando em unidades móveis e em regime de plantão junto aos aeroportos, rodoviárias e Fan fests.
Goleada de empregos
Rio de Janeiro – A Copa do Mundo foi responsável pela geração de 1 milhão de empregos, dos quais 710 mil permanentes, segundo balanço preliminar do governo sobre os ganhos decorrentes da realização do Mundial de futebol no país. São mais de 15% dos 4,8 milhões de vagas criadas durante todo o governo de Dilma Rousseff, informou a Secretaria de Imprensa da Presidência da República, que utilizou no cálculo os dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A estimativa foi apresentada ontem pelo presidente da Embratur, Vicente Neto, durante o painel “Impacto dos grandes eventos na economia brasileira”, no qual, junto com especialistas, fez um balanço prévio dos benefícios gerados pela Copa.
Outro ganho, apontou ele, é a previsão de que o evento movimentará R$ 6,7 bilhões. Neste caso, não são considerados os investimentos em infraestrutura, que, pelo discurso do governo brasileiro, seriam realizados de qualquer forma, independentemente da indicação dos organizadores dos jogos. Apesar da divulgação de números favoráveis à Copa, a opinião de especialistas presentes ao evento é de que ainda é cedo para calcular o legado econômico do evento.
Pedro Trengrouse, da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-Rio), compara os dados brasileiros aos da África do Sul, onde estudos apontam ganho de 1% do Produto Interno Bruto (PIB). Relativamente ao PIB brasileiro, 1% equivaleria a R$ 48,4 bilhões, muito acima dos R$ 6,7 bilhões, mas, em sua opinião, não é possível comparar resultados em países com características econômicas e culturais tão distintas, onde o futebol não mobiliza a população com a mesma intensidade. A sua expectativa é de que, no Brasil, os ganhos serão maiores do que os conseguidos na África do Sul, que sediou o último Mundial.
Já Lamartine da Costa, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), destacou que todo impacto na economia é progressivo e que, por isso, não é possível mensurá-lo no curto prazo. “Apenas agora estão sendo quantificados os ganhos (da Olimpíada) em Barcelona, de 1992”, destacou. Mas, no governo, a preocupação já é em prolongar os ganhos e multiplicá-los no turismo daqui para frente, diz o presidente da Embratur.
Incentivo Passado o evento, o governo iniciará um programa de incentivo a viagens domésticas e de atração de estrangeiros ao país. Ele ressaltou a entrada de divisas com o setor em 2013, de US$ 6,7 bilhões, de acordo com dados do Banco Central. A principal crítica dos especialistas presentes ao painel, entretanto, não focou no legado econômico do mundial de futebol, mas no modelo adotado pela Fifa e, principalmente, na relação da federação com o governo. “O que resta é o impacto desse evento para as relações internacionais. O Comitê Olímpico Internacional (COI) já acordou para isso. A Fifa, não sei”, disse Costa.